CANHÕES DA BARRANCA
Esse jardim, de frente à lúgubre cadeia, era, há 80 anos passados, uma "barranca"; seguindo-se daí uma ladeira, que ia até ao mercado, onde estão, ainda firmes, os tamarindeiros. No término dessa ladeira é que ficava o cais de desembarque.
Na célebre "barranca" estiveram colocados dois "canhões", como guardas da Cidade. E só duas vezes eles ali apareceram, para soltar de suas bocas as "balas" de alegria e de tristeza...
Quando terminou a guerra do Paraguai, em 1870, foi no então cais da rua da praia que desembarcaram os soldados paranaenses. Na ocasião desse desembarque, os "dois canhões' soltaram suas "balas" em regozijo à volta dos heróis aos seus lares.
>A cidade inteira, reunida ali no cais, assistiu, embevecida, a saudação desses "canhões", como testemunho vivo da Pátria agradecida !
Foi essa a primeira vez que "eles" soltaram de suas bocas o fogo da paz ! . . . Cena de civismo tão sugestiva, calando fundo na alma do povo de nossa terra.
Passados alguns dias, não mais se viu essas duas peças de artilharia na célebre "barranca". Talvez tivessem ficado na velha cadeia.
O País então entrou em calma e a paz reinou, por quase duas décadas, para a felicidade dos brasileiros.
Com a libertação dos escravos, em 1888, e conseqüente proclamação da República, em 1889, os partidos políticos se agitaram também em nossa PARANAGUÁ. O Brasil, livre da escravidão, feia nódoa que manchou a nossa terra, estava também liberto da deca- dente monarquia.
Mas... fato notório; os "canhões da barranca" não apareceram para saudar esses dois eventos, que tanto abalaram a Nação Brasileira, mudando completamente a vida social, política e econômica do País ?! Por quê ? Todos nós sabemos.. . Não é preciso dizer.
Agitações continuaram, até 1894, quando a Esquadra Federalista. comandada pelo almirante — Custódio de Melo — entrou em nossa baía e, na manhã de 16 de janeiro, desembarcou e tomou completamente a Cidade...
Foi então quandos os "dois canhões" reapareceram, pela 2ª vez, na "barranca", em defesa de PARANAGUÁ e da REPÚBLICA !...
A noite de 15 para 16 de janeiro ficou marcada na História de nossa terra, pelo ribombar dos "dois canhões", que, a todo o custo, procuravam deter os revoltosos...
Nessa segunda vez, porém, de suas bocas saíram o fogo da guerra... Tudo em vão... Ao amanhecer do dia 16, os "canhões" emudeceram. .. A Cidade estava já em poder dos revolucionários federalistas...
Os "canhões" emudeceram para sempre. .. e, para sempre, também, desapareceram de PARANAGUÁ. Os anos continuaram passando; as gerações se sucendendo, e os históricos "canhões", onde teriam ido parar ?...
Ninguém viu, ninguém soube... mas "eles" sumiram...
A "ladeira", com o tempo, também desaparaceu, dando lugar ao "Mercado de frutas", que hoje é só do bom cafezinho das manhãs e dos gostosos petiscos feitos por hábeis cozinheiras (No centro desse Mercado é que estava o "Pelourinho").
Na "barranca", uma plataforma foi feita. Nela temos hoje um singelo jardim, ostentando apenas algumas palmeiras reais; porém, engalanado com o busto do emérito "Professor CLETO".
Como seria edificante se, de cada lado desse histórico jardim, palco de luta final entre irmãos de u'a mesma Pátria, estivessem os "dois canhões" desaparecidos, como um marco sagrado, lembrando sempre as duas únicas vezes em que, de suas bocas saíram o fogo da "paz e o fogo da "guerra. ...".
(Transcrito do livro "Paranaguá na História e na Tradição", de Manoel Viana).
Paulo Grani.
Jardim Leocádio Pereira à direita onde estão as palmeiras reais.
Na esquina à esquerda, a velha cadeia de Paranaguá, no final século 19.
Descida anterior da antiga barranca.
À frente da barranca foi construído o Mercado.
Jardim Leocadio Pereira, juventude parnanguara, década de 1920.
À esquerda início do Jardim Leocádio Pereira.
A praça no início dos anos 1900.
A velha cadeia no final do século 19.
Aquarela do pintor Dimanche Koslosk, retratando a luta dos parnanguaras contra a Esquadra Federalista, comandada pelo almirante Custódio de Melo, ao tomar a cidade, desembarcando no rio Itiberê, em 1894.