OS MENONITAS CHEGAM EM CURITIBA
"Ainda no século 16, alguns menonitas do Flandres, por causa de seus princípios religiosos, foram perseguidos e condenados à morte pela Inquisição espanhola que se estabeleceu naquela região. Por causa disso, os menonitas fogem da Holanda e refugiam-se na Prússia, o que hoje é a Polônia. [...]. No final do século 18, a Prússia vivia a apreensão com a agitação política na França às portas da Revolução Francesa de 1789. Com o controle governamental da Prússia, os colonos menonitas foram impedidos de possuir novas áreas e seus descendentes não tinham mais terras cultiváveis.
Em 1786, Catarina A Grande, czarina russa, convidou os menonitas da Alemanha e da Prússia, conhecidos por seu potencial de trabalho, a ocupar o sul da Rússia e colonizar as grandes estepes do Volga. Em troca, ofereceu terra, auxílio do governo, direito à administração dos próprios bens, isenção do serviço militar e liberdade religiosa.
O progresso e a prosperidade vieram a atingir seu auge em 1890 e 1914, quando formaram uma população de cerca de 120.000 menonitas, muitos eram proprietários de moinhos, indústrias e fazendas consideradas as melhores do mundo de então. Conquistaram um padrão de vida invejável. Tinham criado escolas e faculdades, e um sistema educacional único; construíram também orfanatos, asilos e hospitais. [...]
Todavia, em 1914, veio a 1ª Guerra Mundial. A Rússia luta contra a Alemanha. O czar Nicolau II determina o confisco de terras menonitas por considerá-los espiões alemães. Em 1917, a Revolução Russa acontece. A situação do grupo ficou cada vez mais insustentável. O czar é deposto. Os menonitas são considerados inimigos da revolução. Muitos sofrem morte brutal.
Em 1920, a Rússia está sob o comando de Lenin. Toda propriedade passa a pertencer ao Estado e formam-se fazendas coletivas. Os menonitas mais prósperos perdem suas terras; os que se mantêm, pagam altos impostos; a Educação cristã é proibida e muitos professores são enviados à Sibéria ou simplesmente desapareceram. Restara somente a fuga. (KLASSEN, 1995).
Em fins de 1929, mais de 13.000 menonitas se aglomeravam em Moscou, querendo cruzar o Portão Vermelho, chegar à Alemanha e imigrar para a América. Os que conseguiram sair rumo à Alemanha receberam alguma ajuda da Cruz Vermelha na divisa da Rússia.
Entre 1923 e 1926, perto de 20.000 menonitas imigraram para o Canadá. Agora, era a liberdade ou a morte. Um rumo incerto. O outro lado do mundo, mas, no caminho da fé e da liberdade.
No dia 16/01/1930, o navio Monte Olivia partiu do Porto de Hamburgo, na Alemanha, para levar os primeiros imigrantes menonitas ao Brasil. O Monte Olivia chegou à ilha de Flores no Rio de Janeiro, no dia 03/02/1930, trazendo as primeiras trinta famílias menonitas. Depois, outros dois navios trouxeram mais colonos, fugitivos da Rússia. Até 1932 chegariam mais de 1.000 imigrantes menonitas, com a ajuda do governo alemão, da Cruz Vermelha Germânica e dos menonitas holandeses.
Saiu do Rio de Janeiro para o porto de São Francisco do Sul, um contingente de 1.300 pessoas que conseguiram a emigração para Santa Catarina. Seguiram de Itajaí até Blumenau num pequeno vapor fluvial. De trem, de Blumenau foram para Ibirama, e de lá, a pé, em lombo de cavalos ou em carroças, entre as montanhas, a oeste de Ibirama, chegaram ao vale do rio Krauel.
Fundaram ali, a Colônia Krauel, com os núcleos Waldheim, Gnadental e Witmarsum, que eram o centro de todo o estabelecimento; e depois, quando chegaram mais menonitas, fundaram o núcleo Auhagen, em Stoltz Plateau (Serra do Mirador) e, mais tarde, se espalharam para outras regiões do território brasileiro. A grande maioria dos menonitas do Vale era de agricultores, mas também havia marceneiros, carpinteiros, alfaiates, sapateiros, enfermeiras e professores. A mudança de um agricultor do estepe, com uma lavoura mecanizada e um clima continental, para uma agricultura silvícola primitiva e meramente manual, nas condições de um clima subtropical, representou um desafio difícil de ser enfrentado. Foi, entretanto, exatamente diante deste desafio que os menonitas se depararam quando chegaram ao Brasil.
Para os imigrantes tudo era novo neste ambiente: a selva, os índios, a cultura brasileira etc. Precisavam aprender uma agricultura tropical, uma nova forma de construir casas, como as cabanas dos caboclos, e também a conviver com os índios xokleng, kaingang e guarani e com os cafuzos.
Todavia, neste ambiente multicultural, longe da civilização conhecida da Ucrânia-Polônia, os menonitas tentaram reorganizar-se socialmente em cooperativas, escolas e grupos religiosos, como haviam feito na antiga Rússia.
Então, para que houvesse o desenvolvimento da Colônia, os imigrantes menonitas contaram com o apoio financeiro da Igreja Menonita holandesa. Cada família recebeu dinheiro para a compra de uma vaca e de algumas galinhas. Os recursos enviados pelos irmãos holandeses também foram destinados para a construção da serraria, do moinho de cereais, da usina de leite e de uma fecularia (fábrica de farinha de mandioca). Também há registros de que as construções de escolas e os salários dos primeiros anos dos professores foram pagos com recursos holandeses. [...]
Do vale para a cidade:
Todavia, devido principalmente às dificuldades comerciais causadas por esse afastamento encontradas no Vale do Krauel, algumas famílias resolvem mudar-se para outros lugares em busca de melhoria das condições de vida. Os primeiros anos de colonização foram cheios de dificuldades e com consideráveis sofrimentos. A primeira colheita de milho, mandioca e batata-doce foi um fracasso total. Apesar do empenho dos colonos em tentar garantir a próxima colheita com adubação, ela não foi melhor do que a primeira. No terceiro ano de insucesso, ficou claro que aquela terra não seria capaz de mantê-los ali. Em breve algumas famílias tinham perdido a esperança e decidiram procurar terras mais apropriadas para a agricultura. Neste intento, em 1931, chega a primeira família menonita em Curitiba, Paraná. Nos anos posteriores novos grupos vieram, a maior parte foi dos imigrantes de Auhagen em busca de novas terras.
Em Curitiba, os menonitas encontraram uma paisagem semelhante a da região da Ucrânia setentrional, onde poderiam conviver com outros imigrantes alemães também de origem russa. Essas semelhanças culturais e ambientais com a antiga pátria incentivaram uma crescente imigração para Curitiba, não só do núcleo de Auhagen, mas também de outros lugares de Santa Catarina. Desta forma, a integração social externa à sociedade brasileira foi facilitada por estas experiências históricas dos menonitas.
Os campos abertos de Curitiba permitiam o uso do arado e da criação de gado. A partir de 1934 estabeleceram-se inicialmente nos bairros Água Verde, Vila Lindóia, Pilarzinho, Bacacheri e na Vila Guaíra, em pequenas propriedades. As quase 40 famílias menonitas que vieram, com o dinheiro da venda de suas próprias terras adquiriram 100 alqueires na região dos bairros Xaxim e Boqueirão. Esses lotes ficam na beira da atual Rua Francisco Derosso.
Quanto a estes aspectos estruturais, lembra um menonita, visitante do núcleo do Boqueirão, que “na estação do trem, nossa gente veio nos receber muito cordialmente. Em um carro da colônia nós andamos primeiramente em uma estreita rua asfaltada, depois se tornou acidentada, adiante veio rua pedregosa, e por fim fomos nós por uma estrada de chão”. Formaram um núcleo de pequenas chácaras iniciando a formação de uma comunidade religiosa significativa no meio urbano.
Entre 1936 e 1937 nas regiões da antiga Fazenda do Boqueirão e no Xaxim tiveram o enfoque na produção leiteira, e seu principal meio de subsistência. Esta atividade em breve estaria suprindo mais da metade do leite consumido pela população da capital paranaense, pouco mais de 93.000 habitantes no início dos anos 1930.
As charretes transportavam o leite para o centro da cidade. No entanto, como os caminhos eram precários e somando-se ao fato de serem as terras do Boqueirão muito alagadas, os leiteiros tiveram suas carroças muitas das vezes atoladas ou perderam a produção do dia. Porém, o solo da região não trouxe apenas prejuízos no momento do transporte do leite, mas também quando o gado ficava atolado no banhado. Além dos problemas relacionados com o transporte do leite, houve uma preocupação cada vez maior com a higienização dessa mercadoria. Mais tarde, em 1945, foi fundada a Cooperativa do Boqueirão, que passou a comercializar toda a produção leiteira dos menonitas. É neste mesmo ano que surge a Usina Astra, responsável por pasteurizar grande parte do leite produzido em Curitiba e redondezas.
Urbanização da região:
Havia uma extensão de estrada, mais ou menos cuidada, da Rua Marechal Floriano Peixoto que ia até o Asilo Nossa Senhora da Luz, nos limites da área mais urbanizada da cidade de então. O prolongamento desta via até o bairro do Boqueirão foi realizado pelos militares em troca de um terreno para a construção do Quartel do Boqueirão. [...]
A presença do Quartel do Boqueirão ajudou no desenvolvimento da região, sua instalação atraiu a vinda de mais moradores, brasileiros e imigrantes de diferentes nacionalidades, e demandou obras de infraestrutura. As vias de acesso do Boqueirão, antes das mudanças feitas pelos militares no traçado da Rua Marechal Floriano Peixoto, era a Estrada do Andreguetto, com ponto de partida em frente ao local onde seria erguido o quartel e ligava o bairro até a Rua Salgado Filho, no bairro Uberaba, e também, a atual Rua Francisco Derosso, que vinha do bairro do Portão e ligava Curitiba a São José dos Pinhais. Em 1938 chegaram dois geradores de energia no quartel, o qual fornecia eletricidade pelo menos para as propriedades próximas.
O transporte coletivo público não chegava até o bairro nesse período. Porém, em 1942 um abrangente projeto de reurbanização foi elaborado para nortear o crescimento da cidade. O plano diretor de Curitiba foi realizado por uma empresa de São Paulo, que contratou para fazer o projeto o arquiteto Alfred Agache, responsável pelo plano de reurbanização do Rio de Janeiro, executado entre os anos 1927-1930. O projeto curitibano, assim como outros feitos por este engenheiro, ficou conhecido como Plano Agache. Na região do Boqueirão, na década de 1950, pela execução do plano diretor, se desenvolveram edificações e estradas, apesar de que antes foi necessário realizar a drenagem de parte dos rios Belém e Iguaçu. E assim, entre plantações, criações e realização do comércio, os menonitas começaram a construir não apenas suas casas, mas suas vidas em Curitiba.
Hoje, as comunidades menonitas representam elementos marcantes dos bairros do Boqueirão e Xaxim, com uma integração sistêmica no campo da religião, com várias igrejas menonitas espalhadas pelos bairros, as instalações do Colégio Erasto Gaertner e a Praça Menonita tornaram-se marcos importantes na paisagem urbana de Curitiba.
A escola do boqueirão:
A partir de 1931, começaram a chegar as primeiras famílias de menonitas em Curitiba. Passaram-se cinco anos desde as primeiras instalações e adaptações na nova cidade para que os menonitas empreendessem a construção de uma escola elementar para suas crianças. A construção da "Escola do Boqueirão" se deu de forma comunitária, empreendida pelos próprios menonitas, tanto com o trabalho braçal, quanto com donativos. Em março de 1936, numa construção de madeira, a escola começa com 18 alunos, e dividia-se em morada do professor e nos fins de semana, era lugar de atividades religiosas.
Aproximava-se a Segunda Guerra Mundial e o governo brasileiro passou a impedir que estrangeiros exercessem o magistério no país. A esposa de um oficial militar brasileiro assumiu a escola, e os alunos começaram a ter aulas em português; mais tarde, a escola foi fechada e os alunos foram transferidos para outras escolas.
Finda a Guerra, em 1945, a Escola do Boqueirão foi autorizada a reiniciar suas atividades. Em 1956, a escola realiza o sonho da comunidade: é instituído o Ginásio Erasto Gaertner. O nome foi escolhido para homenagear o recém-falecido ex-prefeito de Curitiba, notável por sua atuação na saúde e educação da cidade. Em 1966, o Ginásio agora passou a se chamar Colégio Erasto Gaertner.
Em agosto de 1974 é criada a Fundação Educacional Menonita, juntamente com a Faculdade Fidelis, em parceria com a Primeira Igreja Irmãos Menonitas do Boqueirão, Igreja Evangélica Menonita de Curitiba, Igreja Irmãos Menonitas do Xaxim, Igreja Menonita de Vila Guaíra e Igreja Evangélica Irmãos Menonitas da Vila Guaíra.
O Colégio Erasto Gaertner foi a primeira escola da Região Sul da cidade de Curitiba e reflete o espírito empreendedor do menonita. Hoje, é uma instituição respeitada na capital, sendo um ponto de referência educacional. [...]
(Extraído de: Revista Maieutica)
Paulo Grani
Grupo de imigrantes Menonitas embarcados durante a travessia para o Brasil.
Foto: Colonia Witmarsun.
Foto: Colonia Witmarsun.
A primeira edificação da Igreja Menonita no Boqueirao, década de 1940.
Produtor leiteiro Menonita sai para comercialização da sua produção em sua charrete.
Foto: erasto.com.br
Foto: erasto.com.br
Leite curitibano e batavo castrolanda, marcas produzidas pelos Menonitas no Paraná.
Menonitas do Boqueirão e outras regiões de Curitiba reunidos junto à Igreja.
Foto: Erasto.com.br
Foto: Erasto.com.br
Nota-se o descampado no entorno da Igreja Menonita do Boqueirao, década de 1950.
Foto: Erasto.com.br
Foto: Erasto.com.br
Cooperativa Boqueirão edificada na Rua João Derosso, em 1947. Flagrante do momento que um leiteiro passa com sua charrete na rua próxima.
Visão panorâmica da região das propriedades dos Menonitas no Alto Boqueirão. Os grandes terrenos viabilizavam o pasto ao gado leiteiro.
Foto: Mestre Chicão.
Foto: Mestre Chicão.
Um dos comércios mais tradicionais próximo da Escola e da Igreja Menonita - Casas Blumenau.
Foto: pinterest.
Foto: pinterest.
Igreja Evangélica Menonita do Agua Verde.
Foto: IEMAV.
Foto: IEMAV.
Igreja Evangélica Menonita do Jardim das Américas.
Foto: pinterest.
Foto: pinterest.
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