quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

ENTRANDO COM TAUNAY NA GRUTA DE "TAPERUÇU"

 ENTRANDO COM TAUNAY NA GRUTA DE "TAPERUÇU"

Alfredo d'Escragnolle Taunay, foi presidente da Província do Paraná entre 1885 e 1886, ficando no cargo pouco mais de um ano, sua ação “mais famosa” foi a inauguração do primeiro parque da cidade, o Passeio Público, em 02/05/1886.
Em suas andanças pelos cantões do Paraná visitou a gruta de "Taperuçu", tendo escrito sobre ela:
"Foi a 10 de dezembro de 1885 que visitei a gruta de Taperuçu ainda mal conhecida e imperfeitamente explorada e sita no município de Votuverava, umas 61/2 léguas de Curitiba, a rumo de N. e N. e.
É larga a entrada e dá em grande rampa, a cuja base corre com estrépito e por entre grossas pedras soltas um riacho de águas sobremaneira claras e frias.
Desde logo se faz completa a escuridão. acesos archotes e velas vêem-se uma abóbada irregular a destilar umidade, toda revestida de alvíssima camada de calcário. Caminhando para o interior, encontra-se chão muito áspero e irregular, pejado de blocos arredondados ou de configuração singular, começando a aparecer estalagmites, uns correspondentes a estalactites, outros a panos desdobrados ou concreções de forma radiantes, mais ou menos perfeitas.
O visitante, pulando com algum risco de pedra em pedra, já se abaixando e quase de cócoras, já se agarrando a proeminências escabrosas, algumas até cortantes, a subir sempre e deixando à direita e à esquerda ga- lerias, chega ao segundo pavimento e penetra em sala não muito espaçosa, mas em que o agrupamento concrecionário e a disposição dos estalactites, sobretudo, são em extremo notáveis, figurando vários objetos e manufa- tos, que a imaginação popular foi denominando por aproximações mais ou menos exatas e felizes e que a luz artificial reveste de inúmeros pontos cintilantes do mais belo efeito cênico.
Do teto e quase a meio dessa nova sala, desce um como que feixe de canudos, que sustenta grandiosa concha invertida, toda cheia de estrias e terminada por pontas, que se vão afinando cada vez mais. e no extremo de cada uma delas brilha e refulge, tremulante como encantada gema, pu- ríssima gota de água, que, antes de lá chegar, correra rápida e viva pelos canalículos do sustentáculo e da concha.
Quanto dê a luz das velas, pois jamais ali se levam archotes a fim de ser poupado o ar respirável, observa-se por toda a parte, nos me- nores recantos, nos inúmeros nichos e nas reentrâncias do alvinitente re- vestimento o mais primoroso trabalho, imitando, já agulhas agrupadas, de todos os tamanhos e feitios, umas muito agudas, eretas, filiformes, outras curvas e grossas como tubos de órgão, já rendilhados, gregas, arabescos e lavores de mil desenhos e conformações, caprichosos e tão delicados e pe- regrinos que não há olhos bastantes para admirar e colher de pronto; tudo, porém, molhado e a ressumbrar umidade e, portanto, em via de contínua transformação e mudança.
as estalagmites, que se erguem do chão, infelizmente quase lo- doso, e que vão, com o incessante gotejar da água, caminhando ao encon- tro dos estalactites a descerem muito mais rapidamente9 da abóbada, são umas grossas e cilíndricas como alvejantes frades-de-pedra, outras cônicas e afuniladas.
À direita de quem entra, há outro corredor ou galeria, que leva ao terceiro pavimento; mas tão empinada é a rampa, as paredes tão juntas e apertadas, o teto tão forrado de agudas pontas e agulhas e por tal modo resvaloso o solo, que raros se arriscam à perigosa tentativa, muito embora, segundo se diga, essa terceira sala a que se chega depois de curta subida seja ainda mais curiosa e bela do que todas as outras.
Na visita que fiz à gruta do Taperuçu, acompanhado de umas vinte e cinco a trinta pessoas, ninguém passou além, mesmo porque um dos cavalheiros da comitiva, buscando caminhar sem vela e mais depressa do que convinha, escorregou e caiu em uma espécie de sumidouro de talvez quatro metros de altura. Felizmente não perdeu o sangue-frio; foi- se amparando com as mãos, agarrando-se às pontas dos estalagmites, que pôde alcançar e só se magoou nas costas, isso mesmo levemente.
Foi parar, mais rapidamente do que desejara, à sala de baixo e rolou ao lado do Dr. Ermelino de Leão, que, preocupado só com o exame que estava fazendo de umas concreções, lhe disse distraidamente: “já sei que me trás o martelo!” “Qual martelo, qual nada! O diabo leve gruta, martelo e vocês todos!”, bradou o outro, a soltar engraçados gemidos de dor e maldições.
Este episódio, que terminou jocosamente, quando poderia ter dado lugar a lutuoso desastre, pôs fim à nossa visita, tanto mais quanto estávamos molhados da cabeça aos pés, não só por causa da umidade, que de todos os lados exsudava, como do violentíssimo aguaceiro que nos colhera entre a Tranqueira e a gruta, num descampado largo, em que não havia abrigo possível.
Às 10 horas da noite entrávamos em Curitiba.
Se a mão do homem, inteligentemente dirigida, se empenhasse em dar mais alguma comodidade ao ingresso daquela enorme caverna, melhorasse as suas condições internas e fizesse realçar as suas muitas belezas em vez de servir só para destruir, a poder de picaretas, alviões e martelos, as mais interessantes e bem lavrados estalactites e estalagmites, fora a gruta de Taperuçu motivo de lindíssimo passeio e digna de ser apreciada por quantos chegassem ao planalto
Visconde de Taunay, publicado no seu livro "Paisagens Brasileiras".
Paulo Grani

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