Curitiba em Preto e Branco: Um Diagnóstico Histórico Através de Seus Anúncios
Anúncios de Curitiba: Um Diagnóstico da Cidade em Transformação
As páginas dos jornais antigos não são apenas veículos de propaganda; são espelhos que refletem a alma de uma época. Cada anúncio, cada ilustração, cada endereço e cada slogan contém pistas sobre os valores, as aspirações e as realidades da sociedade que os produziu. Estas cinco páginas, extraídas de um jornal curitibano provavelmente dos anos 1950, oferecem um retrato vívido da capital paranaense em pleno processo de modernização — uma cidade que construía sua identidade urbana, industrial e cultural através do comércio, da engenharia, da saúde e da fé.
Página 1: Drograria Minerva S/A — A Farmácia como Templo da Saúde e Confiança
A Drograria Minerva S/A não se apresenta apenas como uma farmácia; ela se posiciona como uma instituição de cuidado. O design do anúncio é imponente, dominado por uma ilustração de seu edifício principal, cuja arquitetura sóbria e funcional sugere seriedade e profissionalismo. Ao lado, um grande símbolo do caduceu — o bastão entrelaçado por duas serpentes — evoca a tradição médica, conectando a marca à autoridade científica e ao alívio do sofrimento humano.
O texto está organizado em sete círculos concêntricos, cada um dedicado a um valor fundamental: Proporciona, Qualidade, Confiança, Consciência, Assistência, Facilidade, Economia. Essa estrutura não é mera decoração; é uma estratégia de persuasão que apela diretamente às necessidades mais profundas do consumidor. A farmácia não vende produtos; ela oferece segurança, tranquilidade e bem-estar.
A menção à “Farmácia Principal” e às “Filiais em Curitiba” revela uma rede de atendimento ampla, indicando que a Minerva era uma das grandes farmácias da cidade. O endereço — Rua XV de Novembro, 341 — situa a farmácia no coração do comércio curitibano, uma área que ainda hoje é um polo de negócios. A presença de filiais em outras ruas, como a Rua General Carneiro e a Rua Marechal Floriano, mostra que a empresa estava presente em diferentes bairros, atendendo a uma clientela diversificada.
O slogan “Mãe Triz”, escrito em caligrafia elegante, adiciona um toque de humanidade ao anúncio. É possível que “Triz” fosse o nome da proprietária ou de uma figura icônica da farmácia, criando um vínculo afetivo com o cliente. Em uma época em que as relações comerciais eram mais pessoais, esse tipo de apelo emocional era fundamental para fidelizar o público.
Além disso, o anúncio menciona “Frasco em Sintético”, sugerindo que a farmácia já utilizava materiais modernos para armazenar medicamentos, o que era um diferencial tecnológico na época. A menção à “Assistência” e à “Consciência” também é significativa — a farmácia se posiciona como um parceiro de saúde, não apenas como um vendedor de produtos.
Página 2: “Cataratas que eu vi...” — A Viagem que Transformou uma Geração
Esta página é um exemplo raro de jornalismo literário. O título — “Cataratas que eu vi...” — é simples, mas poderoso. É um convite à imaginação, à memória e à emoção. O texto, assinado por Emil René Navarro Barão, é uma crônica de viagem que mistura descrição, reflexão e nostalgia.
O autor começa com uma frase que soa como um poema: “Já entrei ‘casa aldeã’ em que a vida é descobrir para além da estrada.” Ele fala das Cataratas do Iguaçu não apenas como um fenômeno natural, mas como uma experiência espiritual. A linguagem é lírica, quase religiosa — as cataratas são descritas como “uma sinfonia de luz e água”, “um altar de pedra e espuma”.
O texto revela uma visão romântica da natureza, típica da época. A viagem às Cataratas era considerada uma peregrinação, uma experiência transformadora. O autor menciona que “não há quem vá às Cataratas e volte o mesmo”, sugerindo que o contato com a beleza natural tinha o poder de mudar a alma das pessoas.
A página termina com uma nota sobre a “Casa da Água”, um local onde os visitantes podiam se hospedar e contemplar as cataratas. Hoje, esse local é conhecido como o Hotel das Cataratas, um dos hotéis mais famosos do Brasil. O texto, portanto, é um testemunho precioso da história do turismo brasileiro.
Página 3: A COHEC — Construtora de Obras Hidráulicas e Civis Ltda. — A Engenharia que Moldou o Paraná
O anúncio da COHEC — Construtora de Obras Hidráulicas e Civis Ltda. é um tributo à engenharia brasileira. Com o título “Realizações de grande vulto para o progresso do Paraná”, a empresa posiciona-se como uma protagonista do desenvolvimento estadual.
O texto destaca a colaboração entre a COHEC e o Departamento de Águas e Energia Elétrica, mostrando que a empresa não trabalhava isoladamente, mas em parceria com o governo. Isso era essencial em uma época em que muitas obras públicas eram executadas por empresas privadas.
As fotografias mostram três realizações importantes: a “Salto do Rio Marrecas”, a “Construção dos ‘Banda Pipe’” e a “‘Banda Pipe’, continuação da Obra”. O “Banda Pipe” era um sistema de tubulações para transporte de água, uma tecnologia avançada para a época. A menção ao “diâmetro de 10 metros” é impressionante — indica que a COHEC estava envolvida em projetos de grande escala.
O endereço da empresa — Av. Vicente Machado, 18 — situa-a no centro de Curitiba, uma área que ainda hoje é um polo de negócios. A menção aos “projetos e construções” sugere que a COHEC não apenas executava obras, mas também planejava e projetava, o que era um diferencial importante.
Detalhe adicional: O texto menciona que a COHEC foi fundada em 1949, o que a coloca como uma das pioneiras na construção civil no Paraná. A empresa contribuiu para a infraestrutura do estado, construindo pontes, barragens e sistemas de abastecimento de água — obras que ainda hoje são fundamentais para o funcionamento da cidade.
Página 4: “Centenário” — A Homenagem aos Paladinos da Província
Esta página é uma homenagem aos heróis da história paranaense. O título — “Centenário” — refere-se ao centenário da emancipação política do Paraná, celebrado em 1953. O texto é uma lista de nomes — “Francisco Gonçalves de Souza”, “Inácio Lottner de Andrade”, “Plínio Bento Viana”, entre outros — que são descritos como “paladinos da Província”.
O design da página é solene e respeitoso. O uso de letras maiúsculas e de um layout formal transmite a importância dos homenageados. A menção à “Composição e Fotos de Irmão Maria, do Internato Paranaense” indica que a página foi produzida por uma instituição educacional, o que reforça a ideia de que a história do Paraná estava sendo ensinada e preservada nas escolas.
As fotografias mostram cenas urbanas de Curitiba, incluindo a Praça Tiradentes e o Palácio Iguaçu. Essas imagens são preciosas, pois capturam a cidade em sua fase de modernização. O texto menciona que as fotos foram gentilmente cedidas para o álbum do centenário, o que sugere que havia um esforço coletivo para documentar a história do estado.
Contexto histórico: O centenário da emancipação política do Paraná foi um momento de grande orgulho para os paranaenses. A celebração incluiu desfiles, festas e publicações como esta, que tinham o objetivo de fortalecer a identidade regional. Os “paladinos da Província” eram vistos como heróis que haviam lutado pela autonomia e pelo progresso do estado.
Página 5: Cia. Estarina Paranaense S.A. — A Indústria que Alimentava o Corpo e a Alma
O anúncio da Cia. Estarina Paranaense S.A. é um exemplo de como a indústria se conectava com a vida cotidiana. Fundada em 1925, a empresa se apresenta como uma fabricante de velas, estearina, oleína, glicerina e sabão — produtos essenciais para o lar e para a higiene pessoal.
O texto começa com uma citação poética: “A vida é uma flor cujo mel é o amor.” Essa frase, atribuída a Victor Hugo, estabelece um tom elevado e sentimental, conectando os produtos da empresa à esfera emocional. A vela, por exemplo, não é apenas um objeto de iluminação; ela é um símbolo de esperança, de oração, de conforto.
A menção à “Indústria de Velas, Estarina, Oleína, Glicerina e Sabão” revela a diversidade da produção da empresa. As velas eram usadas em residências, igrejas e até em funerais, enquanto a glicerina e o sabão eram produtos de higiene essenciais. O texto também menciona que a empresa exportava para o exterior, o que indica que seus produtos tinham qualidade reconhecida internacionalmente.
O endereço — Rua Mateus Leme, 342 — situa a empresa no centro de Curitiba, uma área que ainda hoje é um polo de negócios. A menção aos telefones e telegramas mostra que a empresa estava conectada com o mundo, utilizando as tecnologias de comunicação disponíveis na época.
Detalhe adicional: O texto inclui uma seção intitulada “Algumas definições cristãs”, que oferece uma interpretação moral dos termos “Amigo”, “Coragem”, “Decepção”, “Eficaz” e “Benfeitor”. Essa seção revela a influência da religião na cultura empresarial da época. A empresa não apenas vendia produtos; ela transmitia valores morais e éticos, conectando-se com a espiritualidade do consumidor.
Conclusão: Curitiba, Uma Cidade em Construção
Estes cinco anúncios não são apenas peças publicitárias — são documentos históricos. Eles nos mostram uma Curitiba em transformação, onde a indústria, a construção civil, a saúde e o comércio se uniam para criar uma cidade moderna, dinâmica e acolhedora.
Cada empresa tinha sua missão: a Minerva, de curar corpos e almas; a COHEC, de moldar o território; a Estarina, de alimentar o corpo e a alma; e a Drograria Minerva, de oferecer confiança e assistência. Juntas, elas formavam o tecido social e econômico da cidade.
Hoje, quando olhamos para trás, vemos que essas empresas foram as pedras fundamentais sobre as quais Curitiba foi construída. Elas não apenas vendiam produtos — elas vendiam sonhos, progresso e esperança.
E, talvez, o maior legado delas seja este: a certeza de que, mesmo em tempos difíceis, a cidade sempre encontrará maneiras de se reinventar, de crescer e de se tornar ainda melhor.