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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

O Lobisomem – Parte III

 O Lobisomem – Parte III


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A pergunta que se ergue das sombras, tão antiga quanto o próprio mito, é se os lobisomens eram vistos como seres malignos. Voltando ao tempo de Licaão, a transformação em lobo era claramente uma punição divina, um castigo por transgressões inomináveis. Essa origem macabra poderia sugerir uma natureza intrinsecamente maligna. No entanto, a complexidade das crenças romanas e a narrativa de Petrônio introduzem nuances nessa percepção. Enquanto a transformação é certamente temida e associada a atos de violência contra rebanhos, a história também reflete uma fascinação com a metamorfose e a dualidade da natureza humana. Os lobisomens, portanto, habitam esse limiar entre o divino e o profano, o civilizado e o selvagem, refletindo os medos e as maravilhas da condição humana.
A Sombra Romana
À medida que a lenda de Licaão se entrelaça com o folclore romano, ela adquire uma vida própria, refletida nas práticas e crenças do povo. Os romanos, conhecidos por sua pragmática espiritualidade, encontraram na figura do lobisomem um símbolo de transformação e transgressão. Mas, ao contrário dos etruscos, que talvez vissem uma conexão mais espiritual com a natureza, os romanos encaravam a licantropia com uma mistura de medo, fascínio e, em alguns casos, veneração. A lenda de Licaão, portanto, não apenas sobreviveu à sua jornada através das eras e culturas, mas também se transformou, refletindo os medos de cada povo que a acolheu. E enquanto os séculos passam, a lenda continua a evoluir, cada vez mais distante de seu nascimento na antiga Arcádia, mas sempre mantendo sua essência macabra.
A Penumbra da Licantropia na Roma Antiga: Outros Escritores e Ecos Eternos
À medida que a lenda de Licaão se entrelaçava com o tecido da sociedade romana, não foi apenas Petrônio que capturou a essência aterrorizante da transformação de homem para lobo. Outros escritores romanos também teceram em suas obras o fio da licantropia, cada um adicionando uma nova camada de profundidade e sombra a essa coisa de terror e transformação. Vejamos alguns deles:
Ovidio e a Metamorfose
Ovidio, em sua obra-prima "Metamorfoses", também explora a temática da transformação, embora de uma forma mais ampla. Entre suas narrativas de deuses e mortais, encontramos ecos da licantropia, onde a metamorfose serve como um castigo divino ou uma bênção, dependendo da vontade caprichosa dos deuses. A história de Licaão é recontada por Ovidio, reforçando a ideia de que a transformação em lobo é uma punição por desafiar os deuses, um tema recorrente que ressoa com a visão romana da ordem divina e da moralidade.
Plínio, o Velho e o Naturalis Historia
Plínio, o Velho, em sua enciclopédica "Naturalis Historia", aborda a licantropia de uma perspectiva mais científica, para os padrões da época. Ele menciona homens os quais se acreditava transformarem-se em lobos durante nove anos, um relato que mistura observação com a superstição da época. Plínio tenta racionalizar essas transformações dentro do contexto da natureza e da medicina romanas, refletindo o fascínio romano pelo mundo natural e suas anomalias. Talvez a ideia da licantropia enquanto doença tenha nascido aí.
Esses escritores, cada um à sua maneira, contribuíram para a complexidade da lenda dos lobisomens na Roma Antiga. Seja através da punição divina ou da exploração científica, a licantropia se entrelaça com temas de poder, transformação e a eterna luta entre a civilização e a natureza selvagem.
Assim, enquanto as sombras da noite se aprofundam sobre as ruínas do que já foi o coração do mundo conhecido, a lenda dos lobisomens continua a uivar através dos séculos, um lembrete sombrio daquilo que se esconde nas fronteiras entre o humano e o bestial, o conhecido e o desconhecido. A licantropia, enraizada na mitologia e enriquecida pela literatura romana, permanece não apenas como uma história de terror, mas como um símbolo da eterna dança entre a luz e a escuridão, a ordem e o caos, que define a experiência humana.
A lenda de Rômulo e Remo, alimentados por uma loba, ocupa um lugar central na mitologia e na fundação de Roma, entrelaçando-se de maneira única com o tema da licantropia e a figura do lobo na cultura romana. Embora a história dos gêmeos fundadores de Roma não envolva transformação de humanos em lobos, ela reflete a complexidade da relação entre nós e eles, e como essa relação pode ser interpretada de maneiras que transcendem o medo e a superstição.
A Loba como Mãe
Na lenda, a loba que amamenta Rômulo e Remo simboliza a maternidade em sua forma mais pura e instintiva, oferecendo proteção e nutrição a seres humanos que, de outra forma, teriam perecido. Este ato de bondade animal contrasta fortemente com as representações mais comuns de lobos em mitos e lendas, onde frequentemente são vistos como criaturas a serem temidas ou como símbolos de selvageria. A loba de Rômulo e Remo, portanto, representa uma ponte entre o mundo humano e o animal, mas nesse caso sugerindo uma harmonia possível ou até mesmo uma dívida de gratidão da humanidade para com o reino animal.
Simbolismo e Identidade Romana
A presença da loba na fundação de Roma também serve para incorporar qualidades que seriam admiradas e emuladas pelos romanos, como força, coragem e lealdade. O lobo, neste contexto, não é apenas um animal, mas um símbolo da própria essência de Roma. Assim, a lenda de Rômulo e Remo alimentados por uma loba não apenas narra a origem da cidade, mas também inclui o lobo no tecido da identidade romana, com um grande reflexo na vida militar.
O lobo nas legiões romanas
Na exército, os indivíduos que portavam estandartes e, em algumas interpretações, usavam peles e cabeças de lobo por cima dos capacetes eram conhecidos como "Vexillarii" ou "Signiferi", dependendo de suas funções específicas. Os Vexillarii eram os portadores dos "vexilla", estandartes que representavam unidades menores dentro das legiões, enquanto os Signiferi carregavam o "signum", um tipo de estandarte que servia como ponto de reunião para os soldados e simbolizava a honra da unidade. No entanto, o uso específico de peles e cabeças de lobo é mais diretamente associado aos "Velites", soldados leves da República Romana, e aos membros de certas unidades ou cultos militares que adotavam o lobo como um totem ou símbolo.
Origem e Simbolismo
A prática de usar peles de animais, incluindo a do lobo, remonta a tradições antigas e pode ser vista em várias culturas guerreiras ao redor do mundo. No contexto romano, o uso de peles de lobo tinha várias camadas de significado. Primeiramente, o lobo era um animal emblemático para os romanos, central para a fundação mítica de Roma através da lenda de Rômulo e Remo. Assim, o lobo simbolizava não apenas força, ferocidade e habilidades de sobrevivência, mas também uma conexão profunda com a identidade e os valores romanos.
Unidades Específicas e Cultos Militares
Além dos Velites da República Romana, que eram jovens soldados armados levemente e que poderiam ter usado peles de animais como parte de sua armadura para simbolizar sua agilidade e ferocidade, havia também unidades e cultos militares específicos que veneravam o lobo. Um exemplo seria o culto a Marte, o deus da guerra, que frequentemente era associado a lobos. Soldados e unidades que se dedicavam a Marte poderiam adotar o lobo como um símbolo totemico, refletindo sua devoção ao deus e sua busca por incorporar as qualidades guerreiras que o lobo representava.
Influência Etrusca
A prática de usar peles de animais, incluindo lobos, também pode ter sido influenciada por tradições etruscas, já que os romanos tiveram contato e conflitos com os etruscos por séculos. Os etruscos tinham suas próprias práticas religiosas e militares, que incluíam o uso de símbolos animais, e é possível que algumas dessas práticas tenham sido assimiladas pela cultura romana à medida que Roma expandia seu território e absorvia os povos ao seu redor.
Embora a imagem de um soldado romano adornado com a pele e a cabeça de um lobo capture a imaginação, e tenho que confessar, eu mesmo usei muito essa imagem em meu livro PRIMA LANÇA, é importante notar que as evidências diretas dessa prática são limitadas e sujeitas a interpretação. No entanto, o simbolismo do lobo permeia a cultura militar e mitológica romana, refletindo a complexidade das tradições guerreiras de Roma e a maneira como os romanos viam a si mesmos e ao mundo ao seu redor. O lobo, como símbolo de Roma, encapsula tanto a ferocidade quanto a proteção, um guardião não apenas da cidade, mas também dos valores e da identidade que definiam o que significava ser romano.
No entanto, voltando à visão de homens armados, vestindo armaduras e com assustadoras cabeças de lobo cobrindo seus capacetes podem ter criado reflexos no imaginário popular dos povos conquistados, ajudando assim a disseminar a ideia de homens-lobo predadores.
Edson Rodriguez, autor de PRIMA LANÇA e CONTOS da NÉVOA, fez a pesquisa e escreveu este post.