Cachoeira e São Félix: pérolas do Recôncavo
Cena indescritível é a da chegada às cidades baianas de São Félix e Cachoeira. Parece que estamos entrando num cenário cinematógrafico de filme de época. Dificilmente você encontrará informações turísticas tratando as duas em separado. A necessidade de uma ligação entre ambas as cidades se deu até fisicamente, com a construção de uma ponte.
A ponte Rodoferroviária que hoje também é cartão postal foi construída por ingleses e sua necessidade foi observada pelo próprio Imperador D. Pedro II que em 1859, visitou a região a fim de fundar o Instituto de Agricultura da Bahia (IIAB) em meio ao início da crise açucareira.
Populares dizem que foi o próprio imperador quem a inaugurou. Na verdade, de acordo com o livro “Memória da Viagem de suas Magestades Imperiales à Província da Bahia”* o imperador atravessou o Rio Paraguaçu num bote, usando uma sombrinha para se proteger do sol e contando com os serviços de 4 remadores. A ponte foi encomendada por ele, aos ingleses e feita na Escócia.
Pelo saber popular ou pela História, a ponte junta duas pérolas baianas e de um lado ou outro da ponte, por onde se olha há beleza. Nos prédios coloniais, nas roupas das baianas, nas cores, nos sabores, no Rio Paraguaçu que nasce lá longe, na Chapada Diamantina, outro tesouro da Bahia.
Cachoeira
Em uma volta rápida pelo centro da cidade é possível ver a riqueza dos detalhes das construções como o prédio da Santa Casa (1734), a Capela de Santa Bárbara, o Chafariz Imperial (1827), a Igreja da Ordem Terceira do Carmo (1724), a Matriz Nossa Senhora do Rosário e o sobrado da Irmandade da Boa Morte (grupo remanescente de escravos, composto só de mulheres negras, primeiro terreiro de candomblé do país).
Tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1971, passou a ser “Cidade Monumento Nacional” e depois de Salvador é a cidade baiana que reúne o mais importante acervo arquitetônico do estilo barroco.
No século XIX Cachoeira teve projeção na história política nacional. Dali ecoaram os primeiros gritos contra a opressão portuguesa, visando a criação de um movimento organizado em prol da independência do Brasil.
Foi a Câmara Municipal de Cachoeira que, em 1822 proclamou D. Pedro “Príncipe Regente do Brasil”. A cidade foi capital da Bahia independente durante 16 meses, assim como em 1837, durante a Revolta da Sabinada.
Por toda sua representatividade, nos dias 25 de junho Cachoeira é oficialmente a sede do governo da Bahia. A lei estadual que determina a transferência foi criada em 2007 e em 25 de junho de 2008 o governador e seu secretariado já despacharam da nave principal do Convento do Carmo.
De acordo com o historiador Luís Henrique Dias Tavares, no livro “Independência do Brasil na Bahia”, em 22 de junho de 1822, uma canhoneira portuguesa que protegia o rio Paraguaçu abriu fogo contra o reduto independentista baiano, deixando vários mortos. “Logo após os primeiros tiros da canhoneira começou a luta para silenciar a embarcação de guerra, aprisionar o seu comandante e marujos e desarmar e prender os soldados e os portugueses que haviam feito disparos. Assim começou a guerra pela Independência do Brasil na Bahia”, descreve.
E ainda falando dos portugueses, na rua 13 de maio, no Centro Histórico de Cachoeira fica um lindo prédio do século XVII que serviu de hospedagem para o Imperador D. Pedro II, em 1858 e para a Princesa Isabel e o Conde D’Eu em 1885. Hoje reúne mais de 13 mil peças de entre xilogravuras e matrizes, cópias assinadas e não assinadas de uma das personalidades que viveram na cidade, o alemão Karl Heinz Hansen, o Hansen Bahia. Marinheiro, escultor, poeta, escritor, cineasta, pintor e xilógrafo adotou o Estado até no nome.
Além da importância histórico-política a cidade também é palco de uma das principais manifestações do sincretismo religioso do país: a Festa de Nossa Senhora da Boa Morte. O evento ocorre todos os anos no mês de agosto. O calendário da festa inclui missas e procissões representando o falecimento de Nossa Senhora e também apresentações do Samba de Roda. Este último, uma mistura de dança, poesia, música e festa que é ligado ao culto aos orixás – é considerado “Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade” pela UNESCO.
O ritmo afro-brasileiro nasceu no Recôncavo baiano por volta de 1860. “O samba nasceu lá na Bahia, se hoje ele é branco na poesia, ele é negro demais no coração.”, diz a música do poeta Vinícius de Moraes.
Ícone de Brasil, o mais famoso ritmo nacional, o Samba (e seus variantes), teve como base o Samba de Roda nascido nos contornos da Baía de Todos os Santos.
Onde ficar em Cachoeira
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Onde comer em Cachoeira
A culinária baiana é uma festa de cores e sabores. Das famosas moquecas e acarajés, passando pelos carurus e abarás, um prato especial é tipicamente do Recôncavo: a Maniçoba e em Cachoeira ou São Félix é possível apreciá-la.
A Maniçoba é um prato de origem indígena preparado com as folhas da mandioca, que devem ser trituradas e cozidas por longo tempo (aproximadamente uma semana, para que saia da planta o Ácido Cianídrico, que é venenoso), acrescidas de carne suína e bovina e temperadas com alho, sal, louro, e pimenta e outros ingredientes defumados e salgados. Geralmente é servida com arroz, farinha de mandioca e pimenta.
O prato também é encontrado no Estado do Pará, sendo um dos pratos principais dos Círios do Estado, como exemplo o Círio de Nazaré. Por isso a Maniçoba também é conhecida como Feijoada Paraense.
Experimente em:
A Confraria
Praça da Aclamação s/n – Centro. Tel: (75) 3425-1716.
Como chegar em Cachoeira
Distância da capital: 110Km
De carro/moto/bike
A principal via de acesso é a BR 420 que passa pela cidade de Santo Amaro e encontra com a BR 324 – São Félix / Salvador. Outra opção é pela BR 101 – ligação São Félix / Feira de Santana e cidades do Sul do estado.
De ônibus
A Empresa de Transporte Santana São Paulo opera a linha Salvador (BA) – São Félix diariamente. Telefone: (71) 3450-4951.
Serviços em Cachoeira
Secretaria de Cultura e Turismo – Rua Ana Nery, 27. Tel: (75) 3425-1390
Na cidade existe uma agência bancária do Bradesco e uma da Caixa Econômica Federal.
Mais informações:
Prefeitura de Cachoeira. Tel: (75) 3425-1390
São Félix
Já em São Félix a dica é fazer uma visita ao Centro Cultural Danemann, criado em 1989 pela mais antiga fábrica de charutos do Brasil, que tem a qualidade dos seus “puros” igualada aos cubanos.
Além de exposições, oficinas, seminários e cursos, a empresa mantém um Cine Clube e realiza o Festival de Filarmônicas e a Bienal do Recôncavo. Ali também é possível acompanhar uma parte do processo de fabricação dos charutos que é feito de forma artesanal e pode levar até 30 dias (entre montagem, secagem e acabamento).
A Dannemann S.A, criada pelo alemão Gerhard Dannemann em 1873 em São Félix, hoje é uma multinacional. ( www.dannemann.com )
Onde ficar e comer em São Félix
Pousada e Restaurante do Paraguassú
Avenida Salvador Pinto, 01 – Centro. Tel
(0xx75) 3438-3386/69.
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Serviços em São Félix
Secretaria de Cultura e Turismo
Rua Coronel João Severino da Luz Neto, 03. Tel: (75) 3425-2914 – ramal 39.
Na cidade só há uma agência bancária, do Banco do Brasil e o Banco Postal do Bradesco, nos Correios.
Breve História sobre São Félix
A região era inicialmente habitada por índios tupinambás. Quando da chegada do homem branco, a primeira povoação formada se chamou freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Outeiro Redondo; mais tarde freguesia de Senhor Deus Menino de São Félix, origem da cidade.
Até 1889, São Félix pertencia à Cachoeira.
Mulheres do recôncavo
Por qualquer grande cidade brasileira que se ande, possivelmente você encontrará um nome de rua “Ana Nery” ou “Ana Néri”. Trata-se de Ana Justina Ferreira Neri (1814-1880), cachoeirana, pioneira na enfermagem no Brasil.
Ana Nery foi enfermeira voluntária na Guerra do Paraguai (dezembro de 1864). Casada com um capitão-de-fragata (Isidro Antônio Nery) morto em 1843, quem deixou-lhe três filhos, dois deles oficiais do Exército; Ana requereu ao presidente da província da Bahia que lhe fosse permitido acompanhar os filhos e o irmão (major Maurício Ferreira) durante a guerra ou prestar serviços nos hospitais do Rio Grande do Sul. Deferido o pedido, Ana prestou serviços ininterruptos durante toda a campanha, em hospitais militares de Salto, Corrientes, Humaitá e Assunção.
Terminada a guerra, volta à Cachoeira, cidade que lhe rende grandes homenagens. Recebe do governo imperial a Medalha Geral de Campanha e a Medalha Humanitária de Primeira Classe.
Viu um dos filhos morrer em batalha e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, aos 66 anos de idade.
Outra mulher do Recôncavo que merece destaque é Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), militar heroína da Guerra da Independência.
Entre 1821 e 1822 quando iniciaram-se na Província da Bahia manifestações contra o domínio português, Maria Quitéria pede ao pai (sem filhos homens) autorização para alistar-se. Surpreso o pai nega-lhe o pedido e ela foge para a casa de uma meio-irmã, e com a ajuda dela e do marido (José Cordeiro de Medeiros) corta os cabelos, veste-se como homem e dirige-se à vila de Cachoeira, onde se alistou como “Medeiros” no Regimento de Artilharia, onde permaneceu por duas semanas, até ser descoberta pelo pai.
Defendida pelo Major José Antônio da Silva Castro (avô do poeta Castro Alves, o “poeta dos escravos”) comandante do Batalhão dos Voluntários do Príncipe, foi incorporada à tropa em virtude de sua habilidade com armas e reconhecida disciplina militar. Ao seu uniforme foi acrescido um saiote (nesta ocasião e depois de outras batalhas quando já era cadete e portava espada, capacete e penacho).
No monumento ao 2 de Julho (Dia da Independência da Bahia) na praça do Campo Grande em Salvador, pode-se ver bonita escultura homenageando a “Joana D’Arc brasileira”.
Por decreto presidencial (de 28/06/1996) Maria Quitéria foi reconhecida como Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro e sua imagem encontra-se em todos os quartéis e repartições militares do país.
Maria Quitéria nasceu no sítio do Licurizeiro, no Arraial de São José das Itapororocas, na comarca de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, atual Feira de Santana (BA).
*Disponível no Google Book.
Colaborou com informações sobre a história do Recôncavo, o leitor Juca Solón.
Nós somos bem suspeitos para falar sobre a Bahia, estado pelo qual somos totalmente apaixonados. Por suas belas e variadas paisagens, de um sertão que tem até águas transparentes como ocorre na Chapada Diamantina às belas praias da Bahia, passando por sua gente, cultura e culinária. É definitivamente um lugar que merece ser visitado no Brasil!