Massacre de Taquaruçu, Guerra do Contestado, Santa Catarina/Paraná
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Em 8 de fevereiro de 1914, forças militares de Santa Catarina, Paraná e do governo federal somando 700 soldados equipados com artilharia e metralhadoras tomaram e destruíram o acampamento “inimigo” de Taquaruçu (atual cidade de Curitibanos, em SC). O inimigo era um punhado de famílias sertanejas pobres seguidoras da “Santa Religião”, uma religião popular que pregava a Monarquia Celeste e considerava Taquaruçu uma “cidade santa”, uma espécie de nova Jerusalém, uma terra de justiça onde todos viviam em igualdade de condições. Para o governo, contudo, eram “fanáticos” traidores da República por exaltarem a Monarquia.
O episódio faz parte da Guerra do Contestado (1912-1916) – um conflito que misturou questões sociais, interesses econômicos e políticos, a construção de uma ferrovia e, para a população pobre e sofrida, a crença messiânica e de uma guerra santa contra tudo isso.
O palco da Guerra do Contestado foi uma extensa área de 30 mil km2 (maior do que o estado de Alagoas) disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná. Daí o nome “contestado”.
A guerra iniciou-se em 22 de outubro de 1912 com o ataque da polícia do Paraná contra os moradores da vila de Irani. Na Batalha de Irani morreram 11 sertanejos, entre eles, seu líder o monge José Maria, e 10 soldados, inclusive seu comandante, o coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho.
A morte do monge José Maria não esmoreceu nos sertanejos que passaram a acreditar que ele ressuscitaria e voltaria liderando o “exército encantado de São Sebastião“. O movimento sertanejo foi ganhando contornos messiânicos e místicos. Surgiram novos povoados, as chamadas “cidades santas” como Caraguatá, Santo Antônio, Caçador Grande, Bom Sossego, Santa Maria (a maior cidade, com mais de 20 mil habitantes), Pedra Branca, São Miguel e São Pedro. Para elas rumaram milhares de sertanejos expulsos de suas terras e cansados da exploração que sofriam dos “coronéis”.
Taquaruçu: a cidade santa da Monarquia Celeste
Mais de um ano após o combate de Irani, os sertanejos dirigiram-se para Taquaruçu seguindo as “visões” de Teodora, uma menina de 11 anos que dizia receber mensagens do monge José Maria em sonhos. O monge pedia que seus seguidores se reunissem em Taquaruçu. O povoado tornou-se, assim, uma “cidade santa”, sob o governo da Monarquia Celeste cujo rei, José Maria, estava com o “exército encantado de São Sebastião”.
Teodora, a menina vidente relatava a um conselho de anciãos seus sonhos com José Maria. Ela servia como um elo entre dois mundos: o encantado e mítico e o dos sertanejos. Não foi a única mulher a exercer um poder místico e simbólico. Tiveram destaque também Maria Rosa, Chica Pelega e Nega Jacinta. Cada qual teve sua contribuição no conflito do Contestado.
Os habitantes do reduto se autodenominavam pelados, já que muitos tinham sofrido a intimidação do Chefe político de Curitibanos, Coronel Albuquerque, e tiveram suas cabeças raspadas pelo Chefe de Polícia. Ao longo do tempo adotaram o corte rente do cabelo como fator visual distintivo dos moradores das cidades santas. Em contrapartida, chamavam os soldados de peludos.
Massacre de Taquaruçu
Taquaruçu foi atacada em 29 de dezembro de 1913 por 370 soldados do Exército, policiais de Santa Catarina e vaqueanos (milícia mercenária contratada pelos coronéis). O combate na mata dificultou o movimento da artilharia e favoreceu os sertanejos que, mestres da tocaia e da arma branca, conseguiram derrotar as tropas governistas.
O segundo ataque, em 8 de fevereiro de 1914, veio mais forte com 700 soldados e fortemente armados. O povoado foi bombardeio por canhões e granadas que atingiu principalmente mulheres, crianças e idosos, pois a maior parte dos homens havia partido para formar outro reduto, o de Caraguatá.
Cerqueira César, o médico militar que presenciou o ataque a Taquaruçu comentou a respeito:
“O estrago da artilharia sobre o povoado de Taquaruçu era tremendo: grande número de cadáveres (…); pernas, braços, cabeças juncavam o chão; casas queimadas ruíam por toda parte. Fazia pavor e pena o espetáculo que então se desdobrava aos olhos do espectador: pavor de destroços humanos; pena das mulheres e crianças que jaziam inertes por todos os canto do reduto. De nada lhes serviram as trincheiras feitas de pinheiro, nem as 105 cavidades quadradas que fizeram no chão onde se metiam para se abrigarem da metralha.” (SOUZA e MACHADO, 1997, p. 83)
Caraguatá: o ponto de virada da guerra
Em 9 de março de 1914, as tropas cercaram e atacaram Caraguatá, porém com um resultado desastroso: a fuga em pânico dos soldados que foram perseguidos pelos revoltosos. Uma epidemia de tifo espalhou os caboclos e causou baixas nas tropas. Outras expedições foram enviadas nos meses seguintes, todas sem sucesso. O fato repercutiu em todo o interior, trazendo para os sertanejos ainda mais pessoas com interesses afins.
Os sertanejos partiram para a ofensiva: passaram a atacar fazendas, povoados, a estação ferroviária de São João onde cortaram o tráfego de trens, e até a serraria da Lumber, em Calmon. Em 26 de setembro de 1914, ocuparam Curitibanos, o pólo urbano da região: aos gritos de “Chega de pobreza!” incendiaram as casas do prefeito e de seus partidários. Deixaram escrito:
“Nós estava em Taquaruçu tratando da nossa devoção, não matava nem roubava. O Hermes (da Fonseca) mandou suas forças covardemente nos bombardear, onde mataram mulheres e crianças. O governo da República toca os filhos brasileiros do terreno que pertence à nação e vende para o estrangeiro; nós agora estamos dispostos a fazer prevalecer os nossos direitos”. (MACHADO, 2004).
As derrotas atingiram em cheio os governos do Paraná e Santa Catarina e afetaram a autoridade do presidente da República, o marechal Hermes da Fonseca. Com mandato encerrado em novembro daquele ano, Hermes da Fonseca foi sucedido por Venceslau Brás que ainda enfrentou outros dois anos de combates até pôr fim à Guerra do Contestado.Fonte
- ALMEIDA JR., Jair de. A Religião Contestada. São Paulo: Fonte Editorial, 2011.
- FRAGA, Nilson Cesar. (Org.). Contestado em Guerra, 100 anos do massacre insepulto do Brasil – 1912-2012. Florianópolis: Insular, 2012.
- FRAGA, Nilson César. “Contestado: a grande guerra civil brasileira”. In: SCORTEGAGNA, A. REZENDE, C. J. TRICHES, R. I. Paraná, espaço e memória: diversos olhares histórico-geográficos. Curitiba: Bagozzi, 2005.
- MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas. Campinas: UNICAMP, 2004.
- ________. A aventura cabocla do Contestado: o conflito e seu desfecho. Arquivo Nacional Que República é essa? Portal Estudos do Brasil Republicano. 31 julho 2018.
- MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os errantes do novo século. São Paulo: Duas Cidades, 1974.
- TOTA, Antônio Pedro. Contestado: a guerra do novo mundo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
- SOUZA, Claudia M.; MACHADO, Ana Claudia. Movimentos sociais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1997.
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