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sábado, 27 de dezembro de 2025

A Casa dos Glasser: Entre a Vida Doméstica e o Legado Jurídico na Avenida Vicente Machado

 Denominação inicial: Projéto de Residência para Roberto Glasser/Ivette Robine Glasser

Denominação atual: Escritório de Advocacia

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Médio Porte

Endereço: Avenida Dr. Vicente Machado, nº 281

Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 411,00 m²
Área Total: 411,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos

Data do Projeto Arquitetônico: 29/05/1941

Alvará de Construção: N° 5399/1941

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de residência, Alvará de Construção e fotografia do imóvel.

Situação em 2012: Existente


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.
2 – Planta com cortes A-B e C-D da residência.
3 – Planta baixa do sótão e garagem.
4 - Alvará de Construção.
5 – Fotografia do imóvel em 2012.

Referências: 

1, 2 e 3 - CHAVES, Eduardo Fernando. Projéto para Residência. Propriedade de Dª. Ivette Robine Glasser. Planta baixa do andar térreo, fachada principal e laterais esquerda e direita; cortes A-B e C-D, implantação e muro; planta baixa do sótão e garagem, com corte e fachada da garagem representados em três pranchas. Microfilme digitalizado.
4 - Alvará n.º 5399
5 – Fotografia de Elizabeth Amorim de Castro (2012).

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.

A Casa dos Glasser: Entre a Vida Doméstica e o Legado Jurídico na Avenida Vicente Machado

Uma residência de médio porte projetada por Eduardo Fernando Chaves em 1941 que, décadas depois, se transformou em escritório de advocacia — testemunha viva da evolução urbana e funcional de Curitiba

Na primavera de 1941, enquanto o mundo mergulhava nos abismos da Segunda Guerra Mundial, em Curitiba o arquiteto Eduardo Fernando Chaves dedicava-se a um projeto pessoal e elegante: a residência para o casal Roberto Glasser e Ivette Robine Glasser, localizada no número 281 da Avenida Dr. Vicente Machado. Com 411 metros quadrados distribuídos em dois pavimentos, construída em alvenaria de tijolos, a casa representava o ideal de conforto, status e modernidade da classe média alta paranaense na primeira metade do século XX.

Mais de setenta anos depois, em 2012, o imóvel ainda existia, não mais como lar, mas como Escritório de Advocacia — uma transformação que fala não apenas de mudanças familiares, mas da própria dinâmica da cidade: onde antes havia quintais e jantares em família, agora há audiências, processos e a busca por justiça. Ainda assim, a estrutura original — nobre, equilibrada e funcional — mantém viva a memória dos Glasser.


Roberto e Ivette Glasser: Um Casal na Vanguarda do Seu Tempo

Embora os registros biográficos sobre Roberto Glasser e Ivette Robine Glasser sejam escassos, o fato de possuírem uma residência de médio porte em uma das avenidas mais prestigiadas de Curitiba já indica uma posição social consolidada. A escolha de contratar um arquiteto renomado localmente — como Eduardo Fernando Chaves, responsável por dezenas de projetos residenciais entre as décadas de 1930 e 1950 — reforça a importância que o casal atribuía ao espaço doméstico como expressão de identidade e estabilidade.

Curiosamente, é Ivette Robine Glasser que aparece como proprietária nos documentos do projeto, sugerindo que talvez fosse ela a detentora legal do imóvel — um detalhe notável para a época, quando a titularidade feminina ainda era exceção. Seu nome também dá título à planta arquitetônica preservada: “Propriedade de Dª. Ivette Robine Glasser”, uma marca sutil, porém poderosa, de autonomia e protagonismo.


O Projeto de Eduardo Fernando Chaves: Equilíbrio, Hierarquia e Luz

Assinado em 29 de maio de 1941, o projeto arquitetônico revela a maturidade técnica e estética de Chaves. Distribuído em três pranchas detalhadas, o desenho inclui:

  • Planta baixa do andar térreo, com salas de estar e jantar claramente definidas, cozinha, área de serviço e espaços de circulação fluidos;
  • Fachadas principais e laterais, que combinam simetria clássica com elementos modernos — como janelas alongadas e volumes emoldurados;
  • Cortes A-B e C-D, que demonstram a preocupação com a ventilação natural e a iluminação cruzada, fundamentais no clima subtropical úmido de Curitiba;
  • Planta do sótão, espaço frequentemente usado como área íntima, depósito ou lazer;
  • Garagem independente, com sua própria fachada e corte — um luxo raro na época, que indicava posse de automóvel, símbolo inquestionável de modernidade.

A alvenaria de tijolos, material predominante, conferia durabilidade e respeitabilidade à construção. Não se tratava de uma casa efêmera, mas de um patrimônio familiar destinado a durar gerações.

O Alvará de Construção nº 5399/1941, emitido poucos meses após o projeto, autorizou a edificação de uma residência que se integrava harmoniosamente ao entorno urbano da Avenida Vicente Machado — então um corredor em ascensão, habitado por médicos, engenheiros, comerciantes e profissionais liberais.


Da Casa Familiar ao Escritório de Advocacia

Em 2012, a fotógrafa Elizabeth Amorim de Castro registrou o imóvel ainda de pé, com sua estrutura essencial preservada. Apesar da mudança de uso — de residência para escritório jurídico —, a fachada mantinha traços originais: os vãos simétricos, a proporção dos panos cegos e envidraçados, o ritmo compositivo que tanto caracterizava a arquitetura residencial chavesiana.

Essa reconversão funcional é emblemática da transformação de Curitiba ao longo do século XX. Avenidas outrora residenciais, como a Vicente Machado, foram gradativamente absorvidas pelo tecido comercial e profissional da cidade. Muitas casas foram demolidas; outras, adaptadas. A casa dos Glasser pertence ao segundo grupo — resiliência arquitetônica aliada à reinvenção do uso.

A escolha de transformá-la em escritório de advocacia não é acidental. A solidez do edifício, a privacidade dos ambientes internos e a localização estratégica tornam-no ideal para o exercício de uma profissão que exige discrição, seriedade e confiança — qualidades que, aliás, também definiam a própria residência original.


Um Patrimônio Silencioso, Mas Presente

Diferentemente de grandes ícones modernistas, a casa dos Glasser não ostenta vanguardismo radical. Sua beleza reside na moderação, na clareza espacial, na dignidade do detalhe construtivo. É uma arquitetura que não grita, mas que permanece — assim como as famílias que nela habitaram.

Felizmente, em 2012 ainda existia. E, enquanto suas paredes abrigarem atividades humanas — sejam elas jantares familiares ou reuniões de trabalho —, o espírito do projeto de Eduardo Fernando Chaves continuará vivo.


Conclusão: Memória em Alvenaria

A residência dos Roberto e Ivette Glasser é mais do que um imóvel no número 281 da Avenida Dr. Vicente Machado. É um fragmento da história social de Curitiba, um testemunho da arquitetura residencial de qualidade produzida por profissionais locais, e um exemplo raro de continuidade física e funcional em tempos de apagamento acelerado do passado urbano.

Que sua fachada continue a olhar para a avenida com a mesma compostura de 1941 — não como relíquia, mas como espaço vivo, onde a memória do lar se entrelaça com a busca contemporânea por justiça, ética e pertencimento.

“Uma casa bem feita nunca morre. Ela apenas muda de função — mas nunca de alma.”