terça-feira, 23 de novembro de 2021

Maria Olimpia Carneiro Mochel, a primeira vereadora de Curitiba por João Cândido Martins

 Maria Olimpia Carneiro Mochel, a primeira vereadora de Curitiba por João Cândido Martins

 Maria Olimpia Carneiro Mochel, a primeira vereadora de Curitiba

Foto: acervo da Biblioteca Nacional/Hemeroteca Digital Brasileira

Em 15 de novembro de 1947, os eleitores curitibanos foram às urnas para escolher, entre 179 candidatos, aqueles que viriam a ocupar as vinte vagas para a Câmara Municipal. A grande novidade era a presença de três mulheres entre os postulantes ao cargo: Olga da Silva Blaster (professora), Maria da Conceição Suarez (tenente-enfermeira da FEB) e a professora Maria Olimpia Carneiro Mochel, que, com 436 votos, foi eleita a primeira vereadora de Curitiba pelo Partido Social Trabalhista (PST).

Maria Olimpia tinha apenas 21 anos quando tomou posse do cargo no Legislativo Municipal, mas seu engajamento na militância política se deu anteriormente a este fato. Alguns anos antes, ela foi dispensada da Fábrica de Viaturas Hipomóveis de Curitiba, uma unidade industrial do Exército, inaugurada em 1934. A fábrica, que admitia mulheres, se destinava à produção de viaturas, cozinhas de campanha, equipamentos de transposição de cursos de água e reboques. Maria Olimpia questionou o modelo de produção e as condições de trabalho do local, posicionamento que lhe rendeu, além do desligamento do emprego, alguma popularidade. Tal fato associado a suas visitas aos bairros mais pobres da Curitiba de então, alavancaram sua carreira política. Casada com o engenheiro agrônomo e líder comunista Joaquim Mochel, não tardou para que também ela se envolvesse com o ideário do Partido Comunista Brasileiro.

Líderes comunistas despontaram por todo país inspirados pela figura caudilhesca de Luis Carlos Prestes, o ex-militar e líder comunista que cavalgou, de 1922 a 1927, mais de 25 mil quilômetros pelo interior do país à frente de uma coluna revolucionária composta por milhares de voluntários. Estima-se que em seu período de maior prestígio (1945), o Partido Comunista Brasileiro chegou a contar com mais de duzentos mil filiados (um dos poucos momentos em que o partido esteve na legalidade).

Basta lembrar que na mesma eleição em que Maria Olimpia foi eleita vereadora em Curitiba, metade dos vereadores do Rio de Janeiro (então capital federal) era composta por comunistas, a exemplo do escritor e humorista Aparício Torelli, autointitulado “Barão de Itararé” e de Arcelina Mochel, cunhada de Maria Olimpia (irmã de Joaquim Mochel). Arcelina foi a primeira promotora pública concursada do Brasil (Maranhão, 1936) e também foi uma das fundadoras e responsáveis pelo jornal “Momento Feminino”, que circulou entre os anos de 1947 e 1956. A luta pelos direitos das mulheres estava entre seus principais enfoques.

Vereadora engajada

Durante a década de 1940, Curitiba conviveu com a dualidade de ostentar seus primeiros arranha-céus e, ao mesmo tempo, conservar um clima predominantemente rural. Movimentos operários e conscientização sobre conceitos marxistas já existiam desde o início do século, mas a ideia só ganhou força após a Segunda Guerra.

Antes da eleição, em 1947, Maria Olimpia foi criticada pelos colegas comunistas por estar supostamente mais envolvida com seu casamento com Joaquim Mochel, do que com a causa, mas o fato é que ela foi uma figura de destaque entre os militantes do Paraná. Esteve à frente de grupos e ligas de valorização feminina e promoveu encontros que sofriam constantes assédios por parte da polícia. A leitura de um trecho do “Manifesto ao Povo de Curitiba”, publicado em 1949, mostra que Maria Olimpia sabia ser virulenta em suas colocações sobre o então prefeito Lineu Ferreira do Amaral.

Conforme destacou Letícia Pires, em pesquisa publicada pela universidade Tuiuti, Maria Olimpia afirmou que o prefeito “beneficiava somente os granfinos, e não se peja(va) de decretar ilegalmente o aumento das tarifas de transportes coletivos, prejudicando a população pobre e sobrecarregando os orçamentos miseráveis dos que trabalham, já tão sacrificados com os preços dos gêneros de primeira necessidade, como a carne, o café, o pão, etc. (...) A Companhia Força e Luz de Curitiba (então responsável pelo transporte coletivo) canaliza lucros que são enviados aos EUA, e não faz um melhoramento nas linhas: os bondes têm 50 anos de idade e os ônibus, 20. A Companhia não compra nenhum material novo e os seus operários continuam sendo explorados com salários de fome”.

O envolvimento das mulheres nos temas políticos sob um viés comunista era retratado com desconfiança pela imprensa, que à época tentava se adaptar às novas regras impostas pela bipolarização mundial que ficou conhecida como “Guerra Fria”. Grandes jornais se referiam às comunistas-pacifistas curitibanas como ingênuas donas de casa que, deslumbradas por um discurso aliciante, deixavam de se dedicar às suas tarefas caseiras (conforme decretavam as limitações da mentalidade predominante à época). Segundo a pesquisadora Letícia Pires, tais veículos de comunicação, como o jornal O Dia, eram francamente alinhados aos valores do capital (livre iniciativa, interferência mínima do estado na economia etc), além de estarem sujeitos a orientação editorial do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Paraná (DEOPS/PR). Para desqualificar o discurso pacifista das donas de casa, alguns desses veículos de comunicação chegaram a publicar injúrias e ofensas pessoais.

Apesar dessas contrariedades, muitas líderes se destacaram no cenário político de Curitiba daquele momento. Márcio Mauri Kieller Gonçalves, autor de “Elite Vermelha” destaca, além de Maria Olimpia, sua irmã Anita Carneiro, que foi presidente da Associação dos Professores de Curitiba e Durvalina Alves Batista, líder do movimento das donas de casa. A militância cobrou seu preço e Maria Olimpia não teve sustentação para se manter no cargo até o final do mandato, que foi completado pelo suplente Jorge Hedel Azhar, outro comunista filiado ao PST.

A guerrilha de Porecatu

Tempos depois, ela estaria envolvida com aquele que seria um dos mais duradouros movimentos de guerrilha rural da história do Brasil: o “Levante de Porecatu”. Localizado no norte do Paraná, Porecatu foi palco de uma série de conflitos envolvendo a posse de terras cultiváveis. Maria Olimpia, o advogado José Rodrigues Vieira Neto, o também advogado Flávio Ribeiro, o médico Newton Câmara e o jornalista (e futuro técnico de futebol) João Saldanha se dirigiram a Porecatu, onde prestaram auxílio jurídico, escolar e de saúde aos colonos. Formaram grupos de estudo nos quais ensinavam que a terra era posse de quem nela trabalhava, e que era preciso promover a união para a defesa da posse. Tudo era precário e, de início, os posseiros só contavam com espingardas de caça para se defender, mas o movimento ganhou força e, com apoio do Partido Comunista chegou a ostentar 12 Ligas Camponesas ativas que conseguiram manter uma resistência antes do movimento esmorecer e os colonos-guerrilheiros debandarem (o que não significou o fim dos enfrentamentos por terra no interior do Paraná).

Maria Olimpia Carneiro Mochel se mudou com o marido para o Maranhão, onde integraria, em 1957, a primeira turma do curso de medicina da Universidade Federal do Maranhão. Especializou-se na área de psiquiatria, na qual atuou até o ano de 1995. Faleceu no dia 25 de janeiro de 2008.

Outras imagens
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Fotos em que a vereadora fez visita aos bairros mais pobres da Curitiba. Recorte do jornal O Movimento Feminino, número 49, Ano 2, de 17 de setembro de 1948. (Foto - Acervo da Biblioteca Nacional/Hemeroteca Digital Brasileira)
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Foto de Maria Olímpia, publicada no dia 28 de novembro de 1947 pelo Jornal O Momento Feminino, número 19, Ano 1, Rio de Janeiro. (Foto - Acervo da Biblioteca Nacional/Hemeroteca Digital Brasileira.
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Livro Ata da Instalação da Câmara Municipal de Curitiba, em 19 de dezembro de 1947, onde consta o nome da vereadora eleita (de cima para baixo, a terceira da página à direita). (Foto - Andressa Katriny/CMC)
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O engajamento de Maria Olímpia Carneiro na militância política se deu anteriormente ao cargo de vereadora na Câmara. Alguns anos antes, foi dispensada da Fábrica de Viaturas Hipomóveis de Curitiba porque questionou o modelo de produção e as condições de trabalho do local. Tal posicionamento lhe rendeu, além do desligamento do emprego, alguma popularidade. (Foto - Acervo familiar)


Referências Bibliográficas


Gonçalves, Márcio Mauri Kieller. Elite Vermelha: um perfil sócio-econômico dos dirigentes estaduais do Partido Comunista Brasileiro no Paraná – 1945-1964. Dissertação entregue como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Sociologia, pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004. Páginas 41, 52 e 65. [Acesse aqui]


Rehben, Mauro Pioli. Curitiba, 50 anos de eleições municipais – as forças políticas eu nas democracias e no governo militar disputam o poder. Dissertação apresentada na Universidade Federal do Paraná, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Sociologia. Páginas 35, 47 e 52. [Acesse aqui]

Pires, Letícia Cristina. As representações anticomunistas sore as mulheres do PCB no período de 1945-1956. Monografias Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, 2010. [Acesse aqui]

Zeni-Leão, Viviane Maria. “Partidárias da Paz”: mulheres comunistas e a utopia de um mundo novo. ANPUH – XXIII Simpósio Nacional de História (UFPR). Londrina, 2005. [Acesse aqui]

As Forças Armadas e o Desenvolvimento Tecnológico. Pensamento brasileiro sobre defesa e segurança, vol 3. Ministério da defesa. 2004 
[Acesse aqui]

Porecatu: A guerrilha que os comunistas esqueceram. São Paulo: Expressão Popular, 2011. Oikawa, Marcelo Eiji. Expressão Popular, 2011. [Acesse aqui]

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