Cervejaria Cruzeiro (ou Parque Cruzeiro)
Esta casa é uma Unidade de Interesse de Preservação.
Neste local, na Avenida do Batel, originalmente estava instalada a fábrica de cervejas Johnscher & Irmão, que faliu em abril de 1902. As foram adquiridas irmãos Julio e Luiz Leitner em 27 de maio daquele mesmo ano.
Depois reformarem e equiparem a fábrica com máquinas vindas da Alemanha. Reabriram a cervejaria em abril de 1904, com a razão social de “Julio Leitner & Irmão” e o nome de fantasia de “Fábrica de Cervejas Tivoli”. A fábrica era no Batel e o escritório e depósito na Rua Marechal Deodoro, esquina com a Rua da Liberdade (atual Rua Barão do Rio Branco), local da antiga fábrica dos Leitner, que continua em funcionamento por mais algum tempo (não consegui apurar até quando ).
Pouco tempo depois, alteraram o nome de fantasia para “Cruzeiro” e foi publicado no dia 18 de junho de 1904, no jornal “A República”, o seguinte comunicado:
“Comunicam-nos os srs. Leitner
& Irmãos, proprietários da fábrica
de cerveja do Batel, resolveram
mudar a denominação da sua
afamada marca «Tivoly», que d'
ora em diante, chamar-se-á «
Cruzeiro».
No dia 24 de outubro de 1904 o mesmo jornal publicou a seguinte reportagem:
“Dentre as diversas fábricas de cerveja existentes n'esta capital, destaca-se, pela sua importância e magnifica construção, a grande fábrica «Cruzeiro», de propriedade dos srs. Júlio Leitner & Irmão.
Esta fabrica, fundada há cerca de 4 anos pelos srs. Francisco Ioncher & Filhos, que empregaram n'ella a maior parte de suas economias, elevaram a cerca de duzentos contos de reis, não ponderam infelizmente corresponder aos esforços e sacrifícios de seus iniciados, vindo mais tarde a pertencer aos atuantes proprietários, que a adquiriram por compra.
Afim de dar desenvolvimento relativo á importância do estabelecimento, seguio para a Eurpa um dos sócios, o sr. Luiz Leitner, que pode então fazer aquisição dos mais aperfeiçoados vestuáriohos e accessorios indispensaveis, afim de collocal-a no alto gráo em que se acha.
Hontem tivemos ocasião de fazer uma visita geral á fabrica, onde fomos gentilmente acompanhados pelo sr. Luiz Leitner, que nos ministrou as informações mais completas.
Entrando pela casa de máquinas, podemos ver já a funcionar a nova caldeira ha pouco recebida da Europa, a qual contem uma forla de 60 cavallos vapor; a sua acçãi é transmitida aos diversos maquinismos de fabricação de gelo, dínamo para gerar a electricidade e outros diversos mistéres da industria. Fomos ás câmaras frigoríficas, onde a temperatura se mantinha a 1½ gráos abaixo de zero, lugares estes destinados á fermentação de grande quantidade de cerveja que se encontrava em mais de 30 tons.
Impossibilitados de nos demorarmos n'este local, em vista da baixa temperatura, sahimos logo e nos dirigimos aos demais compartimentos, onde pudemos admirar a boa ordem e o irrepreensível asseio geral. Disse-nos o sr. Leitner, que a fabrica acha-se habilitada a produzir 30.000 litros de cerveja por dia.
Visitamos depois o «restaurante» Cruzeiro, anexo ao depósito, onde nos foi oferecido um magnífico «chopps». Este «restaurante», assim como um bem montado «jogo de bolas», propriedade dos proprietários do importante estabelecimento.
E' este hoje um ponto de diversão, onde grande parte de nossa população vae se recrear aos domingos, debaixo das frondosas arvores que formam o bellissimo parque de um refrigerante jardim”.
Quanto a casa mostrada na foto onde, imagino, funcionava o tal “restaurante”, não sei dizer exatamente quando foi construída, mais imagino que isso ocorreu ainda com os antigos proprietários da cervejaria, ou seja, por volta de 1900.
O Sr. Julio Leitner faleceu em abril de 1909, por um tempo a sua viúva, Sra, Adelina, contínua na sociedade, mas retirou-se em novembro de 1911.
Após o falecimento do Sr. Luiz Leitner, que era casado com Anna Hauer Leitner, a empresa trocou o nome para “Viuva Luiz Leitner & Filhos” e passou a ser dirigida pelo filho deles, Frederico Leitner (1901-1988).
Em 1940 a Cervejaria Cruzeiro foi vendida para a Cervejaria Brahama e o Sr. Frederico assumiu uma diretoria técnica da empresa. Trabalhou nela por mais uns trinta anos.
Uma pequena confusão?
Encontrei em algumas publicações a menção de que Thomas Plantagenet Bigg-Whitters (1845-1890), naturalista e viajante inglês, teria ficado hospedado nessa casa durante sua viagem ao Brasil entre 1872 e 1875. Acredito que haja alguma confusão aí, pois naquela época a casa provavelmente nem existiu.
O que acontece é que o Sr. João Leitner, imigrante austríaco, pai dos Srs. Julio e Luiz Leitner, chegaram com aproximadamente trinta anos de idade na Colônia Dona Francisca (Santa Catarina) em 1866. Aproximadamente dois anos depois, depois de casar com Marie Lenkt, mudaram-se para Curitiba. Aqui conseguiu construir a sua casa, em 1870. Junto funcionava uma pensão e uma cervejaria e fábrica de vinagre. Isso tudo na atual Rua XV de Novembro, esquina com a Rua Barão do Rio Branco, que na época era bem pouco movimentada, pois a cidade era muito pequena.
A pensão evolui para “Hotel Leitner”. Lendo em alguns jornais antigos fiquei com a impressão que foi um dos mais importantes da cidade.
O hotel foi vendido para Mostaert & Cª em agosto de 1882 e passou a chamar-se “Grande Hotel”. No comunicado do negócio publicado no jornal “Dezenove de Dezembro” no dia 12 de agosto de 1882, o parágrafo final diz o seguinte:
“No mesmo estabelecimento que é hoje a Estação das Diligências alugada-se carros de luxo para casamentos, batizados, visitas e viagens para todos os pontos da provincia onde se possa transitar, bem como grande cocheira para animaes.”
Na primeira noite em Curitiba o Sr. Bigg-Whitters ficou hospedado em um hotel de propriedade de Herr Louis, em suas próprias palavras:
“… Mas todas as coisas têm um fim, e cerca de duas horas depois do anoitecer chegamos a Curitiba, e cavalgamos pela rua mal iluminada até o hotel solitário do lugar, cansados demais para notar qualquer coisa no caminho. Encontramos Edwards, que havia nos precedido alguns dias de Antonina, lá para nos receber, e raramente ficamos mais felizes em nos livrar de uma montaria do que agora. O jantar logo nos deu um pouco de vida novamente; Herr Louis, o alegre proprietário alemão, mostrando-se tudo o que um anfitrião deve ser, proporcionando o conforto de seus convidados. …”
Mais adiante ele menciona o hotel do Sr. Leitner:
“… Todas as noites, após o fim do dia de trabalho com as lojas, nos reuníamos em um novo hotel alemão que estava sendo construído na parte inferior da cidade, que possuía a modesta atração de uma cervejaria própria anexada a ele. Essas noites eram geralmente dedicadas a conversar sobre os planos e arranjos para a realização do trabalho de exploração diante de nós e para discutir o país em geral. Ocasionalmente apareciam homens que haviam viajado para o interior e viviam vidas selvagens na floresta. Herr Leitner (o proprietário) traria sua melhor cerveja e, quando solicitado, aumentaria a diversão da noite tocando sua cítara, na qual ele era um artista muito habilidoso. …”.
Depois ele foi para o interior do estado e quando sofreu para Curitiba, onde, com certeza ficou no hotel do Sr. Leitner, escreveu o seguinte:
“…Curitiba perdera toda a memória no intervalo de quatorze meses que se passaram desde a última vez que a vira. À direita e à esquerda da nova estrada que leva ao Palmeiras, longas fileiras de casas surgiram onde antes ondulava a campina. À direita, um edifício gigantesco, mais no estilo moderno de hotel londrino do que qualquer outro que eu já tivesse visto no próprio Rio, estava em construção, e por todos os lados sinais inconfundíveis de progresso eram manifestos.
O elemento alemão parecia ter se multiplicado extraordinariamente naquele lugar, e as peles escuras e os cabelos pretos de meus dois companheiros brasileiros pareciam totalmente deslocados na "cidade" capital. As pessoas se viraram para olhar para nós enquanto caminhávamos pelas ruas, imaginando, sem dúvida, de que parte do globo havíamos vindo, pois nossos trajes do interior e aparência manchada de viagens indicavam estranhos.
Nesse momento, dois sujeitos negros de uniforme, carregando espadas curtas, apareceram e nos pararam; e então, pela primeira vez, lembramos que estávamos armados até os dentes, com pistolas, revólveres e facas compridas enfiadas na cintura. Não é à toa que o povo ficou olhando para nós, pois o porte de armas é proibido em Curitiba. O erro logo foi explicado, mas os negros não nos deixaram até que chegássemos à porta do hotel de Leitner, onde eu pretendia me hospedar, evidentemente com medo de que no último momento nos tornássemos bandidos desesperados empenhados em atacar algum ultraje assassino.
Herr Leitner nos recebeu de braços estendidos e foi bom não nos encontrarmos totalmente esquecidos em meio às muitas mudanças que ocorreram na cidade.
Levando em conta os dados, acredito que o Sr. Thomas Bigg-Whitters hospedou-se no Hotel Leitner (que na época deveria estar mais para pensão) na Rua XV de Novembro.
O Sr. João Leitner faleceu em 10 de abril de 1894.
A Churrascaria Cruzeiro
A primeira sede da Churrascaria Cruzeiro foi no “Parque Inglês”, localizada na Estrada da Graciosa (na atual Avenida Prefeito Erasto Gaertner).
O seu proprietário, o imigrante alemão Germano Kundy (1896-1972), transferiu-a em 1937 para um barracão que existia no bosque ao lado da casa retratada.
A Churrascaria Cruzeiro foi uma das famosas da cidade, tanto pelo churrasco como pelo local, que também era conhecido no Parque Cruzeiro. Quando o tempo permitia, o churrasco era servido em mesas instaladas na sobra das grandes árvores que não existiam no local. A churrascaria funcionou no local até 1986.
Referências: