quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Tiradentes: o herói fabricado que é nome de praça

 Tiradentes: o herói fabricado que é nome de praça

https://www.turistoria.com.br/tiradentes-o-heroi-fabricado-que-e-nome-de-praca

A Proclamação da República em 1889 significou, para a história do Brasil, uma ruptura de boa parte do que foi construído durante a época imperial. Surgiram novos políticos, novas legislações e novas prioridades econômicas, entre outros aspectos. No plano simbólico, mudaram também aqueles considerados heróis da história, e os acontecimentos que marcaram o país passaram a ser narrados de outra forma. Ou seja, a história passou a ser contada e glorificada a partir do ponto de vista dos republicanos

 

Os republicanos estabeleceram pelo Brasil monumentos, nomes de ruas, museus, livros, etc., que contavam a história através de uma perspectiva própria, claro, e não dos monarquistas. Um dos heróis nacionais escolhidos foi Tiradentes, alferes mineiro que, no final do século XVIII, fez parte da chamada Conjuração Mineira, movimento que propunha a independência de Minas Gerais em relação ao Reino de Portugal. Considerado pelos republicanos como um herói da luta contra o domínio português e defensor da instalação de um regime republicano naquela época, Tiradentes, além de ganhar um feriado nacional em sua homenagem, passou a ser nome de importantes logradouros públicos do país.


A Inconfidência chega ao Paraná


No Paraná, atualmente Tiradentes é nome de colégios públicos, avenidas e da mais antiga praça da capital do estado, Curitiba. Localizada em frente à Catedral Basílica, a praça surgiu entre as décadas de 1640 e 1650. De acordo com mapas de época, em 1654 já havia uma capela de pau a pique, que homenageava Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, ao redor da qual existia um espaço aberto de chão batido, chamado de Largo (a hoje nomeada Praça Tiradentes).

 

Em volta daquele largo, os habitantes começaram a construir pequenas casas, também de taipa, e aos poucos os Campos de Queretyba foram povoados. Já em 1659, o local era reconhecido como Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Por isso, a Praça Tiradentes é considerada o marco zero da cidade

 

Ao longo dos séculos, com o crescimento de Curitiba, o Largo continuou central para os curitibanos, sendo, por isso, a região mais valorizada. Tanto que, durante a vida da corte imperial para Curitiba, em 1880, o nome do largo passou a ser Largo Dom Pedro II — tanto pela sua importância quanto pelo fato de Dom Pedro II ter se hospedado em frente à praça. 

Eis, então, que os fios da história se enlaçam. Com a Proclamação da República e a fuga de Dom Pedro II, considerado inimigo da pátria, o Largo Dom Pedro II teve o seu nome alterado. Não só o largo, como também vários nomes de ruas e monumentos que faziam alusão a personagens importantes dos tempos monárquicos. Rapidamente, a administração municipal tratou de alterá-los, dando destaque especial ao seu mais importante logradouro. A mudança de “Largo Dom Pedro II” para “Praça Tiradentes” não foi apenas com intuito de homenagear um herói dos republicanos, mas para demarcar que uma história deveria ser apagada para a reescrita de outra. O fato de ter sido escolhido o marco zero da capital, e não outro local, foi simbólico para demonstrar, a nós e aos habitantes daquela época, a afirmação de superioridade pelos republicanos.

 

Tão logo foi alterado o nome para Praça Tiradentes, o município de Curitiba instalou monumentos em alusão à República naquele local. Em 1904, foi colocada uma estátua, no centro da Praça, do presidente Marechal Floriano Peixoto. Anos mais tarde, em 21 de abril de 1927, foi inaugurada a estátua de Tiradentes, esculpida por João Turin. E, finalmente em 1940, nos fundos da praça foi instalado um grande monumento em homenagem à República, no dia 1º de abril. Ainda há outra estátua, que homenageia Getúlio Vargas, erigida em 1957.

 
 
 
 
 

Com isso, podemos afirmar, sem dúvida alguma, que este é o local de Curitiba com mais monumentos e é, também, o local que mais concentra símbolos políticos em alusão à República, tudo isso ao redor do marco zero e da catedral, para que a ênfase seja nítida. 

 

Dito isso, cabe dizer: como todo bom leitor do Turistória, você sabe que a história é fabricada e constantemente refabricada de acordo com o surgimento de novos interesses e objetivos. Você também sabe que, ao fim de toda narrativa fabricada, alguns aspectos são exaltados em detrimento de outros, que são negligenciados ou até ocultados.

 

Acontece que, nesse ímpeto de valorizar os heróis da República, esqueceu-se de: 1 - contar que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi o único inconfidente que sofreu consequências porque era o mais pobre entre todos eles; 2 - que a Inconfidência ou Conjuração Mineira não pretendia a construção de uma República nacional e igualitária; 3 - que Marechal Floriano Peixoto governou com punhos de ferro; 4 - que Getúlio Vargas foi um ditador; 5 - e que a Praça Tiradentes, muito mais do que um símbolo nacional, é um local que diz respeito à história da cidade, às raízes indígenas, tanto desvalorizadas, que Curitiba possui (faria mais sentido, talvez, chamá-la de Praça Tupi).


Por todos esses aspectos, vemos que a Praça Tiradentes foi e continua sendo um
 
artifício, muito particular e eficaz, para a escrita de uma história única.

Quando da Proclamação da República, houve a necessidade de definir qual seria o héroi nacional.


"Inicialmente, tentou-se alçar à posição de herói republicano os principais participantes do 15 de novembro, entre eles, Marechal Deodoro, Benjamin Constant e Joaquim Floriano. Não deu certo. Tiradentes, o único executado na Conjuração Mineira, atendia às exigências da mitificação. Seu nome estava nos clubes republicanos e ele era o herói exaltado pelos setores republicanos mais radicais por sua origem humilde e popular em contraste com a elite econômica e política.


Em um contexto de tensões políticas e crise econômico-financeira, Tiradentes inaugura o panteão republicano como elemento integrador, o mártir que deu sua vida à causa republicana e, portanto, o herói cívico, por excelência. Tiradentes tornou-se assim símbolo da República e, em 1890, a data de sua morte, 21 de abril foi declarada feriado nacional.


[Entretanto], quase nada se sabe sobre a aparência física de Tiradentes. Não há retratos do século XVIII e as poucas descrições são imprecisas. Não se sabe se era branco ou mulato, rico ou pobre e mesmo seu verdadeiro papel na Conjuração não é plenamente conhecido e ainda gera muito debate entre os historiadores. Transformou-se em um mito sem ter sido plenamente conhecido como personagem histórico.


Mesmo de aparência física desconhecida, sabe-se que Tiradentes, sendo militar, usava barba raspada e bigodes fartos como todos os militares da época. Quando foi enforcado, vestia um camisolão branco e estava com o cabelo e a barba totalmente raspados, como era costume para os condenados. Contudo, essa não foi a imagem dada ao herói.


A representação de Tiradentes ganhou contornos religiosos: o mártir foi associado a Cristo e recebeu a aparência consagrada pela iconografia cristã. A barba crescida, o rosto sereno e o olhar elevado aos céus reforçavam a associação de Tiradentes com a imagem de Cristo.


Representar Tiradentes despedaçado, o herói da República, pode sugerir uma crítica ao regime republicano e não uma exaltação a ele. O país estava, então, sob grande instabilidade com os efeitos da crise financeira do Encilhamento e da queda dos preços do café, e também dividido com revoltas militares no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul que deixaram cerca de 10 mil mortos.


Por outro lado, mostrar o corpo dilacerado de Tiradentes não seria uma exaltação da pátria nem do mártir, mas sim a representação da violência do sistema colonial, a constatação do fracasso da Conjuração e da solidão da morte de um inocente. A forca, colocada em um local alto, a cabeça decepada e o crucifixo na parte superior do cadafalso evocam um altar e o suplício de Cristo.


Estabelece-se assim, a morte violenta do herói que deu seu sangue à causa da liberdade."


Trecho retirado do artigo  "“Tiradentes esquartejado”, de Pedro Américo: uma leitura crítica", escrito por Joelza Ester Domingues, do blog Ensinar História. Para acessá-lo, basta clicar neste link: https://ensinarhistoria.com.br/tiradentes-esquartejado-uma-leitura-critica/

Texto e pesquisa: Gustavo Pitz


Fontes de pesquisa:


https://www.turistoria.com.br/pra%C3%A7a-tiradentes


https://www.fotografandocuritiba.com.br/search?q=pra%C3%A7a+tiradentes


https://ensinarhistoria.com.br/tiradentes-esquartejado-uma-leitura-critica/

Nenhum comentário:

Postar um comentário