quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Ilha do Mel No inicio da década de 70 a ilha do Mel era destino de aventureiro, de cara assim meio natureba, meio riponga. A patrulha da moral e dos bons costumes dizia que a ilha era um antro de maconheiros e de sexo livre, que todo mundo andava pelado lá. Que eu saiba, a ilha é frequentada desde 1930, por “gente boa” (segundo a concepção dos patrulheiros, gente que não dá tapa em base nem anda balançando o pingolé). Juntamos uns amigos e planejamos passar o dia lá na Ilha, ali por 1976. Um amigo (que não foi conosco) me avisou “vai prá ilha ? cuidado para não ser picado por cobra. Tem muitas lá, e se você for picado, vai morrer por falta de socorro”. Pior, ele falou sério, com cara de quem prenuncia uma tragédia. Bom, se tem cobra, vai ser com cobra mesmo, pensei. E fui. Lá chegando deparamos com um sol de rachar, e a nossa turma, composta de uns adolescentes, piás de bosta, não levou guarda sol, Rayito de Sol, Caladril, nada. . Cada um levou uma toalha, para servir de esteira e enxugar-se; as meninas levaram cangas. O sol estava insuportável e o mato baixo estava todo ressecado, só galhos secos. Não tinha sombra e por isso estendemos as toalhas e cangas sobre os galhos secos e ficamos embaixo, amoitados. Eu vi um bote velho, abandonado, o virei, deixando o casco para cima, e o ergui um pouco, escorei com algumas forquilhas e improvisei uma cabana. Mas, não podíamos ficar ali se escondendo do sol, fomos todos para o forte. Foram 2 km até chegar lá, e constatamos decepcionados que era um lugar abandonado, cheio de mato e fezes. Dali resolvemos ir até ao farol, mais 4 km. Andando debaixo de um sol desgraçado. Não tinha restaurante, apenas um armazénzinho tipo secos&molhados, mas nos informaram que uma residente ali, caiçara (como se dizia antigamente), fazia almoço por encomenda. Fomos lá na casa dela, que nos atendeu com toda cordialidade. A tardezinha chegou o nosso bote, embarcamos para a volta. Respirei aliviado. Mal agourento e pessimista por natureza, tinha imaginado a hipótese do barqueiro morrer de ataque de coração e a gente ficar ilhado até o final dos tempos, tipo Tom Hanks. Voltamos para casa todos contentes, fedidos e vermelhos feito tomates. Foi um dia para ser lembrado para sempre e por isso mesmo, passado tanto tempo, consegui escrever o que você está lendo. Não vi ninguém pelado e também ninguém fumando base. E também não vi nenhuma cobra. E também, a quem interessar possa, informo que não enrolei nenhum fininho nem andei pelado. Foto: Club Balneario Ilha do Mel, c. 1935.

 Ilha do Mel
No inicio da década de 70 a ilha do Mel era destino de aventureiro, de cara assim meio natureba, meio riponga. A patrulha da moral e dos bons costumes dizia que a ilha era um antro de maconheiros e de sexo livre, que todo mundo andava pelado lá. Que eu saiba, a ilha é frequentada desde 1930, por “gente boa” (segundo a concepção dos patrulheiros, gente que não dá tapa em base nem anda balançando o pingolé).
Juntamos uns amigos e planejamos passar o dia lá na Ilha, ali por 1976. Um amigo (que não foi conosco) me avisou “vai prá ilha ? cuidado para não ser picado por cobra. Tem muitas lá, e se você for picado, vai morrer por falta de socorro”. Pior, ele falou sério, com cara de quem prenuncia uma tragédia.
Bom, se tem cobra, vai ser com cobra mesmo, pensei. E fui.
Lá chegando deparamos com um sol de rachar, e a nossa turma, composta de uns adolescentes, piás de bosta, não levou guarda sol, Rayito de Sol, Caladril, nada. . Cada um levou uma toalha, para servir de esteira e enxugar-se; as meninas levaram cangas. O sol estava insuportável e o mato baixo estava todo ressecado, só galhos secos. Não tinha sombra e por isso estendemos as toalhas e cangas sobre os galhos secos e ficamos embaixo, amoitados. Eu vi um bote velho, abandonado, o virei, deixando o casco para cima, e o ergui um pouco, escorei com algumas forquilhas e improvisei uma cabana. Mas, não podíamos ficar ali se escondendo do sol, fomos todos para o forte. Foram 2 km até chegar lá, e constatamos decepcionados que era um lugar abandonado, cheio de mato e fezes. Dali resolvemos ir até ao farol, mais 4 km. Andando debaixo de um sol desgraçado.
Não tinha restaurante, apenas um armazénzinho tipo secos&molhados, mas nos informaram que uma residente ali, caiçara (como se dizia antigamente), fazia almoço por encomenda. Fomos lá na casa dela, que nos atendeu com toda cordialidade.
A tardezinha chegou o nosso bote, embarcamos para a volta. Respirei aliviado. Mal agourento e pessimista por natureza, tinha imaginado a hipótese do barqueiro morrer de ataque de coração e a gente ficar ilhado até o final dos tempos, tipo Tom Hanks. Voltamos para casa todos contentes, fedidos e vermelhos feito tomates. Foi um dia para ser lembrado para sempre e por isso mesmo, passado tanto tempo, consegui escrever o que você está lendo.
Não vi ninguém pelado e também ninguém fumando base. E também não vi nenhuma cobra. E também, a quem interessar possa, informo que não enrolei nenhum fininho nem andei pelado.
Foto: Club Balneario Ilha do Mel, c. 1935.


Pode ser uma imagem de uma ou mais pessoas e pessoas em pé

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