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terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Maria Dolores Leão da Veiga e o Escritório do Alto da Glória: Um Legado de Resistência e Presença na Curitiba dos Anos 1920

 Denominação inicial: Projecto de escriptorio para Viúva Bernardo da Veiga (Maria Dolores Leão da Veiga)

Denominação atual:

Categoria (Uso): Diversos
Subcategoria: Escritório

Endereço: Alto da Glória

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 144,00 m²
Área Total: 144,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos

Data do Projeto Arquitetônico: 27/09/1923

Alvará de Construção: Talão N° 961; N° 2557/1923

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de escritório.

Situação em 2012: Demolido


Imagens

1 – Fachada frontal.
2 – Planta do pavimento térreo e corte.
3 – Implantação.

Referências: 

CHAVES, Eduardo Fernando. Projecto de escriptorio para Viuva Bernardo da Veiga no Alto da Gloria. Planta do pavimento térreo, secção horizontal, implantação, corte e fachada frontal apresentados em três pranchas. Microfilme digitalizado.

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba.

Maria Dolores Leão da Veiga e o Escritório do Alto da Glória: Um Legado de Resistência e Presença na Curitiba dos Anos 1920

Na Curitiba de 1923, ainda marcada por contrastes entre o rural e o urbano, entre tradições patriarcais e os primeiros ventos da modernidade, Maria Dolores Leão da Veiga — conhecida oficialmente como Viúva Bernardo da Veiga — encomendou um projeto arquitetônico que, embora modesto em dimensões, revelava uma postura rara para a época: a de uma mulher viúva assumindo espaço público, econômico e simbólico na cidade.

O “Projecto de escriptorio para Viúva Bernardo da Veiga”, assinado em 27 de setembro de 1923 e localizado no Alto da Glória, não era apenas um edifício de alvenaria; era um ato de afirmação. Num contexto em que raramente mulheres — especialmente viúvas — eram titulares de propriedades comerciais ou profissionais, Maria Dolores ergueu, ainda que simbolicamente, uma bandeira de autonomia no coração de um bairro em ascensão social.


A Casa que Foi um Escritório: Arquitetura com Propósito

Com 144,00 m² distribuídos em único pavimento, o escritório foi projetado em alvenaria de tijolos, material sólido e duradouro, em contraste com as construções de madeira ainda comuns na cidade. Sua localização no Alto da Glória — região privilegiada, próxima ao centro e habitada por famílias da elite curitibana — reforçava não apenas o status social da proprietária, mas também a intenção de integrar-se ao núcleo administrativo e intelectual da capital.

O projeto, documentado em três pranchas que incluem fachada frontal, planta do térreo, corte e implantação, revela um desenho funcional e elegante. A fachada, apesar da simplicidade típica dos escritórios da época, apresenta proporções equilibradas, aberturas generosas para ventilação e iluminação natural, e um tratamento cuidadoso do alinhamento urbano — indícios de que o edifício buscava harmonizar utilidade e respeito ao entorno.

O alvará de construção, registrado sob o Talão nº 961, nº 2557/1923, confirma que o projeto foi devidamente autorizado pelas autoridades municipais, evidenciando a legitimidade do empreendimento e, por extensão, da própria Maria Dolores como agente ativa na vida urbana.


Maria Dolores Leão da Veiga: Mais que uma Viúva, uma Protagonista

Embora os registros históricos não detalhem sua profissão ou atividades exatas, o simples fato de uma mulher encomendar um escritório próprio — não uma residência, nem um comércio familiar, mas um espaço claramente voltado a atividades administrativas, jurídicas ou intelectuais — é notável.

Na linguagem burocrática da época, ela foi registrada como “Viúva Bernardo da Veiga”, identidade vinculada ao marido falecido, como era costume. Mas por trás desse título formal estava Maria Dolores Leão da Veiga: mulher com nome próprio, com patrimônio, com vontade de ocupar espaço na cidade com seu próprio nome.

Sua escolha por um escritório — e não por um sobrado misto, com loja embaixo e casa em cima, modelo mais comum entre mulheres empreendedoras — sugere que sua atuação era de natureza distinta: talvez ligada à gestão de bens, à advocacia informal, à correspondência comercial ou até à administração de terras herdados. Independentemente da função exata, o edifício era um testemunho de sua independência econômica e social.


Destino e Memória: Um Edifício Desaparecido, Uma História que Persiste

Infelizmente, o escritório de Maria Dolores não resistiu ao tempo. Até 2012, já havia sido demolido, cedendo lugar, provavelmente, a novas construções em um bairro que continuou a se valorizar. Nada resta, fisicamente, do edifício no Alto da Glória.

Contudo, sua memória arquitetônica subsiste nos arquivos. As pranchas originais, hoje preservadas em microfilme digitalizado e citadas nos estudos de Eduardo Fernando Chaves, mantêm viva a imagem de um espaço pensado com intencionalidade, dignidade e propósito.


Legado Feminino na Arquitetura e na Cidade

O caso de Maria Dolores Leão da Veiga ilumina um fenômeno frequentemente negligenciado na historiografia urbana: o protagonismo feminino nas decisões construtivas e imobiliárias. Enquanto os manuais de história da arquitetura celebram engenheiros e prefeitos, figuras como Maria Dolores operaram nos bastidores da cidade, moldando seu tecido social com discrição, mas com firmeza.

Seu escritório, embora desaparecido, convida-nos a repensar: quem constrói a cidade? Não apenas quem assina os planos, mas quem os encomenda. Quem decide ocupar, quem transforma o espaço em lugar de ação, de memória, de existência.

Maria Dolores não deixou estátuas, mas deixou um projeto. E, nesse projeto, reside sua voz.


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