A história da Sociedade 13 de Maio
Hoje, a Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio é uma conhecida casa de festas, bailes e danças do centro de Curitiba. Localizada no Alto São Francisco, próxima ao Museu Paranaense, ela é um dos espaços mais tradicionais do Paraná.
Especialista na história do “Clube 13”, a historiadora Fernanda Santiago escreveu:
“a maioria dos atuais frequentadores da Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio acredita que a ‘13’, como ficou conhecida, é apenas uma casa de festas; poucos sabem da sua história.”
Também especialistas no tema, os pesquisadores Thiago Hoshino e Pamela Fabris asseguram:
“A história da Sociedade ou do ‘Clube 13’, como é carinhosamente conhecida na cidade, contrasta com a atual memória hegemônica da identidade local, a qual tende a apagar a memória e a presença negras.”
A partir dos trabalhos desses pesquisadores, o Turistória conta a história de mais um patrimônio esquecido na cidade de Curitiba.
Abolição e fundação
Em 3 de maio de 1888, Hilário Munhoz, Benedito Modesto da Rosa, Candido Ozório, Manoel Pereira dos Santos, José Pinto da Rocha, Izidoro Mendes dos Santos e Norberto Garcia, homens negros, estavam reunidos com João da Fausta, na casa dele.
Um mês depois, em 6 de junho de 1888, na casa de Fausta, o grupo fundou em Curitiba uma instituição chamada “Sociedade Treze de Maio”.
Em maioria, os fundadores eram ex-escravizados, que haviam conquistado a sua liberdade pouco antes da Lei Áurea. Boa parte havia participado do movimento abolicionista do Paraná, sendo alguns antigos membros da Sociedade Ultimatum, organização que libertava escravizados clandestinamente — Joaquim Belarmino de Bittencurt, João da Luz, Barão de Serro Azul e Benedito Candido, integrantes Ultimatum, foram sócios honorários do Treze de Maio.
No primeiro Livro Ata da Sociedade Treze de Maio, explica-se que o nome da instituição foi escolhido em “regozijo ao grande dia memorável 13 de Maio de 1888”.
Assim como a Sociedade Protetora dos Operários, fundada anos antes, o carinhosamente chamado de “Clube Treze” foi uma associação beneficente: seus sócios tinham o direito de receber ajuda financeira em caso de pobreza, moléstia e funeral. Para isso, as mensalidades podiam ser pagas em dinheiro, joias ou prestação de serviço.
Além disso, participar da Treze de Maio significava um ato político: frente ao descaso das autoridades públicas pela inserção dos afro-brasileiros na sociedade de maneira igualitária, estar nessa associação era um ato de resistência. Ali, era possível ter o amparo social e o sentimento de pertencimento e igualdade que o estado, e a população como um todo, negava.
Paralelamente a esses benefícios de caráter mais material, outro objetivo central para a fundação da Sociedade Treze de Maio diz respeito às festividades, comemorações e memórias. No estatuto da agremiação, eram previstas celebrações nos dias 13 de maio, em lembrança ao dia da abolição da escravidão no Brasil. 28 de setembro também era dia de festa em todos os anos em alusão à data de promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871.
As festas eram também abertas à comunidade e tinham o intuito de “preservar uma memória relacionada à conquista da liberdade”. Segundo Pamela Fabris, as comemorações eram de “grande importância para pessoas que sentiam cotidianamente o estigma da escravidão e os percalços do racismo em uma sociedade altamente racializada e desigual”.
A primeira sede e a trajetória de João da Fausta
Segundo Fabris, “a primeira sede da sociedade funcionou na casa de João Batista Gomes de Sá, um dos fundadores, localizada na Rua do Mato Grosso (atual Comendador Araújo)”. Aos que já leram o nosso artigo sobre a Sociedade Protetora dos Operários, fundada em 1883, Gomes de Sá não é um nome estranho. Ele igualmente foi membro fundador e sócio presidente desta agremiação, cuja primeira sede também foi em sua casa — essas sociedades tinham relações estreitas.
João Baptista Gomes de Sá nasceu em Curitiba por volta de 1830. Chamado de “João da Fausta”, seu apelido era uma referência à sua mãe, Fausta Maria da Conceição, escrava alforriada. Homem negro, Gomes de Sá era membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, e ajudou a fundar a Irmandade do Bom Jesus dos Perdões — ambas as irmandades congregavam livres, libertos e escravizados, e se reuniam na Igreja do Rosário.
Na maturidade, ele foi juiz no Juízo de Órfãos da cidade de Curitiba, onde atuava em defesa de escravizados em casos de fuga e pedidos de alforria, e exerceu a função de procurador até o final de sua vida.
Mas João da Fausta ficou famoso, mesmo, por organizar eventos e comemorações pomposas em sua casa. Assim, ele conseguia reunir e estabelecer relações sociais entre afro-brasileiros antes e depois da abolição. Dessas reuniões surgiram as sociedades, cuja maioria dos integrantes, além de serem próximos a Gomes de Sá, eram também membros das irmandades.
A construção da sede própria, o crescimento da Sociedade e seus principais integrantes
Por anos, a sede continuou sendo na casa de João da Fausta. Depois de desavenças, ela foi transferida para a casa de outro fundador, Candido Ozório. Até então, a sociedade não havia conseguido construir uma sede própria, por falta de recursos. Em 1896, porém, a prefeitura de Curitiba doou um terreno na rua Colombo (atual Clotário Portugal, 274).
Ali, a casa do Clube Treze somente foi erigida em 1913, depois da doação de tábuas pela Baronesa do Serro Azul, e dos esforços de Vicente Moreira de Freitas, um dos fundadores da instituição e coordenador da obra — até esse momento, os associados se organizavam em uma casa na atual Praça Generoso Marques.
Vicente Moreira de Freitas foi muito importante. Ele foi escravo do empreiteiro português José Moreira de Freitas até 1880, quando conquistou a alforria. Depois, ele participou da reforma da Igreja Matriz, da construção do Teatro São Theodoro, do Teatro Hauer e da Igreja do Bom Jesus.
Freitas era membro da Irmandade dos Pretos do Rosário de Curitiba e chegou a ser diretor da Sociedade Protetora dos Operários. Além disso, em 1896 concorreu às eleições municipais e foi eleito camarista suplente. Assim, Vicente se tornou um dos símbolos na luta por cidadania no pós-abolição, e por isso moveu forças pelo desenvolvimento do Clube Treze.
Ainda na casa de João da Fausta, em 24 de junho de 1888 foram eleitos os primeiros representantes da Treze de Maio, sendo eles:
Presidente – Francisco Vidal
Vice-presidente – Benedicto Modesto da Roza
1º secretário – Candido Ozório
2º secretário – Manoel Pereira dos Santos
Tesoureiro – Vicente Moreira de Freitas
1º Procurador – Norberto Garcia
2º Procurador – Izidoro Mendes dos Santos
Diretor – João Baptista Gomes de Sá
Vale lembrar, nesse caso, que a Sociedade era um dos poucos locais em que as pessoas negras e pobres podiam votar durante a República Oligárquica (1889-1930), já que os analfabetos, mais de 95% da população, não tinham direito ao voto. E o voto era secreto (e não havia cabresto!).
Além disso, os sócios podiam sugerir propostas de reforma do estatuto e ações de beneficência. Dessa forma, o clube se constitui como o principal meio de ação política da comunidade negra naquela época.
E as mulheres da sociedade?
Nos primeiros 10 anos de existência, a Sociedade contou com mais de 200 associados, sendo 8 mulheres, de acordo com a pesquisadora Fernanda Santiago.
Já em dezembro de 1888, a primeira consulta de uma mulher para ser sócia do Clube Treze foi aceita unanimemente. Tratava-se de Dona Joaquina, esposa do sócio-diretor João Batista Gomes de Sá.
Além de Joaquina, tornaram-se sócias: Balbina dos Santos, Izabel dos Santos Prazeres, Mariana Ferreira do Espírito Santo, Mariana Pinto, Marieta Munhoz, Roza Moreira da Conceição e Seraphina. Junto a elas, em 29 de maio de 1892 foi “aprovada a entrada da Excelentíssima Maria José Correa a Baronesa do Serro Azul e de Mariana da Silva Pinto”.
Dentro da sociedade, porém, as mulheres não podiam se candidatar aos cargos administrativos, mas estavam aptas a participar das reuniões, votar, fazer aulas na escola noturna e receber o auxílio em caso de enfermidade ou falecimento. Elas ficaram famosas, inclusive, pelos grêmios que formaram na Treze, como o das Camélias e o Flor de Maio.
Os excluídos vão à escola
Desde o seu início, a Sociedade Treze de Maio ofereceu aulas noturnas, mesmo sem uma sede fixa até 1913 e com parcos recursos. Com esforço dos sócios, foi montada uma biblioteca. Tanto o governo estadual quanto a prefeitura nunca ofereceram auxílio para isso.
Para os sócios, a alfabetização era fundamental para a capacitação formal e trabalhista, a leitura dos jornais, a independência intelectual e política, a possibilidade de poder votar, e para a participação ativa dentro da Sociedade. Alfabetizados, os agremiados lutavam pelo direito à cidadania numa sociedade excludente!
Ao todo, mais de 100 alunos foram diplomados pelo Clube Treze.
As festividades
As festas nos dias 28 de setembro não continuaram com o tempo pela falta de recursos. Entretanto, as de 13 de maio existem até hoje!
Costumeiramente, essa comemoração começava já no almoço, com um barreado feito por descendentes de escravizados. De tarde, ia-se à missa na Igreja do Rosário, que durava até às primeiras horas da noite, quando acontecia a sessão solene com homenagens, discursos e a posse da nova diretoria, seguida por um grande baile regado a comidas e bebidas ao som de muito jazz.
Para a festa, os homens usavam terno e gravata com um distintivo ao lado esquerdo do peito, com duas fitas verde e amarelo tendo no centro o emblema “13 de maio”. As mulheres, de outra forma, trajavam vestidos e ostentavam o mesmo emblema mas como uma faixa nas cores verde e amarela, usada à tiracolo. Pelo menos até os anos 50, essa vestimenta era obrigatória.
Protestos e a nova sede
Mas não só de festa e aulas se vivia no Treze de Maio. O clube também ficou conhecido por seus protestos contra o recrutamento obrigatório do exército no final do século XIX, e se tornou um dos expoentes na organização da classe operária em Curitiba. Junto aos demais clubes, como a Sociedade Protetora dos Operários e Sociedade Beneficente dos Trabalhadores da Herva Matte, ela ajudou a forjar a maior greve operária em Curitiba, em 1917. Nesse período, inclusive, a Treze passou a ter sócios de origens sociais e raciais diversas.
Com o crescimento da Sociedade, em 1950 foi decidida a demolição da sede e a construção de um novo prédio, desta vez em alvenaria. No ano seguinte, no dia 13 de maio, houve uma festa de arromba de inauguração, que contou com confecção de uma nova bandeira da instituição. Foram convidados dezenas de sociedades e clubes, além de outras tantas autoridades, como o governador Moysés Lupion. Desde 2001, a sede é Unidade de Interesse de Preservação de Curitiba.
Mudanças e decadência
O envolvimento com a classe operária e com ações de beneficência alterou o nome da Sociedade Treze de Maio. Em 1892, foi incorporada a denominação “Beneficente”, e na década de 30 foi incluída a palavra “Operária”. Desde então, ela se chama Sociedade Operária Beneficente Treze de Maio.
Apesar do crescimento experimentado até a década de 50, esse período em diante marcou o declínio da Sociedade e dos demais clubes e agremiações. Para não perder sócios, aceitava-se o atraso e a negociação de mensalidades, eram feitas rifas e loterias, tudo para manter a Treze em pé. A redução do número de associados foi inevitável e, infelizmente, muitos fecharam.
Ainda assim, mesmo sem o caráter original, a Treze de Maio resistiu e continua na ativa como um espaço de eventos, sendo desde 1990 uma instituição de Utilidade Pública em nível municipal e estadual.
Entre os eventos, a festa do 13 de Maio é uma tradição comemorada: até antes da pandemia do coronavírus, realizava-se a missa na Igreja do Rosário e o grande baile em sua sede!
Para Nei Freitas, “a Festa do 13 de Maio é fonte de memória e da identidade do povo paranaense e reconhecê-la como patrimônio cultural imaterial é não apenas preservá-la, mas também dar a ela o reconhecimento devido que a faz ser parte da cultura e história do povo brasileiro”.
Infelizmente, a comemoração ainda não foi tombada pelo IPHAN, e corre o risco de desaparição, caso a Sociedade não mais a promova.
Ademais, a prefeitura prometeu a construção do “Memorial dos Negros em Curitiba”, do qual faria parte a Sociedade Treze de Maio. Até hoje, a promessa não saiu do papel.
Legado
A Sociedade Treze de Maio é uma das únicas instituições do século XIX fundadas pela comunidade negra e que resistiram no Brasil. Sua existência foi fundamental para a sobrevivência e a cidadania de homens e mulheres, negros e negras, na cidade de Curitiba.
Reconhecer a sua história significa dar destaque à trajetória da comunidade afro-brasileira no Paraná.
Texto e pesquisa de Gustavo Pitz
Fonte de pesquisa:
http://www.humanas.ufpr.br/portal/historia/files/2015/07/MONOGRAFIA-FERNANDA-L-SANTIAGO.pdf
https://afrosul.com.br/sociedadeproteroraoperarios/
http://www.humanas.ufpr.br/portal/historia/files/2018/12/TCC-Nei-Freitas.pdf
http://www.humanas.ufpr.br/portal/paranainsurgente/paranainsurgente.html#page=6&zoom=z
https://paragrafo2.com.br/2018/05/08/sociedade-13-de-maio-comemora-130-anos-neste-domingo/
https://pergamum.curitiba.pr.gov.br/vinculos/00009d/00009d15.pdf?fbclid=IwAR3n7V0UQtaJ3tVNTsO5GkC268P4LcVlbnso19sAgZLsWEBrGCavH6Sc1nk
https://www.bemparana.com.br/noticia/museu-paranaense-tem-mostra-sobre-os-clubes-sociais-negros#.YLe8lrdKjIX
https://www.fotografandocuritiba.com.br/2017/07/sociedade-operaria-beneficente-13-de.html
http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/noticias/documentario-rsob-a-estrela-de-salomaor-relembra-a-historia-da-sociedade-13-de-maio/
https://www.cultura930.com.br/evento/sociedade-operaria-beneficente-13-de-maio-131-anos-de-historia/http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=99573&tit=Museu-Paranaense-abre-mostra-sobre-os-clubes-sociais-negros-
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