Dragões-de-komodo: Monstros pré-históricos na Terra atual
Ele não é uma criação de massa plástica maquiada, seus membros não seguem comandos de um computador, e seus movimentos não foram concebidos por uma estação gráfica que transforma Robert Downey Jr. (ator de Homem de Ferro) em uma loira com seios fartos.
Em outras palavras, ele existe, é de carne e osso, mas é tão assustador e implausível que, mesmo em uma era em que a inteligência artificial produz monstros para todos os gostos, pessoas moderadamente céticas duvidam de sua existência. Isso ficou evidente quando um bibliotecário, ao ser consultado sobre literatura relacionada ao dragão-de-komodo (Varanus komodoensis), indicou, sem hesitação, a seção de lendas e mitologia.
Mas, é claro! Onde mais um dragão poderia ser encontrado além de um livro de crenças populares ou um conto de fadas? A indicação não foi má; a consulta foi equivocada. Na verdade, tirando alguns cientistas curiosos e o povo primitivo que habita a região, ninguém tem a obrigação de saber que Komodo (pronuncia-se Komodô) é uma ilhota no arquipélago que forma a Indonésia e, muito menos, que ali vivem dragões de verdade – não imaginários, como o do Lago Ness, cujo mistério impulsiona o turismo em certas áreas da Escócia.
Dragões? Você também duvida? Bem, é assim que agem, parecem e são chamados os assustadores lagartões que vivem em Komodo, certamente a paisagem mais jurássica da Terra. Tecnicamente, são varanídeos (da família dos sáurios) ou, de forma mais simples, lagartos gigantes, os maiores do planeta. Possuem a aparência de dragão, podendo medir até três metros de comprimento e pesar 160 quilos.
Os varanídeos de Komodo não ganharam o nome de “dragões” apenas por seu tamanho e aparência pré-histórica. A origem desse apelido curioso remonta a 1911, quando um pioneiro da aviação holandesa perdeu o rumo de sua aeronave e fez um pouso forçado em Komodo.
O desafortunado piloto, além de levar um susto ao se deparar com um dragão que assombrou seus pesadelos pelo resto da vida, enfrentou a desconfiança e quase foi parar na prisão por conta de suas alegações. A partir desse incidente, a fama dos lagartos gigantes de Komodo como “dragões” foi consolidada. Essa narrativa realça a incrível e impactante experiência que esse piloto teve ao encontrar essas criaturas impressionantes em seu habitat natural.
Se já é incrível que ele tenha conseguido sobreviver ao incidente aéreo e ao dragão, imagine o que pensaram seus superiores ao ouvir a descrição do animal. Parecia impossível que, se tal monstro de fato existisse, ninguém jamais tivesse ouvido notícias a seu respeito em pleno século 20.
O pobre piloto só foi reabilitado dois anos mais tarde, quando, a pedido de um diretor do Museu Buitezorg de Java, que queria tirar a história a limpo, outro oficial holandês foi até a ilha e viu os gigantescos répteis passeando pela praia. Para ter certeza de que não o tomariam por mistificador ao descrever um animal supostamente extinto há 160 milhões de anos, o oficial matou dois filhotes e levou suas peles escuras e cheias de tubérculos para o museu em Java.
A descoberta revelou que os dragão-de-komodo não eram meras criações exageradas da imaginação de um piloto estressado, como inicialmente sugerido. Eles eram, na verdade, uma das descobertas zoológicas mais surpreendentes e recentes da história. Esses prováveis descendentes de dinossauros eram carnívoros, cruéis e bestiais, alinhando-se com as representações lendárias.
No entanto, sua existência pacífica em um local remoto foi ameaçada quando a notícia se espalhou. Nos anos seguintes, cientistas e caçadores chegaram à ilha, resultando na morte de centenas de dragões. A sorte dos dragões-de-komodo foi que sua pele era comercialmente inútil, sua carne não despertava apetite e, em 1915, um sultão das ilhas Sonda, incluindo Komodo, proibiu a caça a esses incríveis animais, evitando sua extinção iminente.
O varanídeo viveu em relativa calma desde então, não apenas em Komodo, mas também em outras ilhas da região, como Rinca, Flores e cantos remotos de Timor. Se é possível chamar de calma a vida de um monstro predador tão terrível quanto anacrônico. O medo que ele sempre provocou gerou lendas e exageros. Viajantes chegaram a afirmar que a fera atingia 10 metros de comprimento, mas o maior que se encontrou até hoje tinha 3 metros e meio – o que, convenhamos, já é gigantismo suficiente.
Só não há exagero nos relatos sobre sua brutalidade. A violência do dragão-de-komodo só encontra paralelo nos tubarões brancos, aqueles que às vezes matam sem fome, apenas por matar. Em compensação, o monstro da Indonésia é muito mais inteligente, um fato que lhe confere enormes vantagens sobre os infelizes que ele devora. E quem são essas pobres vítimas? Qualquer um é candidato, até mesmo, na falta de um prato melhor, os dragões filhotes, que são deglutidos sem piedade ou instinto de preservação.
O instinto é mais forte nos filhotes, que assim que saem dos ovos (sim, eles são ovíparos!) correm para a copa das árvores, onde se escondem para desenvolver sua vocação canibal. Na verdade, o dragão-de-komodo é do tipo “o que vier, eu traço”. Os cientistas desconfiam que, no passado, ele comia elefantes, agora extintos na região.
Hoje, como praticamente todos os mamíferos locais foram devorados, o dragão come peixes, pássaros, cavalos, búfalos, porcos e até cachorros e gatos trazidos pelos poucos moradores das ilhas. E ele não é de cerimônias: seres humanos também fazem parte de seu cardápio, e há registros de diversos nativos e turistas europeus que foram parar no estômago da fera.
“Estômago de aço“, ilustra o biólogo Jared Diamond, da Universidade da Califórnia, que testemunhou in loco um banquete do dragão. “Um espetáculo não indicado para crianças que estão aprendendo boas maneiras“, brincou Jared, que viu um dragão comer um bode em minutos, inclusive seus ossos, dentes e chifres.
O dragão, segundo Jared, come agressivamente, babando e afobado, para que nenhum outro rival apanhe sua presa. Seus dentes são serrilhados, e sua mandíbula assemelha-se à do feroz tiranossauro, desaparecido há milhões de anos. A língua, bifurcada, tem mais de 30 centímetros.
Atento, ágil e com faro apurado, ele compensa a letargia característica dos animais de sangue frio com outros sinistros predicados. Sua saliva, por exemplo, é tão infectada que basta uma mordida para que a presa esteja morta algumas horas depois. Mais tarde, atraído pelo odor de carniça, ele termina o serviço. Aliás, carne putrefata é seu prato predileto. Os moradores de Komodo, que vivem em palafitas, frequentemente testemunham os dragões cavando seus jantares no pequeno cemitério local.
Esse apetite pouco seletivo é uma das explicações que os cientistas encontram para justificar a manutenção da espécie. Outra razão é, claro, o fato de terem ficado tão isolados dos humanos por tanto tempo. No entanto, a grande vantagem biológica do dragão – e, de fato, de todos os répteis – é o seu metabolismo peculiar, de sangue frio.
Tudo na vida de um dragão é mais lento do que na vida de um mamífero: seus movimentos, seu amadurecimento, sua longa vida e sua digestão. Na prática, isso significa que, em comparação com mamíferos carnívoros, o dragão é muito mais econômico em sua relação com a natureza. Ou seja, ele consegue sobreviver comendo dez vezes menos carne que um leão, por exemplo.
Seus banquetes são rápidos, mas seus jejuns podem ser prolongados. “A razão pela qual hoje existem mais espécies de répteis do que de mamíferos na Terra é uma simples relação custo-benefício com a natureza“, explica Jared Diamond, que prevê um futuro mais promissor para os animais de sangue frio do que para os de sangue quente na Terra.
De qualquer forma, tanto para nós – de sangue quente – como para os dragões – de sangue frio – é extremamente agradável saber que existe o Oceano Índico entre as ilhas Sonda e a Ásia, e o Pacífico inteiro até a América. Os dragões são bons nadadores e da Oceania. Por isso, estamos aqui e eles estão lá até hoje, com seus hábitos pré-históricos. Não são muitos, é verdade, mas certamente existem mais do que o necessário para criar um filme de terror movimentado.
Segundo estimativas dos guardas do Parque Nacional de Komodo, feitas em 1991, a população de dragões é avaliada em 1.500 animais na ilha de Komodo e 900 em Rinca. Eles mesmos confessam, entretanto, que a estimativa é grosseira, porque tanto não é fácil contá-los como a infraestrutura da região é precária. O parque existe, apoiado pelo World Wildlife Fund (WWF), mas as visitas são raras.
Para os turistas, além de ser longínqua, a ilha é mais interessante quando vista nas seguras páginas de uma revista. Alguns cientistas, jornalistas curiosos e poucos aventureiros aparecem de vez em quando em Komodo, onde existem alojamentos precários próximos ao vilarejo local. Para eles, os guias nativos atraem os dragões com bodes e outros animais domésticos. A frágil segurança é relativamente preservada por barrancos (em cima dos quais fica a platéia) e forquilhas longas com as quais os guias espantam os dragões que ousarem se aproximar.
Nesses aterrorizantes passeios, pode-se verificar que todos os varanídeos são igualmente agressivos. O que, aliás, não chega a ser um consolo, visto que a convivência entre humanos e dragões é tão recente que ainda estamos distantes de um conhecimento mútuo. Na verdade, embora já existam exemplares do dragão-de-komodo em alguns zoológicos, os cientistas ainda não conseguiram, por exemplo, descobrir como o macho fecunda a fêmea. E, pelo menos nesse aspecto, esse dragão está mais para a pureza ingênua dos contos de fadas do que para o terror tecnológico de Steven Spielberg.
A terra da fera
O último refúgio dos dragões na Terra é tão distante e peculiar quanto as feras que o habitam. As Ilhas Sonda situam-se na confluência das águas agitadas do Oceano Índico e das águas serenas que levam nomes como Mar de Java, Mar do Som e o Mar das Flores. Komodo e Rinca, ilhotas com não mais de 35 quilômetros de extensão máxima, experimentam extremos climáticos que as tornam mais adequadas para dragões do que para seres humanos. Extremamente secas entre fevereiro e outubro, essas ilhas enfrentam violentas tempestades e até mesmo nevascas nas regiões mais altas durante o curto período úmido.
A topografia dessas ilhas é irregular, com montanhas e escarpas, mas sua característica principal é a combinação de várias zonas botânicas distintas em espaços pequenos. As plantas próximas ao mar diferem completamente das que existem nas montanhas, que, por sua vez, são distintas da vegetação das savanas. Da mesma forma, variam os insetos, pássaros e algumas poucas espécies que resistiram à presença dos dragões.
O cenário geral é árido e poeirento durante o longo verão, e os obstáculos naturais são tantos que apenas um lagarto, mesmo que imenso como um varanídeo, consegue transpor com naturalidade. As águas ao redor são ricas em peixes e baleias, atraindo mergulhadores mais corajosos (ou menos informados sobre a habilidade dos dragões na natação). No geral, Komodo e Rinca seriam ilhas comuns não fosse o fato de abrigarem a mais estranha e remota espécie animal existente.
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