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terça-feira, 20 de dezembro de 2022

O Açougue do mathias Carlos Roberto A. dos Santos Na 2a metade do Séc. XIX, o Império brasileiro vivia assolado pela carestia de gêneros alimentícios.

 O Açougue do mathias

Na 2a metade do Séc. XIX, o Império brasileiro vivia assolado pela carestia de gêneros alimentícios. 
O Açougue do mathias
Carlos Roberto A. dos Santos

Na 2a metade do Séc. XIX, o Império brasileiro vivia assolado pela carestia de gêneros alimentícios. A Província do Paraná, ainda em fase de gestação de sua estrutura de produção agro-alimentar, encontrava-se em crise que parecia ter aspectos permanentes: preços elevados, baixa produtividade e má qualidade dos alimentos, e outros.
A carne verde não era considerada gênero de primeira necessidade, ainda que houvesse forte demanda da população pelo tabelamento dos preços a fim de evitar as especulações.
Nesse sentido se explica, em parte, a intervenção do Estado no abastecimento e comércio de alimentos no Paraná.
O universo da carne verde envolvia interesses diversos: da parte do Governo, dos criadores, dos intermediários e dos comerciantes, face aos ditames do capital comercial em expansão na Província.
A regulamentação do sistema de produção e comércio da carne era atribuição das Câmaras
Municipais, cujos dispositivos constituíam heranças da legislação colonial.
Em Curitiba, a preocupação em responder à demandas da população por carne de boa qalidade, barata e abundante, levou a Câmara Municipal a estabelecer "Posturas", que previam multas para as seguintes contravenções: vender carne de rês cansada, mordida por cobra ou morta de causa desconhecida; matar e esquartejar o gado fora do matadouro público; expor a carne fora dos portais do açougue; expor a carne por mais de 2 horas após a morte da rês; usar machado para separar os ossos, em substituição a serra ou serrote legalmente permitidos; faltar com o devido asseio nos cepos onde se cortava a carne; usar peso de pedra, foras das especificações, em substituição aos pesos de chumbo, ferro ou bronze legalmente permitidos.
De acordo com o jornal "O 19 de Dezembro", na Província do Paraná era evidente o monopólio sobre a carne e o peixe: em Curitiba o comércio da carne era denominado pelos açougueiros alemães e em Paranágua o mercado de peixes era controlado "pelo Eg-ino e sua patuléia".
Em 1877, em Curitiba, sob a administração do Mathias rompeu com a carestia e penúria de carne e com o monopólio estabelecido pelos açougueiros alemães, baixando o preçodo kilograma de 280 para 200 réis. A atitude do Mathias foi muito bem acolhida pela população curitibana, fazendo aumentar consideravelmente a sua freguesia.
Tal situação lecou os alemães a baixarem o preço da carne, no sentido de i-gualar aquele sustentado pelo Mathias.
A população curitibana demonstrando plena consciência do ato praticado pelo Mathias, passou a lhe oferecer todo o apoio visando a manutenção do preço fixado, pois sabiam que "se os alemães também vendem-na por semelhante preço é só enquento e-xistit aquele emulo.
Sustentemos este que a carne não subirá; desapareça este que lá virá os 280 e quem sabe, os 320 réis".
Na verdade o ato do Mathi-as buscava atingir uma espécie de cartel de comércio de carne verde (inclusive alguns vereadores eram comerciantes de gado), puxando os preços para baixo e rompendo com o tabelamento estabelecido pelos açougueiros alemãs a partir de uma situação de pico dos preços.
Portanto, em Curitiba, o ato isolado do Mathias trouxe repercussões importantes para o abastecimento e comércio da Capital, até então caracterizados pela car-estia e penúria de alimentos. E a conjuntura de curto prazo, de preços baixos, só pode ser mantida com a devida solidariedade manifestada pelo povo curitibano.
Desta maneira, o exemplo do passado realça hoje, na comemoração dos 300 anos de Curitiba, a ausência de dois ingredientes básicos: a ousadia do Mathias e o apoio popular.

Carlos Roberto A. dos Santos é professor titular em História do Brasil e Pró-Reitor de Pesquisas e Pós-Graduação da UFP