Histórias de Curitiba - Bananas
Bananas
Teresa Urban
Entre a Padre Anchieta e a Padre Agostinho, a Brigadeiro Franco não era apenas a rua de lama por onde subiam as carroças das verdureiras italianas, rumo a Santa Felicidade.
Era uma algaravia onde russos, polacos, alemães, italianos, japoneses, chineses e slrio-libaneses compartilhavam sotaques, hábitos e sonhos.
Meu pai, o polaco Estanis-lau, foi um dos primeiros a se instalar do lado direito da rua, no barracão onde exercia o ofício de marceneiro com excepcional maestria.
Tinha com a madeira tal intimidade que a serragem, sempre pousada em seus ombros, parecia uma leve benção da imbuia, do cedro, do marfim e da canela, que transformava em mesas, cadeiras, entalhes e detalhes.
Eram bem poucos os brasileiros da rua e serviam apenas para balizar a Babel da Brigadeiro Franco com algumas palavras chaves na conversação ar-revezada.
Alesblau, arigatô, tuti-buonagente, dovidzenha, tudo acabava em pinga no balcão do bar de seu Caluf, que rescendia um cheiro bom de madeira curtida na mais pura cachaça.
Os imigrantes aprendiam rápido os costumes da nova terra, talves porque eram eles mesmos que desenhavam, a cada dia, a cara da cidade, seu território de fato e de direito.
Para chegar até a Brigadeiro Franco, o menino Estanislau atravessou o Atlântico, cruzou o Equador, suportou terrível calor nos apinhados porões dos navios, embalado pelas fantásticas promessas dos agenciadores de imigrantes.
Os folhetos espalhados pelas aldeias onde viviam camponeses famintos e oprimidos mostravam a fartura do mundo tropical traduzida sob a forma de árvores gigantescas, carregadas de suculentos frutos e lavouras de extraordinário viço.
Para facilitar a mensagem, os ilustradores desenhavam espécies típicas da velha Europa - que os camponeses poderiam reconhecer facilmente, e não as do Novo Mundo.
Assim, os imigrantes imaginavam trigais reluzindo nas encostas na Serra do Mar e frondosos carvalhos destacando-se na Mata Atlântica.
Ademais, quem acreditaria em especiarias exóticas como feijão preto, café, mandioca, cana-de-açucar ou manga?
Foi assim que, de todo des-informado, o menino Estanislau desembarcou no Rio de Janeiro.
Ansioso para abandonar o porão do navio, precipitou-se para a escada que dava acesso ao convés e a brutal claridade do sol tropical encheu-lhe os olhos.
Ofuscado, viu um marinheiro negro oferecer-lhe, amistosamente uma fruta desconhecida.
Surpreso diante do gesto, tomou-a nas mãos, cheirou-a, sentiu-lhe a maciez e, sem vacilar, cravou os dentes na casca amarela da primeira banana que viu em seus bem vividos nove anos.
Foi uma recepção inesquecível, de sabor tropical, com direito a negros, bananas, fraternidade, muito sol e a primeira frase que aprendeu em português: "queira-me bem, mal não faz".
Os recém-chegados foram levados para uma fazenda de café, no interior de São Paulo, de onde logo fugiram, exaustos e aterrorizados com o tratamento dado aos imigrantes.
Pouco mais tarde, encontravam abrigo e trabalho na pequena Curitiba da década de 20.
De Curitiba, foi filho até a morte.
Um singular polaco tropical, solidário, amigo e moreno, que jamais esqueceu o navio, o negro e a banana.
Um velho marceneiro que tinha um modo especial de se despedir, sem adeus nem até logo, apenas "queira-me bem, mal não faz".
Teresa Urban é jornalista.
Teresa Urban
Entre a Padre Anchieta e a Padre Agostinho, a Brigadeiro Franco não era apenas a rua de lama por onde subiam as carroças das verdureiras italianas, rumo a Santa Felicidade.
Era uma algaravia onde russos, polacos, alemães, italianos, japoneses, chineses e slrio-libaneses compartilhavam sotaques, hábitos e sonhos.
Meu pai, o polaco Estanis-lau, foi um dos primeiros a se instalar do lado direito da rua, no barracão onde exercia o ofício de marceneiro com excepcional maestria.
Tinha com a madeira tal intimidade que a serragem, sempre pousada em seus ombros, parecia uma leve benção da imbuia, do cedro, do marfim e da canela, que transformava em mesas, cadeiras, entalhes e detalhes.
Eram bem poucos os brasileiros da rua e serviam apenas para balizar a Babel da Brigadeiro Franco com algumas palavras chaves na conversação ar-revezada.
Alesblau, arigatô, tuti-buonagente, dovidzenha, tudo acabava em pinga no balcão do bar de seu Caluf, que rescendia um cheiro bom de madeira curtida na mais pura cachaça.
Os imigrantes aprendiam rápido os costumes da nova terra, talves porque eram eles mesmos que desenhavam, a cada dia, a cara da cidade, seu território de fato e de direito.
Para chegar até a Brigadeiro Franco, o menino Estanislau atravessou o Atlântico, cruzou o Equador, suportou terrível calor nos apinhados porões dos navios, embalado pelas fantásticas promessas dos agenciadores de imigrantes.
Os folhetos espalhados pelas aldeias onde viviam camponeses famintos e oprimidos mostravam a fartura do mundo tropical traduzida sob a forma de árvores gigantescas, carregadas de suculentos frutos e lavouras de extraordinário viço.
Para facilitar a mensagem, os ilustradores desenhavam espécies típicas da velha Europa - que os camponeses poderiam reconhecer facilmente, e não as do Novo Mundo.
Assim, os imigrantes imaginavam trigais reluzindo nas encostas na Serra do Mar e frondosos carvalhos destacando-se na Mata Atlântica.
Ademais, quem acreditaria em especiarias exóticas como feijão preto, café, mandioca, cana-de-açucar ou manga?
Foi assim que, de todo des-informado, o menino Estanislau desembarcou no Rio de Janeiro.
Ansioso para abandonar o porão do navio, precipitou-se para a escada que dava acesso ao convés e a brutal claridade do sol tropical encheu-lhe os olhos.
Ofuscado, viu um marinheiro negro oferecer-lhe, amistosamente uma fruta desconhecida.
Surpreso diante do gesto, tomou-a nas mãos, cheirou-a, sentiu-lhe a maciez e, sem vacilar, cravou os dentes na casca amarela da primeira banana que viu em seus bem vividos nove anos.
Foi uma recepção inesquecível, de sabor tropical, com direito a negros, bananas, fraternidade, muito sol e a primeira frase que aprendeu em português: "queira-me bem, mal não faz".
Os recém-chegados foram levados para uma fazenda de café, no interior de São Paulo, de onde logo fugiram, exaustos e aterrorizados com o tratamento dado aos imigrantes.
Pouco mais tarde, encontravam abrigo e trabalho na pequena Curitiba da década de 20.
De Curitiba, foi filho até a morte.
Um singular polaco tropical, solidário, amigo e moreno, que jamais esqueceu o navio, o negro e a banana.
Um velho marceneiro que tinha um modo especial de se despedir, sem adeus nem até logo, apenas "queira-me bem, mal não faz".
Teresa Urban é jornalista.