"Logo cedo, fui acordado pelo sr. Dr, Luiz Lemos Quaglia, médico, que desejava voar até sua fazenda nas proximidades de Santa Izabel, quase na confluência do Rio Ivaí com o Rio Paraná. Iríamos de "Piper", prefixo PP-GII, do Aero Clube de Maringá.
Decolamos de Maringá cerca de sete horas e a viagem decorreu normalmente. Sobrevoamos a fazenda, pousamos e ele foi tratar de seus afazeres. Cerca das onze horas voltou e pediu-me para comandar o "Piper"
viajando na frente. Eu o ajudaria no pouso com os comandos de trás. Bem, ele era "brevetado" , nenhum inconveniente haveria nisso, pensei. Decolamos. O Ivaí ia ficando à nossa direita, enquanto lá embaixo a mata se apresentava em toda sua majestade.
Voamos cerca de quarenta minutos, ou seja, 100 quilômetros. Ao atingirmos as proximidades de um patrimônio denominado Floriano, mantínhamos a altitude de 200 metros. Repentinamente, o "Piper" começou a "soluçar".
Eu voava atrás, como já disse, de modo que embora o comando seja duplo, os indicadores do painel ficam mais visíveis para quem pilota na frente. Debrucei-me no ombro do meu companheiro e reparei que a rotação caíra para 1.500, sofrendo bruscas alterações. Como o dia estivesse frio, abri o ar quente, pensando em gelo no carburador. Nada adiantou. Experimentei um e outro magneto. Nenhum resultado. Gasolina: daria para chegar em Maringá. Fiz uso do "primer": nada. E fomos perdendo altura.
O Luiz gritou para mim:
_ "Comandos com você!..."
Estabilizei o "teco-teco", enquanto, lá embaixo, toco "era mato". Nenhum campinho onde pudéssemos "depejar".
A viabilidade, para quem pilotava atrás, na iminência de uma aterrisagem forçada, não era lá grande coisa e o terreno era o pior possível, cheio de tocos e árvores recém-derrubadas. O Luiz, com fisionomia de transtornada, virou-se para mim e falou em desespero:
_ Duque, uma perna para sair vivo!
_ Flaps, Luis!
A estradinha surgiu na nossa frente. "Arredondo o "Piper". As rodas tocam o chão. Nada vejo pela frente. Olho lateralmente. A estradinha se estreita velozmente. A asa esquerda, encontra uma peroba queimada. Um baque duro. O avião faz 180 graus. Quebra-se o trem. A cabine se "almoga" e um suporte passa entre minha cabeça e a do Luiz.
Paramos, afinal. Desapertamos os cintos e saltamos.
As pernas do Luiz continuam incólumes, felizmente. Estamos salvos.
Às 14 horas, ainda emocionado - guardando, bem nítidas, as sensações de ter estado, face a face, com a morte. Recebi meu diploma."
Recurso extremo.
"Um cheiro de qualquer coisa queimando, vem do motor. Fecho a gasolina e desligo os magnetos, por via das dúvidas. Silêncio. Estamos planando. Lá adiante uma estradinha aparece como um fio de esperança. Ah! se eu conseguir "esticar o planeio"! Sim, eu sei, é perigoso, podemos "estolar". Mas não! Estou de olho vivo na velocidade! O silêncio é enorme e nos envolve completamente. Olho a direção do vento e falo ao Luiz:
_ Quando eu pedir, puxa a alavanca dos flaps!
Ele balança a cabeça, assentindo. A terra vem chegando, chegando...
Que se sente num momento desses? Muita gente que piloto não tem medo. É mentira! Todo ser humano normal está sujeito ao medo diante de uma situação inesperada, que põe em fogo a existência física ou mesmo a integridade moral. O que a gente aprende é a dominar o pânico, relaxar os músculos e educar o raciocínio para as providências a serem tomadas nessas ocasiões. Isto não impede, todavia, que o cérebro sofra um processo de aceleração - e as ideias apareçam com grande rapidez. A vida surge diante de nós, digamos como um grande painel, cujos relevos maiores são os fatos que melhor guardamos na memória. Saltamos de um para outro e, por mais estranho que pareça, esse trabalho mental vai colocando nosso corpo à parte. Já não é ele que nos preocupa tanto, é algo maior, diferente talvez da multiplicidade e grandeza com que a vida se manifesta em tal momento - a luz, as coisas, a gente, tudo se agiganta, dando o sentido real da perda, da vida que nos foge, enquanto seguimos, inexoravelmente, o caminho do desconhecido."
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Fotografia do acidente (autor) - livro Terra Crua |
Este evento foi descrito também no livro "Terra Crua" por Jorge Ferreira em 1957 e lançado em 1961.
Anúncio do escritório de advocacia de Jorge Ferreira - O Jornal de Maringá (década de 1950)