quarta-feira, 3 de março de 2021

HISTÓRIA DO BARREADO E SUA RECEITA.

 





























COZINHANDO A TRADIÇÃO


FESTA, CULTURA E HISTÓRIA NO LITORAL
PARANAENSE.

Tese apresentada ao Curso de Pós Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Antunes dos Santos


RESUMO
Descrito muitas vezes como símbolo de festa e fartura no litoral paranaense, o Barreado consiste em uma inusitada iguaria feita à base de carne, que é cozida exaustivamente junto com alguns temperos.
De sabor forte, considerado por muitos exótico, o prato está presente nas casas, festas comunitárias e também nos restaurantes, tendo seu consumo associado diretamente com o Fandango e o Carnaval, sendo também objeto de folclórica discussão entre parnanguaras, morretenses e antoninenses. Nas últimas décadas, porém, a tradição do Barreado transcendeu seu uso doméstico, tornando-se um elemento estratégico para o desenvolvimento de alguns municípios litorâneos, principalmente Antonina e Morretes.
A partir daí foi concebida esta pesquisa, que têm como tese central de trabalho a percepção de que a tradição da degustação do Barreado no litoral paranaense se dá por conta de sua íntima relação com o contexto cultural local, mas também em virtude de estratégias políticas e econômicas que transformam, a partir da década de 1970, a produção e comercialização do prato em uma ferramenta de desenvolvimento regional. Tal iniciativa de pesquisa se apoiou em fontes documentais e também orais, consideradas aqui essenciais para a compreensão do crescimento da comercialização da iguaria, bem como na leitura e discussão de alguns conceitos como memória, identidade, tradição e patrimônio, considerados fundamentais para o dimensionamento adequado do Barreado como iguaria culinária e também como uma manifestação cultural.
Palavras-chave: Barreado – Alimentação – Tradição – Litoral Paranaense - Turismo.


INTRODUÇÃO
Observa-se que, embora várias fontes indiquem que o Barreado é preparado e degustado há mais de 200 anos em Guaraqueçaba, Guaratuba, Antonina, Paranaguá e Morretes, na atualidade são apenas os três últimos municípios que exploram o prato comercialmente, bem como têm sua imagem associada à iguaria.
Durante vários anos tais localidades disputaram entre si, e ainda o fazem, mesmo que de maneira velada – a “paternidade” do prato, e a titularidade da “receita original” ou do “melhor Barreado”.
Tais cidades, tão próximas geograficamente, possuem laços históricos que abrangem a ocupação territorial, a formação de sua população, além de vários aspectos sócio-econômicos e culturais.
Até hoje é bastante comum encontrar famílias cujos membros se dividem entre Antonina, Morretes e Paranaguá, tornando-se fácil compreender os hábitos e tradições comuns, principalmente porque a ocupação humana da região se deu a partir da mesma base étnica.


DÉCADA DE 1980: A ASCENSÃO DO BARREADO
No início da década de 1980, o Barreado era degustado nas residências de Antonina, Morretes e Paranaguá principalmente no período carnavalesco e em festas familiares, religiosas e comunitárias.
Para aqueles que não possuíam familiares no litoral, desconheciam a receita ou ainda não dominavam a forma de preparo, a abertura de restaurantes que serviam o Barreado ampliou enormemente o acesso à iguaria. O Restaurante do Hotel Nhundiaquara (Morretes), o Restaurante da Leda (Antonina), o Restaurante Madalozo (Morretes) e o Restaurante Danúbio Azul (Paranaguá) abrem os anos oitenta funcionando em pleno ritmo e conquistando um número cada vez maior de clientes.
O Clube Náutico (Antonina), que atendia clientes e visitantes mediante reservas nos finais de semana, continuava esporadicamente servindo o prato (também sob reserva), mas desde o término da gestão de Neréa Sarmento em meados da década de 1970 e do afastamento de dona Leda, agora concentrada em seu próprio restaurante, a iguaria perdeu destaque e também boa parte dos clientes.
No mesmo período verifica-se que, no âmbito institucional, a PARANATUR seguiu investindo na administração de terminais de turismo de massa e nos campings, buscando promover o turismo interno associado ao Turismo Social, incentivando os paranaenses, inclusive os com baixo poder aquisitivo, a conhecer o próprio estado.
Como parte desta proposta, em março de 1980, a empresa publicou em periódicos de circulação estadual, dentre eles a Revista Panorama, uma divulgação que incluía imagens de Vila Velha (Ponta Grossa), Sete Quedas (Guaíra), Teatro Guaíra (Curitiba), Cataratas do Iguaçu (Foz do Iguaçu) e a Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, com o seguinte texto: Americanos, argentinos, franceses, alemães, italianos, belgas, canadenses, japoneses, sabem o que é bom. Melhor para você! (PARANATUR, 1980).
Em paralelo às iniciativas de divulgação, verificava-se também uma preocupação com a melhoria da infra-estrutura do estado. Em agosto de 1980 o BADEP divulgou que iria destinar 85 milhões de cruzeiros por meio da linha de crédito FUNGETUR no prazo de um ano para o setor turístico paranaense, dentro de um plano de prioridades estabelecido pela PARANATUR. Segundo a Revista Paraná em Páginas:
Conforme plano aprovado em conjunto pelo BADEP e pela PARANATUR a aplicação do dinheiro será bem diversificada.
Entre alguns empreendimentos turísticos classificados como prioritários para o atendimento está o reaparelhamento da rede hoteleira no interior do estado. Também, com destaque, o revigoramento de estâncias hidrominerais, além do incentivo à prática do turismo rural (implantação de hotéis fazendas) e outros equipamentos de lazer, como centros de convenções, tudo com o objetivo de fazer com que o visitante permaneça por mais tempo no território paranaense.
No quadro geral, os destinos turísticos de maior destaque continuavam sendo Foz do Iguaçu e Ponta Grossa (em virtude do Parque Estadual de Vila Velha), com a Lapa ganhando destaque por conta de seus aspectos históricos.
Paranaguá era divulgada por sua história e importância para o desenvolvimento paranaense: cidade litorânea que se apresenta como o berço da colonização paranaense (PONTOS turísticos, 1982). O litoral, de maneira geral, continuava bastante concorrido durante a temporada de verão, embora vários entraves persistissem, incluindo agora a especulação imobiliária, os problemas com ferry-boats, a falta de saneamento básico e a má qualidade das vias de acesso. Outro aspecto que contribuía para fragilizar a realidade litorânea era a falta de movimento na chamada “baixa temporada”, principalmente nos balneários, o que terminava por prejudicar o comércio e inibir maiores investimentos em restaurantes e meios de hospedagem.
A partir do início da década de 1980 são promovidas pelo Governo do Estado, pelas diferentes gestões, programas anuais que levavam atividades de lazer (e ainda levam) às praias paranaenses durante o verão. Dentre os títulos dessas operações pode-se mencionar: Verão Vivo e Operação Verão.
No contexto estadual, em janeiro de 1981, o governo Ney Braga voltou a promover o estado junto aos próprios paranaenses.
Com o slogan “É hora de viver Paraná”, atrelado ao logotipo da administração vigente, o texto, intitulado “Viva o verão do Paraná”, apresentava os destinos turísticos como opção para o verão, citando a Ilha do Mel, Foz do Iguaçu, Sete Quedas e as facilidades que as secretarias estaduais de saúde, bem estar social e de segurança, estariam viabilizando em todo o estado. O litoral era assim abordado: [...] ao bucolismo de Morretes. Dos saborosos frutos do mar de Antonina e Paranaguá, aos passeios pelas areias de Pontal do Sul, Praia de Leste, Matinhos, Caiobá e Guaratuba.
Em 1981, a legalização dos jogos de azar voltou à pauta em todo o Brasil. A discussão logo foi trazida para o universo do turismo, pois a necessidade de desenvolver a atividade turística acabou sendo arrolada como uma das justificativas para tal aprovação. Uma reportagem da "Paraná em Páginas", citava o posicionamento da EMBRATUR: no entender de Lauro Guimarães, da EMBRATUR, os cassinos devem ser instalados apenas em locais onde não entrem em choque com a cultura da região e, assim, não modificando o modo de viver dos moradores.
No Paraná, Foz do Iguaçu, Guaíra e Guaratuba eram considerados os lugares mais adequados para receber um cassino, e a própria Antonina chegou a ser mencionada como um lugar privilegiado para instalação desse tipo de estabelecimento. No entanto, apesar de discussões e debates mais inflamados, a proposta não evoluiu e o jogo continuou proibido no país.
Em julho de 1981, a Revista "Paraná em Páginas", publicou uma nota sobre Antonina, caracterizando-a como uma cidade de muita história, ruas estreitas, bonitas igrejas, casas do período do império....O prato típico do lugar é o “Barreado” que os turistas podem saborear em restaurante especializado que funciona normalmente”. Tal informação vai se repetir de toda a década de 1980 nas páginas da revista, sempre associando a cidade a suas ruas estreitas, casario antigo, povo hospitaleiro e ao Barreado.
No ano seguinte, é a vez de Morretes ganhar um novo estabelecimento voltado para o Barreado.
É neste ano que o empresário Gilmar Cunha, segundo ele mesmo, morretense teimoso, nascido e criado, e sua esposa Jeanete Cunha, natural de Campo Mourão, abriram o Lubam restaurante, especializado em Barreado. O Lubam, um restaurante cujo cardápio se resume basicamente à combinação do Barreado com frutos do mar, surgiu a partir da experiência do casal com um outro estabelecimento, o Tropical, onde começaram a “testar” o Barreado.
Sobre o início de sua trajetória no ramo da alimentação, o empresário comenta: - Na realidade, o restaurante nasceu de um bar de sinuca, o Tropical. Nós tínhamos um bar de sinuca, que daí passou a ser a lanchonete, e as pessoas pediam comida, porque na época não tinha muito restaurante em Morretes. Hoje, se for fazer uma pesquisa, nós somos o terceiro restaurante mais antigo, o primeiro vem a ser o Madalozo, o Nhundiaquara, depois o nosso. Agora, não sei se o primeiro foi o Madalozo ou o Nhundiaquara.
Depois foram aparecendo os outros restaurantes. Mas as pessoas lá no Bar pediam para que a gente fizesse uma comida. “Poxa, você não faz um peixe? Não faz um bife, uma coisa assim?” Daí a coisa começou a tomar proporção mais para o lado do restaurante, entendeu? Daí nós fomos criando pratos e isolando aquela parte, tirando aquela parte de lanchonete, e passou a ser restaurante. Foi uma coisa muito rápida, mais a pedido da clientela. Daí nós fomos criando o cardápio e começamos a fazer Barreado, fomos pesquisando o Barreado e estamos até hoje.
O entrevistado revela que arrendou o Tropical de seu cunhado e, que na época não possuía nenhuma experiência com o ramo de alimentação.
Quando a clientela já estava consolidada, comprou o estabelecimento e, como anteriormente citado, transformou-o gradativamente em um restaurante. O Restaurante Tropical funcionava então na Rua XV de Novembro, perto do Clube Sete de Setembro, em um espaço alugado. Diante da ideia de começar a trabalhar com o Barreado congelado, veio a necessidade de encontrar um nome que fosse mais original do que Tropical, que já estava associado aos mais diferentes produtos alimentícios ou não: A gente começou com o Tropical mas quando lançamos o Barreado congelado já lançamos como Lubam. Então a gente criou essa marca, porque o meu sobrenome não dá marca, da minha esposa também não, então criamos esse nome e registramos como marca.
Com planos de expandir os negócios, o casal comprou o terreno em que se encontra atualmente o restaurante, realizou as edificações e, em 1982, inaugurou a casa, com a denominação de Lubam, com cento e trinta lugares. O Barreado congelado da marca Lubam foi lançado em vários supermercados de Curitiba e do Paraná, e também passou a ser vendido em um quiosque anexo ao restaurante, em funcionamento até os dias de hoje. O Barreado, que agora podia ser degustado em Antonina no Restaurante da Leda e na Caçarola do Joca, e em Morretes no Hotel Nhundiaquara, no Restaurante Madalozo e no Restaurante Lubam, e em Paranaguá no Restaurante Danúbio Azul, ganhou destaque em Curitiba durante o Festival do Barreado e do Fandango. Realizado entre 29 e 31 de outubro de 1982 nas dependências do SESC Portão, o Festival foi uma promoção do SESC e da Associação Tradicionalista Gralha Azul.
Durante o evento, de divulgação estadual, foi distribuído um encarte que trazia explicações sobre o Barreado, o Fandango e ainda algumas receitas com pinhão. A história do Barreado era apresentada e ele era apontado como um prato litorâneo, sem que se especificasse o município de sua origem ou onde poderia ser degustado. Também constava do folheto uma receita do prato, em que se mencionavam algumas peculiaridades de seu preparo, inclusive, a maneira de se fazer o lacre da panela.


Fonte> UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ,
Por MARIA HENRIQUETA SPERÂNDIO GARCIA GIMENES.


Tese apresentada ao Curso de Pós Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Antunes dos Santos.

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