quarta-feira, 3 de março de 2021

A PAISAGEM PARANAENSE FOTOGRAFADA POR ARMIN HENKEL.

 


Rio Nhundiaquara  
Morretes - Paraná - Brasil

Autor da Pesquisa: Luís Afonso Salturi
lasalturi @ yahoo.com.br
Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná. Professor na Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) e na Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL), em Curitiba. Pesquisador de temas relacionados à cultura e a arte paranaense.

A paisagem paranaense fotografada por Armin Henkel.

O presente relato apresenta imagens fotográficas antigas produzidas pelo fotógrafo alemão Armin Henkel, entre o final da década de 1930 e início da década de 1950. Esse material, pouco conhecido entre pesquisadores e admiradores de fotografia, foi encontrado na cidade de São Paulo, no período em que eu estava realizando pesquisas para minha tese de doutorado, que trata sobre três gerações de artistas plásticos paranaenses.
. Naquela ocasião, viajei de Curitiba a São Paulo com o objetivo de entrevistar uma das filhas do artista plástico e cientista Frederico Lange de Morretes.
. Numa das entrevistas, acabei descobrindo que Armin Henkel fora casado com Anna Lange, irmã de Frederico Lange de Morretes. Logo de início, as fotografias chamaram minha atenção e percebi que, em outro momento, poderia pesquisar mais sobre Armin Henkel.
As fotografias listadas no quadro 1, a seguir, foram encontradas numa caixa no acervo particular de dona Berta Lange de Morretes, a quem devo agradecer imensamente por cedê-las para fins de pesquisa. Elas foram um presente de Henkel para a sobrinha. Trata-se de um material inédito, produzido a partir de várias excursões pelo estado do Paraná, realizadas pelo fotógrafo, juntamente com sua esposa e outros excursionistas no período mencionado. Não se sabe ao certo se essa produção tinha um fim específico, nem se essas fotografias tiveram circulação. Contudo, ao folhear periódicos antigos do Paraná, encontrei outras fotografias de Henkel utilizadas para ilustrar textos jornalísticos. Há também a possibilidade de que fossem um registro fotográfico da excursão para um arquivo pessoal, que depois poderia ter outra finalidade, como a produção de postais, o que era uma prática comum entre os fotógrafos paranaenses da época.

Quadro 1 

- Acervo fotográfico
Nº. TÍtulos / Temas[4] Medidas (cm)
01 - A Esfinge do Salto do Inferno, Rio Ipiranga 16 x 23
02 - Pico da Farinha, Serra do Mar 11,5 x 17
03 - Pinhas 16 x 23
04 - Pinheiro 16 x 23
05 - Lapa 16 x 23
06 - Taça, Vila Velha, Paraná 16 x 23
07 - Vila Velha (1) 16 x 23
08 - Vila Velha (2) 16 x 23
09 - Viaduto Carvalho, Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá 16 x 23
10 - Viaduto do Taquaral, Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá 16 x 23
11 - Vale do Rio Ypiranga, Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá 16 x 23
12 - Vista aérea da Garganta do Diabo, Saltos do Rio Iguaçu 16 x 23
13 - Saltos do Rio Iguaçu 16 x 23
14 - Serra da Graciosa visto do Viaduto Cavalcanti 16 x 23
15 - Morretes
16 - Guaratuba, Bregetuba 16 x 23
17 - Ilha do Mel, vista do Farol 16 x 23
18 - Serra do Mar, visto do Abrolhos para Roça Nova (1) 16 x 23
19 - Serra do Mar, visto do Abrolhos para Roça Nova (2) 16 x 23
20 - Abend am Paranapanema [Anoitecendo no Paranapanema] 16 x 23
21 - Queima da Erva-mate (1) 16 x 23
22 - Queima da Erva-mate (2) 16 x 23

Fonte: Levantamento realizado pelo autor com base num acervo particular.
A temática das fotografias de Armin Henkel selecionadas para análise abrange geograficamente as regiões do litoral do Paraná, de Foz do Iguaçu e dos Campos Gerais. É válido lembrar que, mesmo sendo conhecido como fotógrafo em Curitiba e tendo registrado a cidade em vários momentos, não existem ainda estudos ou levantamentos sobre a produção fotográfica de Armin Henkel, o que acontece também com outros fotógrafos e artistas paranaenses atuantes na primeira metade do século XX. A paisagem paranaense fotografada por Armin Henkel | PROA–revista de antropologia e arte Luís Afonso Salturi | relato e experiência | vol. 01 nº 04 i. A fotografia  no Paraná e os registros da paisagem local.
Nas últimas décadas do século XIX, recém elevada à capital de Província, Curitiba se urbanizava e se adequava política e economicamente à sua nova condição, recebendo a visita de fotógrafos itinerantes. Um dos primeiros desses profissionais a instalar seu estúdio fotográfico na cidade, no início da década de 1880, foi o alemão Adolpho Volk, cujo estabelecimento comercial funcionou em vários endereços. Após seu retorno para a Alemanha, em 1904, sua esposa Fanny Volk permaneceu no Brasil e assumiu a direção do estúdio. Como era típico na época, Adolpho Volk utilizava a imprensa escrita para divulgar seu trabalho. Atento às inovações da tecnologia, introduziu técnicas e equipamentos que ajudaram a abrir caminho àqueles que vieram a se aventurar nessa profissão.
Nas primeiras décadas do século XX crescia o número de fotógrafos que se estabeleciam em Curitiba. Esses profissionais produziram fotografias em estúdios e ao ar livre, fotografaram a sociedade paranaense, eventos históricos e a paisagem local. Os jornais e revistas ilustradas da época fazem menção a vários profissionais, entre eles, Bernardo Heisler, os irmãos Joseph e Augusto Weiss, Max Kopf, Lehmann & Barthes, Octávio Lustoza & Cia., Franklin Soares, Arthur Wischral, Frederico Lange, João Baptista Groff, Alberto Oncken e Armin Henkel (BOLETIM..., 2005). Entretanto, existem poucas pesquisas sobre a maior parte desses fotógrafos e suas produções. Nos acervos da Seção Paranaense da Biblioteca Pública do Paraná, do Museu de Arte Contemporânea do Paraná e da Biblioteca da Universidade Federal do Paraná não foram encontrados estudos abrangentes.
. Pode-se apontar, como um dos motivos para a insuficiência de estudos, a demanda por levantamentos históricos, o que exige maior empenho e disponibilidade dos pesquisadores.

a) As excursões dos Henkel
Nascido na Alemanha, em 1882, Arno Arthur Alvin Armin Henkel veio para o Brasil no início do século XX, como desenhista e linotipista. Em Curitiba, trabalhou na Impressora Paranaense. Aprendeu a fotografar a partir de livros, e especializou-se em cartões-postais e em fotografia industrial. Além de fotógrafo, atuou como pintor e cinegrafista amador. Esteve vinculado a algumas instituições locais, tendo trabalhado para a Companhia Força e Luz, para o Departamento de Água e Esgoto e para a Rede Ferroviária Federal. A Photo Henkel, seu primeiro estúdio, funcionava na travessa Alfredo Bufren, nº. 46, na região central de Curitiba, próximo ao prédio histórico da Universidade Federal do Paraná e à praça Santo Andrade. Em 1948, Henkel se mudou para a avenida Sete de Setembro, nº. 1.594, também na região central da cidade, onde trabalhou até 1964, ano em que faleceu. Após sua morte, sua esposa deu continuidade às atividades no estúdio fotográfico (CASA..., 1982).
Henkel ensinou fotografia à esposa, e juntos fizeram muitas excursões pelo estado do Paraná, em busca de observação, registros e contato com a natureza. É preciso destacar que a realização desse tipo de excursão era uma prática comum entre alguns imigrantes alemães do período.
Em certa medida, a herança cultural proveniente da origem alemã do casal pode explicar a afeição de ambos pela prática do montanhismo e pela paisagem paranaense, cujos elementos característicos foram registrados em suas fotografias. A ligação com a natureza pode ser vista, de forma semelhante, na produção iconográfica dos pintores paranaenses de descendência alemã, como Frederico Lange de Morretes, Kurt Boiger e Arthur Nísio.

Na fotografia abaixo (figura 1), Henkel aparece segurando uma máquina fotográfica ao lado de sua esposa, preparando-se para uma seção fotográfica no Pico da Farinha, na Serra do Mar.
A fotografia, que possui um carimbo do seu estúdio na parte de trás, foi produzida por um dos excursionistas que acompanhava o casal. É possível perceber o entusiasmo dos Henkel frente à paisagem e ao seu possível registro.

FIGURA 1 - Henkel, Armin. Pico da Farinha, 
Serra do Mar. [1937] 

Na fotografia seguinte (figura 2), aparecem os dois excursionistas que acompanhavam o casal. Numa entrevista publicada em 1984, um deles, o artista gravador portenho José Peon (1889-1972), fornece informações sobre esse episódio, em que o grupo do qual fazia parte fixou uma placa de bronze alusiva ao feito: Custou-nos muito escalar o pico por nós batizado de Abrolhos. Tivemos que abrir picadas, marcar frotas, tatear, recuar e avançar. A meio caminho há uma lombada que se tornou ponto obrigatório de almoço. Como sempre sucede, o trecho final é o mais difícil. Era pequeno, mas nos reclamou uma hora e meia de marcha. Minha palavra é incapaz de descrever a nossa emoção quando, a 4 de setembro, finalmente chegamos ao topo. Éramos quatro: o casal Armin e Anna Henkel, denodada parelha de antigos marumbinistas, para quem a Serra do Mar não tem segredos, e Alfonso Hatschbach, também um excursionista valente. Ficamos dominados. Para o lado do mar e do vale o panorama é soberbo. E superior ao que se alcança do próprio Marumbi. (PEON, 1984, p. 5).
Na convivência com outros apreciadores da natureza, José Peon participou de um clube denominado Bandeira Paranaense de Turismo (1933), assim como do Movimento Marumbinista (1942), que fazia excursões em diversos lugares do estado do Paraná. Nas primeiras décadas do século XX, essas excursões eram uma forma de sociabilidade muito comum no Paraná; basta lembrar as caravanas promovidas pela revista Ilustração Paranaense rumo ao Pico do Marumbi, em 1928, na qual tomaram parte artistas plásticos, colaboradores e a equipe editorial do periódico.
Na fotografia em questão, nota-se a imagem da esfinge formada pelas rochas à esquerda, ao lado das três pessoas que estão em primeiro plano. As letras impressas abaixo registram o título da fotografia e o local onde foi produzida:  A Esfinge do Salto do Inferno, Rio Ipiranga. No centro inferior da fotografia há um logotipo formado pelas iniciais ESAH estilizadas, referente ao estúdio fotográfico pertencente ao casal.

FIGURA 2 - Henkel, Armin. 
A Esfinge do Salto do Inferno, Rio Ipiranga. [1937]

A vegetação, o céu e o horizonte aparecem em outras duas fotografias que registram a passagem do grupo de excursionistas pela serra, em meio às montanhas que formam o conjunto do Marumbi. Na primeira delas, a serra é vista do Viaduto Engenheiro Cavalcanti (figura 3), na qual aparece a Estrada da Graciosa, e, na segunda, a vista é da trilha do Abrolhos (figura 4).

FIGURA 3 - Henkel, Armin. 
Serra da Graciosa visto do Viaduto Cavalcanti. [1937] 


FIGURA 4 - Henkel, Armin. 
Serra do Mar visto do Abrolhos para Roça Nova. [1937]

b) A estrada de ferro
Em meio às montanhas, um dos temas fotografados por Henkel é a estrada de ferro que liga a cidade litorânea de Paranaguá à capital Curitiba (figura 5). Construída sobre a Serra do Mar e considerada uma obra-prima da engenharia, essa estrada de ferro representa o domínio do homem sobre a natureza, justamente porque, para que a construção de sua linha férrea se concretizasse, foi necessário ultrapassar vários obstáculos do relevo.

FIGURA 5 - Henkel, Armin. 
Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá.

A estrada de ferro Paranaguá-Curitiba, a primeira ferrovia do estado do Paraná, foi inaugurada em 2 de fevereiro de 1885. Foi construída principalmente devido às necessidades do comércio entre as regiões. Possui quatorze túneis escavados na rocha, 41 pontes e viadutos em dimensões colossais, que utilizam estrutura metálica e passam pelo meio da Mata Atlântica. O Viaduto Carvalho, que aparece na fotografia a seguir (figura 6), foi construído com grande tenacidade; está a mais de novecentos metros de altura e usa como suporte muros de até cem metros de altura.

FIGURA 6 - Henkel, Armin. 
Viaduto Carvalho, Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá.

Cabe destacar ainda, sobre a construção da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba, que o pai de Anna Henkel era o engenheiro alemão Rudolph Lange, chefe da Via Permanente, cargo que assumiu junto ao grupo de engenheiros de João Teixeira Soares. A infância de Anna e de seus irmãos foi marcada pelo contato com a natureza do Paraná. Na cidade de Morretes existe uma estação de trem chamada Engenheiro Lange, cujo nome é uma homenagem ao seu pai.

c) O litoral paranaense
Ao analisar a produção fotográfica de Armin Henkel, em especial a temática do litoral paranaense, percebe-se uma forte referência à pintura, não só pelos temas escolhidos, mas também em relação ao enquadramento. Conforme afirma o historiador da arte Pierre Francastel (1990), a fotografia revelou não só o caráter real da visão tradicional de como se dava o registro das imagens, mas seu caráter sistemático. Assim, ela herdou da pintura suas convenções, ou seja, a representação figurativa da perspectiva geométrica e o processo de criação da imagem sobre um espaço bidimensional em um suporte retangular.
No que se refere ao enquadramento, há um esquema de construção da imagem, que Ernst Gombrich (2007) define como schemata, no qual a apreensão do que é visto é conformado numa determinada tradição do olhar, que serve como ponto de partida para criá-la. Em relação aos temas, é interessante lembrar a afirmação do historiador da arte Kenneth Clark (1961), segundo o qual o ser humano está rodeado por árvores, flores, rios, colinas e nuvens, elementos que inspiram curiosidade e respeito, despertando prazer. Tais elementos são componentes de uma ideia a que chamamos natureza.
Tendo em vista esses apontamentos, as fotografias do litoral do Paraná, apresentadas a seguir, fazem referência a temas e categorias típicos da pintura. Merecem destaque as cidades litorâneas (figuras 7 e 8), as praias e a Ilha do Mel (figuras 9 e 10). Nessas imagens, é interessante o estado contemplativo, lúdico e de mistério proporcionado pela temática que envolve paisagens aquáticas. Os rios e o mar são elementos estimulantes da imaginação, sendo determinantes, também, na valoração da paisagem.

FIGURA 7 - Henkel, Armin. 
Rio Nhundiaquara - Morretes - Paraná.

FIGURA 8 - Henkel, Armin. 
Abend am Paranapanema [Anoitecer em Paranapanema].

FIGURA 9 - Henkel, Armin. 
Guaratuba, Bregetuba. 

FIGURA 10 - Henkel, Armin. 
Ilha do Mel, Vista do Farol - Paranaguá - Paraná.

d) As cataratas do Iguaçu
Na produção de Armin Henkel novamente aparecem fotografias ligadas à temática das águas, mas em outra região do estado do Paraná, bem distante do litoral. A cidade de Foz do Iguaçu está localizada no extremo oeste do estado, na fronteira com a Argentina e com o Paraguai. Criado em 1914, o município viria a se tornar o segundo principal destino de turistas estrangeiros no país e o primeiro da região sul. A cidade é conhecida pelas Cataratas do Iguaçu (figura 11), que são formadas pelas quedas d’água do rio Iguaçu, que em tupi-guarani significa “água grande”. 
Nas fotografias em que retratou as Cataratas, Henkel evidencia a extensão formada pelas quedas d’água. É interessante notar como o enquadramento escolhido serve, ainda hoje, como ponto de referência estética para os atuais anúncios publicitários dessa região turística.

FIGURA 11 - Henkel, Armin. 
Saltos do Rio Iguaçu, Paraná. 

Outro tema relacionado às Cataratas do Iguaçu e registrado por Henkel é a Garganta do Diabo (figura 12), que é a queda d’água com maior fluxo, com altura superior a 70 metros. Neste registro fotográfico aéreo, Henkel mostra grande parte dos saltos.

FIGURA 12 - Henkel, Armin. 
Vista aérea da Garganta do Diabo, Saltos do Rio Iguaçu.

e) Vila Velha
É possível perceber que as fotografias de Armin Henkel são muito mais que registros de eventos ocasionais. Vale lembrar uma referência ao livro Paisagem e memória, no qual o historiador britânico Simon Schama argumenta que a paisagem é resultado da cultura antes de ser natureza; um constructo da imaginação humana projetado sobre mata, água e rocha (SCHAMA, 1996). Inseridas no contexto dessa última projeção da imaginação, as fotografias a seguir têm como tema o conjunto de formações rochosas que deram origem ao Parque Estadual de Vila Velha, situado na cidade de Ponta Grossa, região dos Campos Gerais (figuras 13 e 14). Conhecido também como um dos principais pontos turísticos do estado, o local atrai visitantes por suas famosas formações rochosas que sugerem imagens de animais, objetos e figuras humanas, constituindo mais uma das marcas identitárias do estado do Paraná. 

FIGURA 13 - Henkel, Armin. 
Vila Velha, Paraná, Taça.

FIGURA 14 - Henkel, Armin. 
Vila Velha, Paraná.  

f ) A flora paranaense
Outra referência pictórica marcante na produção fotográfica de Henkel são os pinheiros. 
Essa temática está fortemente relacionada com o paranismo, sentimento de enaltecimento pelo estado do Paraná que se manifestou nas esferas política e cultural nas primeiras décadas do século XX. Nas artes visuais, essa afeição pelo Paraná instituiu-se em meados da década de 1920, quando assumiu o caráter de um movimento integrado. Em produções artísticas, literárias e históricas, os representantes do Movimento Paranista se preocupavam em promover uma identidade local, utilizando como temática a flora, a fauna e o indígena. Vários pintores paranaenses da época retratavam esses elementos em suas telas. Entre eles, destacam-se: Alfredo Andersen, Theodoro De Bona, Arthur Nísio e Frederico Lange de Morretes (SALTURI, 2009). A fotografia a seguir (figura 15) toma como referência essa produção, ao registrar um pinheiro da cidade da Lapa.

FIGURA 15 - Henkel, Armin. 
Lapa. 

A pinha, os pinhões e os sapés são, respectivamente, os frutos, as sementes e os ramos do pinheiro, árvore considerada símbolo do estado do Paraná. Na próxima fotografia (figura 16), ao retratar um conjunto de pinhas, pinhões e sapés, Henkel utiliza como suporte referencial a natureza-morta, gênero da pintura no qual se representam frutas, flores, objetos e/ou animais abatidos. O resultado final é o registro fotográfico transformado num cartão-postal. 

FIGURA 16 - Henkel, Armin. 
Pinhas. 

Ao lado dos pinheiros, a erva-mate e os imigrantes compõem o cenário cultural da região. 
Entre a primeira metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, a erva-mate foi uma das principais atividades econômicas do estado do Paraná. A erva-mate é uma árvore originária da região subtropical da América do Sul, presente no sul e centro-oeste do Brasil, norte da Argentina, Paraguai e Uruguai. Os ervais eram encontrados em quase todo o território paranaense, principalmente nas regiões onde havia muitos pinheiros. Alguns povos indígenas tinham o hábito de beber infusões com suas folhas. Esse hábito continua popular nessas regiões, além do consumo como chá quente ou gelado.
Em diferentes épocas, a economia ervateira, associada a outras atividades, serviu como meio de subsistência para a população mais pobre. Nas duas fotografias seguintes (figura 17 e 18), Henkel retrata os trabalhadores rurais de um erval, no momento em que preparam o sapeco da erva-mate. Sapeco é o processo pelo qual as folhas recebem um choque térmico, através de chama direta, quando ocorre a inativação das enzimas oxidantes que as tornam enegrecidas.

FIGURA 17 - Henkel, Armin. 
Queima da erva-mate, Paraná. 

FIGURA 18 - Henkel, Armin. 
Queima da erva-mate, Paraná.

Considerações finais
Ao condensar realidades sociais e captar aspectos que um documento escrito não revela, a fotografia se torna um precioso documento para a realização de estudos sobre determinada época. 
A partir desse pequeno balanço da produção fotográfica de Armin Henkel, pode-se concluir que sua obra possui grande importância sociológica e histórica. Em âmbito local, suas fotografias remetem a um contexto cultural e político no qual a representação da natureza está articulada com questões de afirmação identitária do estado do Paraná. Num sentido mais amplo, suas fotografias revelam vários aspectos da relação entre o ser humano e a natureza.
Não há paisagem sem observador. As fotografias de Armin Henkel condensam uma visão muito particular sobre a região sul do Brasil, na qual as paisagens pretendem identificar o Paraná. 
Porém, no que se refere a essa identificação, esses registros não carregam um sentido objetivo e explícito, na medida em que não foram produzidos com essa finalidade prática. Considerando a necessidade de uma identidade própria, vigente nas artes visuais do período, tais fotografias expressam essas ideias de uma forma subjetiva.
A produção fotográfica de Henkel permite compreender como se constituiu um imaginário acerca da paisagem paranaense, que viria a influenciar outros olhares, em outras épocas. 
Desse modo, o conhecimento sobre sua obra é fundamental, pois permite compreender como ela auxiliou na construção de uma iconografia para a região. O que é mais do que suficiente para justificar o resgate desse personagem que caiu no esquecimento.

Notas:
1. Salturi, Luís Afonso. Gerações de artistas e suas práticas: Sociologia da arte paranaense das  primeiras décadas do século XX. 2011. 259 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
2. Frederico Lange de Morretes foi tema de minha dissertação de mestrado: Salturi, Luís Afonso. 
Frederico Lange de Morretes, liberdade dentro de limites: trajetória do artista-cientista. 2007. 255 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
3. Na caixa de fotografias da sobrinha de Henkel, foram encontrados postais com dedicatória para a família Lange. Outro fotógrafo que viveu no mesmo período que Henkel, João Baptista Groff, também produziu postais a partir de suas fotografias.
4. Os títulos foram extraídos de anotações feitas atrás das fotos ou de impressões estampadas na parte da frente.
5. Exceto para o Estúdio Volk. Sobre a produção de Adolpho e Fanny Volk, analisada a partir de uma perspectiva sociológica, consultar Simão (2010).
6. Sobre a produção pictórica com temática da paisagem do Paraná, consultar Pintores... (2001)
A paisagem paranaense fotografada por Armin Henkel | PROA – revista de antropologia e arte.

Referências bibliográficas
-Boletim Casa Romário Martins, 2005.
-Casa Romário Martins. Mostra de fotografias do Paraná de Ontem. Curitiba: Sala Funarte, Fundação Cultural de Curitiba, 1982.
-Clark, Kenneth. Paisagem na arte. Lisboa: Ulisseia, 1961.
-Francastel, Pierre. Pintura e sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
-Gombrich, Ernst Hans. Arte e ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
-Peon, José. Da montanha: Abrolhos, 4 de setembro de 1937. Gazeta do Povo, 1º set. 1984. Caderno Gazetinha, p. 5.
-Pintores da Paisagem Paranaense. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura: Solar do Rosário, 2001.
-Salturi, Luís Afonso. Paranismo, movimento artístico do sul do Brasil no início do século XX. 
-Periferia: revista de recerca i formació en Antropologia. Espanha, v. 11, p. 1-22, 2009. 
-Schama, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
-Simão, Giovana Terezinha. Fanny Paul Volk: pioneira na fotografia de estúdio em Curitiba. 2010. 438 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
Recebido para publicação em 24 de Setembro de 2012
Aprovado para publicação em 19 de Janeiro de 2013
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ET. Matéria enviada pela amiga Diva Malucelli, através de e-mail.
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