RELEMBRANDO O RESTAURANTE EMBAIXADOR, DO ONHA
O Filé Bifado do Onha
Foto: Arquivo Gazeta do Povo
Feijoada tradicional
Foto ilustrativa / revista menu.
A Carne de Onça, marca registrada do Onha.
Foto: Arquivo Gazeta do Povo
RELEMBRANDO O RESTAURANTE EMBAIXADOR, DO ONHA
O Restaurante Embaixador, de Leonardo Werzbitzki, ficou conhecido em Curitiba como Restaurante Onha. Em entrevista com seu filho, João José, este explicou a origem do nome: "Onha, significa rápido, é uma palavra de origem cigana. Os ciganos deram esse apelido para meu pai. Queriam dizer que ele era rápido como um relâmpago. Ele jogava bola, era goleiro. E o apelido pegou."
O sr. Leonardo, ainda jovem, trabalhou com seu pai José na primeira churrascaria de Curitiba, na Praça Osório, onde atualmente funciona o Mercadorama. Mais tarde, no Churrasco Curitibano, que ficava na Rua Ébano Pereira, onde hoje é a Loja Fedatto.
Em 1950 casou e resolveu montar o seu restaurante, o Restaurante Embaixador, na rua Riachuelo. Uma rua central, durante o dia tinha um comércio intenso e à noite era uma rua pouco familiar. Apesar dessas características do local, o Embaixador sempre teve grande movimento, de dia e à noite. João Jos, filho do seu Leonardo, conta: "minha mãe tocava as prostitutas com vassoura. Elas não entravam no restaurante."
O Restaurante Embaixador tinha um cardápio à la carte e pratos-do-dia:
Cardápio diário: 2ª feira, Virado à paulista; 3ª feira, Rabada com tutu (não era com polenta); 4ª feira, Feijoada; 5ª feira, Mocotó e à noite costela assada; 6ª feira, Dobradinha com feijão branco e Sábado, Feijoada.
No cardápio à la carte eram servidos: filé simples, temperado com sal e acompanhado de salada de cebola, tomate, alface e feijão-cavalo, temperado e servido com caldo; churrasco simples, churrasco acebolado, com cebola frita por cima e o churrasco bifado, com molho de tomate, cebola, ovo frito e arroz. Não era costume servir sobremesas, nem cafezinho, para poder aumentar a rotatividade das mesas.
Como se percebe no cardápio diário, nas quintas-feiras à noite, o restaurante servia costela assada. Segundo João José, a costela era assada do jeito que seu avô fazia:
A costela era colocada cedo 110 fogo, temperada com sal e pimenta do reino. O tempo todo, era molhada com um pincel grande feito de palha de milho. Este era mergulhado num panelão que continha cachaça, vinagre, pimenta vermelha, pimenta do reino e sal. O osso da costela ficava para baixo, e ela era molhada por cima. A dois metros do fogo, era colocado, no alto da churrasqueira, jornal, para conservar o calor. E um jeito diferente do gaúcho, que faz com sal grosso.
Todos os dias tinha um grupo de pessoas que, no final da tarde, compareciam ao Embaixador para aperitivar. O sr. Leonardo e sua esposa preparavam: carne-de-onça (carne crua temperada), petiscos de vina (salsicha) com pepino azedo, de ovo com picles, e bolinhos de carne fritos na hora. Dessa turma de fregueses, alguns tinham cadeira cativa no restaurante.
João José contou, também, que seu pai preparava a famosa "carne de onça", na forma como a conhecemos hoje, desde a década de 1950 em seu primeiro restaurante, o Embaixador. “Ninguém sabe ao certo a origem do nome do prato que, na verdade, não tem relação com onça ou qualquer felino, mas, dizia meu pai, o nome ficou assim porque o ‘bafo é de onça’, depois de comer aquela iguaria, preparada com carne crua, cebolas e temperos”.
João José relatava que seu pai Leonardo “Onha” Werzbitzki preparava a carne de onça, na forma como conhecemos hoje, desde a década de 1950 em seu primeiro restaurante, o Embaixador. “Ninguém sabe ao certo a origem do nome do prato que, na verdade, não tem relação com onça ou qualquer felino, mas, dizia meu pai, o nome ficou assim porque o ‘bafo é de onça’, depois de comer aquela iguaria, preparada com carne crua, cebolas e temperos".
O Embaixador não fechava durante o dia, ficava aberto a tarde toda, por causa dos fornecedores. A reposição de carnes e de bebidas era diária, pois a geladeira não era muito grande.
O restaurante tinha nove metros de comprimento por quatro metros de largura. Havia um corredor no meio e as mesas, com toalhas xadrezinhas e louças brancas, ficavam dos dois lados do salão, que comportava até sessenta pessoas. No final desse corredor estava o balcão de mármore e o bar, com uma coleção de cachaças com ervas: mentruz, losna, capim-do-padre, guaco, carqueja e frutas: pitanga, araçá, coquinho, abacaxi etc. Logo a seguir vinha a cozinha, que em termos de espaço físico era bem maior que o salão do restaurante. Nela ficava uma churrasqueira e um fogão movidos à carvão; não se usava lenha.
Apesar de ser um local não muito grande, o restaurante ficou famoso e conhecido pela sua especialidade: a feijoada. A feijoada do Onha, como se falava, tinha todo um ritual para a sua preparação.
Em entrevista, João José descreveu todos os passos seguidos pelo seu pai no preparo da feijoada, que era servida no sábado:
A feijoada começava a ser preparada na quarta-feira, quando chegava o porco, já cortado, proveniente do Frigorífico Catei. O couro do porco era queimado à vela, para tirar os pelinhos e raspado com faca, peça por peça: focinho, rabo, máscara etc. Tudo era bem lavado e colocado para fazer o primeiro cozimento, cuja água ia fora.
Na quinta-feira o pai cozinhava todos os defumados: costelinha, charque, lingüiça, e trocava as águas várias vezes. Eram cozidos e reservados. Não comprava defumado muito forte, para não prevalecer o gosto do defumado sobre o resto.
Na sexta-feira ele cozinhava o feijão, amassava o feijão com um macete bem grande, para o caldo ficar mais grosso. Colocava nesse feijão: alho, cebola, sal, pimenta, tudo em pedacinhos pequenos, e juntava os defumados e a carne de porco para cozinhar junto com o feijão. Cozinhava sexta-feira o dia inteiro, em vários panelões: oito a dez .
No sábado cedo ele montava potinho por potinho. Ele tinha a panela de pé de porco, a panela de máscaras (de focinhos), de rabinho, de lingüiça, de costelinha, tudo já cozido no feijão, mas daí ele tirava, e era com a mão, e geralmente estava quente. Então ele montava os oitenta a cem potes à prova de fogo, que já estavam em cima da grelha. Botava pezinho, pezinho, pezinho, costelinha, costelinha, costelinha, charque, charque, charque, lingüiça .... Se o freguês dissesse que no seu pote não veio charque, por exemplo, meu pai ficava p...: fui eu que pus! Ele não admitia outra pessoa, ele é quem fazia esse ritual. Daí ele punha o feijão e deixava no fogo fervendo. Não grudava, não queimava.
Quando o freguês recebia a feijoada na mesa, recebia um pote fervendo, e todas as coisas estavam cozidas juntas naquele pote. O último cozimento era no pote de barro, tudo junto.
Servia com couve, torresminho, que ele fritava no sábado, e arroz branco. E na mesa tinha pimenta vermelha e uma pimenta que ele fazia, era uma pimenta mais suave, um vinagrete com pimenta vermelha, de leve, pra gente que queria uma pimenta mais fraca. E farinha branca Pinduca. Também servia pão.
Esse esquema funcionou de 1950 a 1971, quando meu pai mudou para o Bacacheri. Daí passou a se chamar Restaurante Onha. O logotipo eram quatro potinhos de feijoada escritos ONHA.
No sábado, as pessoas que aguardavam na calçada a sua vez de entrar no restaurante, para saborear a feijoada, eram agraciadas com aperitivos, tipo batidinha de limão, servidos pelos filhos do Onha. Ao mesmo tempo, escutavam música, da mais alta qualidade, proveniente da Orquestra do Genésio, conhecido músico em Curitiba, e que no prédio ao lado, ensaiava todos os sábados com o seu grupo: cinco saxofones, três pistões, três trombones, piano, baixo, bateria e três cantores (dois homens e uma mulher). Com tantos atrativos, não havia reclamações das pessoas, que tinham até às 18 horas a certeza de que comeriam "a melhor feijoada de Curitiba".
O Onha tinha esquemas com os jornalistas. Estes não pagavam a conta e em troca, de vez em quando, davam notícias nas colunas dos jornais. Era uma forma de se divulgar, ainda mais, a fama do restaurante.
Segundo o seu filho, João José, o que atraía as pessoas para o Onha eram basicamente duas coisas: a qualidade da comida e do atendimento. Em termos de marketing, produto e serviço.
As opiniões das pessoas entrevistadas referendam essa colocação:
"Quando se fala em feijoada, não se pode deixar de citar o Restaurante Onha. Levou muitos anos na Riachuelo. Na quarta-feira e no sábado, fazia uma feijoada que era famosa na cidade e reunia muitos amigos. Depois, quando desativou-se a rua, em função do ônibus Expresso, ele abriu no Bacacheri e levou anos com essa feijoada no Bacacheri, que era muito boa", conforme Nireu Teixeira."
Segundo Antonio Souza Cunha, "O que marcava o Onha é que era um restaurante que a gente se sentia muito à vontade. O Onha era uma pessoa muito simples, comunicativa, conhecia muita gente, tratava todos muito bem. E a gente já conhecia a clientela, o ambiente era tranqüilo, isso era um fator que pesava. A comida era boa e ele tinha uma coleção de cachaças com guaco, agrião etc. que a gente tomava e ao mesmo tempo servia de remédio. Eram ótimas! Ele gostava de futebol e música, conversava com a gente, pegava o violão, tocava. Terminado o jantar a gente ficava cantando no restaurante. O que me atraía no Onha, além da comida boa, era esse ambiente."
Em 07/03/1983, na comemoração dos 50 anos de trabalho do sr. Wezbitzki, o jornal Gazeta do Povo publicou uma pequena nota:
"Onha, há 50 anos o rei da feijoada em Curitiba - Na história do roteiro gastronômico da cidade, Onha é uma figura das mais queridas e conhecidas [...] Mas pouca gente sabe que o Onha está comemorando nesta semana seus 50 anos como 'o rei da feijoada' em Curitiba. Seu filho, o comunicólogo João José Werzbitzki, teve a paciência e o carinho de fazer o cálculo: nestes 50 anos o Onha cozinhou mais de 150 mil quilos de feijão, 'com todo capricho' e chegou a servir aproximadamente 800 mil feijoadas!"
Em 29 de fevereiro de 1971, o sr. Leonardo Werzbitzki inaugurou o seu novo restaurante, na avenida Monteiro Tourinho, no Bacacheri, que passou a se chamar Restaurante Onha. Manteve a tradição da feijoada, mas aos poucos, foi introduzindo novos pratos. Nesse esquema ele permaneceu até 1987 quando, cansado e doente, colocou à venda seu estabelecimento.
Pelo menos quatro gerações de glutões e boêmios curitibanos foram fregueses do velho Onha - apelido que ganhou em seus tempos de craque da segunda divisão. Quando lhe perguntam o que significa, ele diz: "Foi uma cigana que me apelidou. Onha significa rápido, lépido ..."
(Compilado de: teses.ufpr.gov.br / Maria do Carmo Marcondes Brandão Rolim Bares e Restaurantes de Curitiba)
Paulo Grani