quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Como desmatamos 70% da Mata Atlântica no Paraná?

 Como desmatamos 70% da Mata Atlântica no Paraná?

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“Como, pois, se atreve o homem a destruir, em um momento e sem reflexão, a obra que a natureza formou em séculos, dirigida pelo melhor conselho? Quem o autorizou para renunciar a tantos e tão importantes benefícios? A ignorância, sem dúvida. [...] Destruir matas virgens, como até agora se tem praticado no Brasil, é crime horrendo e grande insulto feito à mesma natureza”.


Esse discurso, feito por José Bonifácio, é de 1821, mas poderia muito bem ter sido feito ontem, hoje ou amanhã. Isso mostra como o desmatamento em nossas terras é, ao mesmo tempo, antigo e atual.


Em 1972, o dia 5 de Junho foi declarado o
 
Dia Mundial do Meio Ambiente pela ONU, durante uma conferência realizada em Estocolmo. A data foi escolhida para coincidir com a realização da conferência, que teve como finalidade debater os problemas ambientais e a preservação dos recursos naturais.


Essa reunião, que ficou conhecida como
 
Conferência de Estocolmo, foi um marco na forma de tratar questões ambientais no mundo, com o estabelecimento de princípios para orientar as políticas ambientais mundiais.  Em decorrência disso e da data de hoje - 5 de Junho -, iremos abordar o tratamento que o Meio Ambiente recebeu em terras brasileiras e em especial no Paraná.

Paraná e a Mata Atlântica


A Mata Atlântica está presente em mais da metade dos estados brasileiros, 17 ao total,  entretanto, apenas 12,4% da cobertura florestal original ainda permanece preservada nesses territórios.
 
Cerca de 70% da população brasileira vive em áreas sob influência desse bioma, que ocupa cerca de 15% do território brasileiro. A mata atlântica conta com 992 espécies de aves; 370 de anfíbios; 350 de peixes; 298 de mamíferos e 200 de répteis. Sua flora é também riquíssima: abriga cerca de 15.700 espécies vegetais, representando 5% da flora mundial.


Atualmente o
 Paraná é o Estado com o maior remanescente de Mata Atlântica, 3º maior bioma brasileiro, com uma área de aproximadamente 6 milhões de hectares -  29,11% dessa área é composta por floresta nativa. Ou seja, mais de 70% da área de mata atlântica paranaense já sofreu algum tipo de intervenção humana.


O desmatamento da mata atlântica data de séculos e coincide com a chegada dos europeus às nossas terras. O motivo do nome de nosso país ser “Brasil” está, inclusive, diretamente ligado à exploração de nossas florestas. Do pau-brasil, extraía-se uma tinta avermelhada que era utilizada para tingir roupas, principalmente as da monarquia, que vestia vermelho. Já havia na Europa uma árvore semelhante e sua madeira e seu corante eram conhecidos pelos termos “brezil” e “brecilis”. Assim, aportuguesando, a árvore se tornou o “Pau-Brasil”, e o nosso território se tornou o “Brasil”.


Da segunda metade do século passado em diante, passamos a ter mais dados e uma maior atenção às questões ambientais. Não à toa, nesse período foi instituído o Dia Mundial do Meio Ambiente (1972), como já citado. Foi nessa época também que aqui no Brasil foram criadas algumas das nossas principais instituições de regulação ambiental, como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em 1989, o Ministério do Meio Ambiente em... (pasmem!) 1992, e o ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ligado ao MMA) (pasmem ainda mais), 2007.


O desmatamento, no entanto, não iniciou apenas nesse período. Como mostramos,
 
a prática de desmatar é comum ao longo de toda a História do Brasil e também do Paraná. De certo modo, o domínio de um território passa diretamente pela extração e uso de seus recursos, sejam eles naturais ou humanos.

Desmatamento no século XIX


No relato detalhista e poético do engenheiro britânico Bigg-Wither, que viajou pelo Paraná entre 1872 e 1875, podemos começar a entender como a ideia de domínio, progresso e desmatamento caminham juntas desde muito tempo:


[D]ois musculosos machadeiros […] levantaram-se do chão onde estavam sentados […] e foram mais uma vez ocupar os seus lugares, um de cada lado da árvore condenada. A um olhar decidem para que direção ela deve cair e agora começa a exibição de força, resistência e habilidade […]. Aparecem logo dois cortes em forma de cunha sob os afiados machados, que agora rodopiam no ar e cadenciadamente caem em sucessão rápida sobre o tronco. Os cortes em forma de cunha afundam cada vez mais, num espaço de quarto em quarto de hora ou talvez de vinte minutos. [...] De repente, ouve-se um baque e quem está em posição adequada percebe o tronco fazer um movimento para a frente e as folhas estremeceram como se sentissem a destruição iminente. [...] Como a detonação abrupta de uma pistola, vem o segundo e último aviso de derrubada. Os machadeiros procuram refúgio, porque a queda de uma árvore provoca a queda de muitas outras. O trabalho deles está feito. Simultaneamente, com este segundo aviso, a árvore dá outro balanço mais pesado para a frente e, cercada da desordem terrível de uma multidão de trepadeiras, cipós e vegetação de todas as espécies, que formam a normal e mais alta coberta da floresta brasileira, vergou lentamente a sua elevada copa, para, reunindo todas as forças, dar o adeus final aos céus, arrastando consigo, no seu tombo, grande quantidade de parasitas, vegetação acumulada em centenas de anos, e esmagando sob o seu ponderável volume grande quantidade de árvores novas, desaparecidas com o potente estrondo e troar nos abismos misteriosos da ravina em baixo. [...] Assim, quando se tomba uma árvore, ela desobstrui o caminho e não nos incomoda mais (BIGG-WITHER, 1974: 186-187).       


 Em sua expedição pelo interior do Paraná, Bigg-Wither e um grupo de engenheiros cumpria a missão de construir uma ferrovia que ligava as províncias mato-grossenses e o Paraná. O relato não só romantiza o processo de derrubada da vegetação nativa, através de sua escrita poética, cheia de figuras de linguagem, mas também a vê de forma positiva, uma vez que a árvore tombada não vai mais obstruir o caminho dos viajantes.


Esse não foi o único motivo pelo qual as matas foram dizimadas. Passados mais de 50 anos do relato do viajante britânico, as razões para desmatar - e que estavam na moda no Paraná - eram outras: as indústrias do ramo madeireiro e mobiliário.


Em 11 anos, entre 1939 e 1950, o valor da produção dos ramos da indústria madeireira e da mobiliária cresceu em média 21% ao ano. Na década seguinte também houve um crescimento. Em 1950, havia 561 estabelecimentos de indústria madeireira no Estado e 173 de mobiliária; em 1957, os números haviam saltado para 897 e 315, respectivamente.

 
Tudo isso implicava uma alta também nos índices de desmatamento, uma vez que não havia políticas públicas oficiais para o reflorestamento das áreas de onde eram extraídas as matérias primas dessas indústrias.


Entre as madeireiras que se destacaram a nível nacional nessa época estão a Zoller S.A., João Nascimento, Trombini, Andrezza, Thomasi, entre outras; já entre as empresas mobiliárias estão a Cimo, Móveis Guelmann, Oggi Móveis, etc.


 
 
 

Cenário pós-anos 60


Até os anos 60, a atividade madeireira paranaense era majoritariamente predatória. A política de replantio das florestas só foi adotada em 1967 - alguns anos antes da Conferência de Estocolmo. Ou seja, percebe-se que nesse período crescia o interesse em fomentar políticas de preservação no meio ambiente, o que foi um grande avanço, diante do estrago que já havia sido feito.


Embora o Paraná possua o maior remanescente de mata atlântica do Brasil, ele também é o Estado brasileiro que mais desmatou nos 30 anos que vão de 1986 a 2016. Disso, os paranaenses não podem se orgulhar muito ou, ao menos, não deveriam.


Além disso, é comum que a cada ano o Paraná apareça no topo da lista dos Estados que mais desmatam a mata atlântica. Entre 2018 e 2019, por exemplo, o Estado foi o 3º no ranking de desmatamento, atrás apenas de Bahia e Minas Gerais, tendo acabado com 2.767 hectares. Esse número representou um aumento de 27% em relação ao período anterior (2017 a 2018).


Esse aumento está relacionado com a extração de carvão mineral. Prova disso é a Operação “Mata Atlântica em Pé”, do Ministério Público, que em 2019 interceptou 14 toneladas de carvão vegetal no Paraná. Nessa operação que abrangeu todos os 17 estados de domínio do bioma, o Paraná ficou mais uma vez no pódio do desmatamento, em 2º lugar, com mais de 1.300 hectares desmatados, de acordo com números de 2020.

 

Assim, se por um lado os paranaenses são privilegiados de ser o estado com maior área percentual de mata atlântica, por outro, convivem com cada vez menos dessa floresta, uma vez que os números do desmatamento não param de crescer no estado.

 

Além desses dados concretos, que mostram um retrocesso na preservação ambiental no Paraná, há diversos outros projetos que, se aprovados e implementados, representarão inúmeros danos ambientais às terras paranaenses. Ao longo desse mês, trataremos de alguns desses projetos aqui no Turistória, mostrando suas histórias, motivações e implicações. 


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