Quando a princesa Isabel visitou a Santa Casa não foram poupadas críticas ao prédio, por parte do jornal carioca. (Foto: Acervo Cid Destefani, em exposição no Palácio Rio Branco da Câmara/Reprodução: Michelle Stival)
“Se por fóra elle é bonito, por dentro é horroroso, só tendo de bom a capella em estylo gothico e o necroterio no mesmo gosto. Para este edificio póde empregar-se o ditado – por fora cordas de viola, por dentro pão bolorento.” Foi exatamente assim que a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, no dia 3 de dezembro de 1884, reportou sobre as dependências da Santa Casa de Misericórdia, por ocasião da visita da família imperial a Curitiba. Era um espaço praticamente recém-criado, inaugurado em 1880 pelo próprio imperador, Dom Pedro II, e que por muitos anos foi o único hospital da cidade.
Embora seja possível notar o expressivo mau humor com que o repórter carioca – enviado especialmente para cobrir a comitiva da princesa Isabel – abordou certos assuntos da capital paranaense, por meio de seus relatos é possível delinear alguns traços de Curitiba que não estão nos livros, tampouco em fotografias. Não é de se estranhar seu descontentamento, acostumado que estava a viver na cidade que recebera todos os mimos e investimentos por ser sede do Império do Brasil.
“Dividido em muitas salas, algumas acanhadas e sem ar, na maior parte vazias e infectas, taes são as enfermarias onde se encontram actualmente 31 doentes, sendo 10 loucos, 7 mulheres e tres homens, um dos quaes estava nú. As camas e os colchões (se é que o são) não abonam muito o estabelecimento, nem a irmandade, que é o provedor e medico do hospital, o Sr. Dr. Albuquerque... Tem o hospital uma boa pharmacia e um excellente enfermeiro”, continuou.
“O hospital, por fóra é de bonita apparencia, e, construido n'um estylo que nem é gothico, nem dorico, é uma melange de architecturas, mas que mostra o gosto de quem o desenhou e de quem executou as obras”, descreveu. A casa de saúde fora fundada pelo Dr. José Candido da Silva Murici, que dá nome à alameda Dr. Muricy.
Diferente foi o relato da princesa Isabel, que, em uma carta diário destinada a seus pais D. Pedro II e Dª Tereza Cristina, reconheceu a falta de recursos, mas foi suave ao retratar o cenário. “Depois do almoço visita ao hospital de Caridade, com poucos recursos, mas bem arranjado. Capelinha muito bonita, feita com madeiras do Paraná. O Dr. Pires [Atonio Carlos Pires de Carvalho e Albuquerque], provedor da irmandade e médico daí, agradou-me. Dizem ser muito boa pessoa e muito caridosa. O estilo arquitetônico do hospital é inglês, do tempo da Rainha Isabel, bonito. Só é pena que tivessem caiado todo o edifício. Dessa forma não lhe terão deixado todo o seu cunho.”
A história da inauguração da Santa Casa, que contou com a presença do imperador D. Pedro II, é contada pelo jornalista da Câmara Municipal João Cândido Martins, em outra matéria publicada na seção do Nossa Memória (leia na íntegra). Ocorreu no dia 22 de maio de 1880 e foi um marco da influência alemã na engenharia curitibana. O prédio foi decisivo para a urbanização do Campo do Olho d'Água, local hoje conhecido como Praça Rui Barbosa.
Hoje a instituição é mantida pelo Grupo Marista e atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS), convênios e particular. Possui uma estrutura com 278 leitos, sendo 37 de UTIs e nove salas cirúrgicas, conforme seu site. Realiza entre 600 e 800 cirurgias mensais e interna uma média de 1.350 pacientes por mês. Atende diversas especialidades, como cirurgia vascular, otorrinolaringologia, cardiologia, cirurgia vascular, bariátrica, transplantes, dentre outras.
A Câmara e a Assembleia
No dia 5 de dezembro, a família imperial visitou a Câmara Municipal, que funcionava em cima da cadeia pública. Desta vez, foi a princesa Isabel quem não poupou críticas: “muito acanhada, e Gaston [Gastão de Orleans, o Conde d’Eu] desceu à prisão que achou muito suja, muito desordenada, os presos muito acumulados. Dizem que pouca fiscalização tem havido, e que até súcias¹ e jantares se têm dado na prisão, entre presos e gente de fora. O presidente (Brasílio Machado) e o Chefe de polícia (Dr. Leão Veloso) dizem que vão tomar providências. Eles há pouco chegaram, e por isso nada fizeram”.
Na Gazeta de Notícias, inicialmente uma simples menção à visita. “O edifício da municipalidade é pequeno e fica ao lado da cadêa, havendo no pavimento terreo uma prisão.” No entanto, posteriormente, o mesmo jornal, sem dó, publicaria: “não podemos deixar de declarar, que não ha em todo o imperio peior cadeia que a d'esta capital. Os presos aqui passam um vidão, passeiam quando querem, visitam a família e os amigos, dão banquetes e fazem negocio nas prisões, cujas grades têm o aspecto de vitrina de casa de quinquilharias”. Esse prédio ao qual se referiram foi demolido e ficava onde hoje é o Mercado das Flores, na Praça Generoso Marques.
No mesmo dia, os príncipes foram visitar a Assembleia Provincial: “Foram Suas Altezas, acompanhadas do Sr. marechal Miranda Reis e baroneza de Suruhy, visitar a assembléia provincial, onde foram recebidas pelos srs. Conselheiro Alves de Araujo, Dr. Generoso Marques e outros Srs. Deputados. O edificio da assembléia foi mandado construir pelo finado conselheiro Zacarias e pode-se dizer que é um dos melhores edificios da provincia: espaçoso, com uma grande galeria para o povo, muito arejada e perfeitamente collocada”, noticiou o periódico.
O prédio ficava na Dr. Muricy, esquina com a rua Cândido Lopes, onde permaneceu até o início da década de 50, conforme informa o site da Assembleia Legislativa do Paraná. O prédio não existe mais e no lugar está a Biblioteca Pública do Paraná.
O palácio da Assembleia Provincial, a Santa Casa, a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá e o Passeio Público, citados nesta série de reportagens sobre a visita da princesa Isabel e sua família a Curitiba, são os primeiros sinais do progresso que se avolumava após a Emancipação Política do Paraná, cujo território antes de 1853 era subordinado à província de São Paulo. No entanto, percebe-se que ainda havia pouco recurso para geri-lo, o que ficou evidente aos augustos viajantes na visita. Curitiba e o Paraná estavam crescendo e demandavam investimentos.
Na próxima reportagem, saiba como foi a visita da família imperial à Colônia Abranches, hoje um bairro de Curitiba.
https://www.curitiba.pr.leg.br/informacao/noticias/princesa-isabel-e-um-retrato-dos-predios-de-curitiba-em-1884
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