De onde surgiu o termo CAIPIRA?

Hoje o caipira é tido como um povo singular, que possui uma musicalidade específica, uma culinária reconhecida, e costumes próprios dentro de suas variações. Mas por quê caipira? Há diversas teorias sobre sua origem, então vamos entendê-las e conhecer as primeiras referências escritas sobre esse povo.
Proveniente da miscigenação do índigena nativo com o português durante três séculos (XVI, XVII, XVIII), o caipira surge na nossa história como o portador de uma cultura singular, carregando consigo muito da europeia e mantendo também e principalmente, muitos dos costumes de seus antepassados indígenas, repassados aos bandeirantes e aos seus precursores tropeiros e boiadeiros.
Desta forma, as aventuras dos bandeirantes mata adentro objetivavam encontrar ouro e prata, além de aldeias indígenas, cuja mão de obra era aproveitada.
Tornaram-se depois então, esses bandeirantes, em agricultores precários quando da necessidade de produção de alimentos para
subsistência, fixando-se nas terras dos sertões paulistas, mineiros, sulistas e no centro-oeste, e iniciando a formação de pequenas vilas e aldeias que mais tarde se tornariam grandes cidades.
É na etimologia da palavra caipira que damos o primeiro passo para a discussão acerca do entendimento sobre o seu modo de vida, Desta forma, para Baptista Caetano a palavra caipira vem do tupi: cai = queimada / pir = pele: pele tostada
Para Câmara Cascudo em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, a origem de caipira pode estar em caapora, ou
seja: caá = mato / pora = habitante, morador. Portanto, caipira é o habitante do mato, ou abridor do mato, então uma referência aos homens bandeirantes que se embrenhavam na mata(?)
Caipira então poderia ser um apelido dado pelos indígenas aos bandeirantes que se embrenhavam no mato e de lá não mais saíam. Ou mesmo um termo de origem na língua geral paulista, dado aos homens que se afastando do alistamento das bandeiras e posteriormente militar, preferiam viver de sua própria subsistência no mato a fim de que nunca os achassem. Enfim, teorias.
Antes do termo se generalizar como identidade de uma região específica, os caipiras foram e ainda são conhecidos de outras formas: caboclo, mameluco, campeiro, biriva, pantaneiro, matuto, capiau, catrumano, entre outras variações. Por exemplo, os caipiras nos relatos dos viajantes do séculos XIX, eram descritos muitas vezes apenas como "paulistas", independente de sua lida.
As primeiras referências escritas conhecidas aos termos caipiras aparecem principalmente no século XIX, sendo os viajantes Saint Hilaire e Spix Von Martius um dos primeiros relatarem o estilo de vida, costumes e os trejeitos dos caipiras entre 1817 e 1825.
Saint-Hilaire relata uma visão francesa muitas vezes com menosprezo do caipira, cuja viagem entre caipiras paulistas nos espera um pouco adiante, ao descrevê-los na cidade de São Paulo:
"Estes últimos, quando percorrem a cidade, usam calças de tecido de algodão e um grande chapéu cinzento, sempre envolvidos no indispensável poncho, por mais forte que seja o calor. Denotam os seus traços alguns dos caracteres da raça americana; seu andar é pesado, e tem o ar simplório e acanhado. Pelos mesmos têm os habitantes da cidade pouquíssima consideração, designando-os pela alcunha injuriosa de caipyras, palavra derivada
possivelmente do termo curupira. pelo qual os antigos habitantes do país designavam demônios malfazejos existentes nas florestas..." -August de Saint Hilaire, Viagem à Província de São Paulo.
E Saint Hilaire descreve mais sobre os caipiras em 1822: .... "Os terrenos auríferos tendo sido repartidos e a caça aos indígenas estando severamente proibida, foram eles obrigados a renunciar aos seus hábitos de mais de dois séculos. A agricultura foi o seu recurso: instalaram numerosos engenhos de açúcar, e onde a natureza lhes oferecia pastagens, passaram a criar gado cavalar e vacum. As ocupações sedentárias, às quais foram constrangidos a entregar-se, habituaram-nos à vida de família. Suas antigas lides se extinguiram e, pouco apouco, seus costumes tomaram-se mais brandos. Sempre ufanos da glória de seus antepassados(aqui Hailaire cita que eles sabiam sobre seus antepassados bandeirantes tinham sentimentos orgulhosos sobre eles), e não mais pensaram, entretanto, em imitá-los. Deviam perder, necessariamente, os defeitos dos antigos corredores de desertos; nada os impediu, porém, de conservar as brilhantes qualidades que distinguem esses homens extraordinários. Tiveram coragem sem crueldade, firmeza sem rudeza, franqueza sem insolência... "
Em Goiás o Hilaire enfatiza o vida do caipira com desprezo: .
"...A palermice e a grosseria demonstradas por esses infelizes não
deve, pois, causar surpresa. As poucas pessoas com quem eles se
comunicam de longe em longe e, unicamente no tempo da seca,
são os tropeiros, afora o convívio com seus escravos e seus rudes
empregados (camaradas). Nada há para despertar a sua
inteligência, para reaviver os seus conceitos morais, e nada, por
assim dizer, os liga à sociedade humana. (SAINT-HILAIRE)
Todas essas passagens demonstram que o suposto isolamento do homem do interior não anuncia a completa falta de convívio entre os indivíduos, mas sim a ausência da civilização europeia. Qualquer
experiência social que não correspondia ao modelo existente na
Europa, era vista como animalesca e desprezível.
Já os viajantes Alemães Spix & Von Martius enfatiza sobre os caipiras com interesse e admiração:
"...Pena é não serem lidos com interesse esses poucos jornais.
Sobretudo o habitante do interior, gozando de generosa natureza
rica, limitado à comunicação com poucos vizinhos afastados,
manifesta pouca atenção pelos acontecimentos do mundo político,
e satisfaz-se com a notícia dos principais sucessos que lhe trazem
os guias das tropas, quando regressam da costa. (SPIX &
MARTIUS, 1817)
".... O contínuo lidar com a natureza aguça o sentido desses homens simples, dando-lhes percepção tão exata dos característicos físicos, que, neste ponto, eles superam o europeu, muito ilustrado, mas pouco observador da natureza. (...)
Igualmente o caipira é notável pelo conhecimento perfeito das
plantas medicinais de sua terra(...). É um erro julgar que esses
conhecimentos práticos das virtudes curativas de plantas tenham,
por tradição, sido herdados apenas dos primitivos indígenas americanos pelas atuais gerações. (...)
O maior merecimento no achar e aplicar a virtude curativa das
plantas (...) compete, pois aos paulistas. O seu gênio ativo e
curioso, estimulado pela rica natureza, fê-los prosseguir nas
descobertas casuais, ou, mesmo raramente, por indicação dos
indígenas, feitas com a perspicácia própria do europeu.... (SPIX &
MARTIUS.
"...O orgulho dos paulistas pode somente ser desculpado, por poderem eles gabar-se de que as façanhas de seus antepassados lhes dão, sobre o novo continente direitos, que não tem o colono europeu. Que os primitivos imigrantes se cruzaram frequentemente com os índios da vizinhança, ninguém duvida, e, pela cor da cútis e fisionomia, o povo daqui faz lembrar, mais do que em outras cidades do Brasil, por exemplo Bahia e Maranhão, esse cruzamento(...) Muitos paulistas conservaram-se sem a mistura com os índios, e são tão brancos, mesmo mais claros, do que o colono europeu puro nas províncias do Norte do Brasil. Os mestiços, filhos de brancos e índios, mamelucos, conforme o grau da mistura, têm a pele cor de café, amarelo-clara, ou quase branca. Fica, porém, sobretudo no rosto largo, redondo, com maçãs salientes, nos olhos negros não grandes, e numa certa incerteza do olhar, a revelação, mais ou menos clara, do cruzamento com o índio. No mais, os principais traços desses homens são estatura alta, peito largo, feições fortemente acentuadas, que indicam franqueza e desembaraço; os olhos são pardos, raras vezes azuis, cheios de vivacidade e enérgicos; o cabelo basto, preto e liso; a musculatura rija; agilidade e segurança de movimentos(...)
(...)O vigor muscular com que amansam cavalos bravios e o gado selvagem por meio de laço é tão maravilhoso, como a facilidade com que suportam contínuos trabalhos e canseiras, fome e sede, frio e calor, intempéries e privações de toda a sorte. Nas suas viagens pelos rios do interior a Cuiabá e a Mato Grosso, eles demonstram ainda hoje o mesmo arrojo e resistência de seus antepassados nos perigos e fadigas contínuas, e um irresistível pendor para viajar incita-os sempre a afastar-se da terra natal. De todas as províncias andam por todo o Brasil espalhados tantos colonos como os de procedência paulista. Pode-se em geral descrever o caráter do paulista como melancólico e de gênio um tanto forte(...)
O RECONHECIMENTO NA MÍDIA DO BRASIL:
As outras fontes de reconhecimento e generalização do termo caipira pela mídia do Brasil começou a ganhar corpo a partir de 1838 em diante, e aqui temos algumas citações:
Diz-se que os brasileiros desde que estão com a espingarda ao ombro, ou com o anzol no rio, desde que tem o lambari para comer e a viola para tocar, de nada mais cuidam. É uma injustiça que se lhes faz. O estudo dessa existência maravilhosa do
nosso caipira leva-nos a convicção de que os brasileiros são tão capazes de qualquer serviço como os europeus. (Correio Paulistano, 1858: p.15)
E continua sua defesa:
A luta constante de nossos caipiras com o deserto, com os matos, com as feras, levando esse pequeno facho de civilização para os lugares onde o homem ainda não apareceu, é uma prova mais do que suficiente de sua coragem individual como da sua aptidão para o trabalho e frugalidade dos hábitos. (Correio Paulistano, 1858:
p.15)
Mas os caipiras começaram a ter reconhecimento e fama a partir do final do século XIX e inicio do século XX.
Dentre os quais se destacam Almeida Júnior, que deu vida ao caipira em suas artes.
Cornélio Pires e seu movimento folclórico, que deu vida a música caipira, trazendo-nos as primeiras gravações de música caipira que se tem notícia.
E logo depois viriam inúmeros estudos antropológicos, como as de Antônio Cândido, Emílio Willems, Carlos Borges Schimdt entre outros, que dariam sentido e formulação na compreensão de todos os caipiras do Brasil, com a ideia de uma "Paulistânia" que compartilha dessas mesmas origens, costumes e hábitos.
-Felipe de Oliveira
Fontes:
-O USO DO TERMO E DO DIALETO CAIPIRA
NOS JORNAIS DO SÉCULO XIX (1838-1884),
Diogo Tomaz Pereira
- Saint Hilaire, Viagem a Província de São Paulo
-Spix & Martius, Viagem ao Brasil
- Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro
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