PONTES PATRIMONIAIS NO PARANÁ
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(Publicado na Gazeta do Povo em julho de 2010)
É assustador o pouco que sabemos de nós mesmos. Decorrência da nossa pouca idade como país e como cultura? Pura e simples ignorância e preguiça, falta de vontade de saber, falta de vergonha na cara? Ou imbecilismo neoliberal, onde o cálculo custo-benefício vem antes da avaliação cultural? Ou tudo junto?
No século XVII, Quevedo parecia estar se referindo a nós, ao escrever: “é coisa averiguada que não se sabe nada e que todos são ignorantes, e mesmo isso não se sabe por certo pois, em se sabendo, já se saberia algo…”
As pontes são obras-primas do engenho humano – e, se volta e meia nosso engenho e arte se compraz em perpetrar sacanagens contra nós mesmos, entre as coisas que são sempre “do bem” estão as pontes.
Em tempos antigos, uma ponte era investimento imenso de recursos e esforços – o que não impediu os romanos de criarem obras primorosas de engenho e beleza, construções artificiais que, dentro da paisagem natural, compõem molduras e contrastes, enriquecendo-a e valorizando cultura e natureza. Não por acaso, as pontes italianas contemporâneas seguem essa tradição. Como regra, são belas e não agridem o entorno. Caso clássico, a ponte projetada por Pier Luigi Nervi para Gênova. No continente americano, um grande exemplo é a Ponte da Mulher, projetada por Santiago Calatrava para Puerto Madero.
Mas, na Idade Média, surge um pequeno problema: o diabo, que gosta dos meios – nem quente nem frio, nem homem nem mulher – resolve se estabelecer no meio do vão principal das pontes, logo que essas eram terminadas. Daí a tradição mau-caráter – una tantum – de ser um animal o primeiro ser a atravessar a ponte, sendo oferecido portanto ao tinhoso. Como garantia complementar, colocava-se uma cruz no meio do vão livre.
Essa tradição chegou ao Brasil – na bela ponte de Antonio Dias, em Ouro Preto, entre dois descansos, uma cruz de pedra protege os passantes.
Ponte em Ouro Preto – observar a cruz no centro do vão
Temos uma bela tradição nacional em pontes, consideradas mesmo dignas de se viajar para ver: a Rio-Niterói, a Hercílio Luz em Floripa e a recente JK em Brasília.
O Paraná também não faz feio nesse cenário.
Como ponte antigona, e compondo a bela paisagem dos Campos Gerais, a do Rio dos Papagaios. Não sei quem projetou, mas poderia ter sido um engenheiro militar dos exércitos romanos…
Ponte sobre o Rio dos Papagaios.
(O Marcelo Sutil me disse de quem é o projeto, mas esqueci…)
A ponte sobre o Rio Paraná – que não é um riozinho qualquer -, a chamada Ponte da Amizade, foi proeza tecnológica em seu tempo, atualmente enfeiada pelas inúteis instalações contra contrabando.
Ponte sobre o Rio Paraná – início da década de sessenta
Falando de proezas técnicas, a RFFSA construiu pontes e viadutos primorosos na Serra do Mar, que viabilizaram a façanha de fazer subir e descer trens entre litoral e planalto. Também na Estrada da Graciosa, construiu-se interessante ponte sobre o Rio São João – restauro prometido, mais um blefe, como a Casa Ipiranga. Na área urbana de Curitiba, a Ponte Preta merece atenção e manutenção, pelo hábil emprego das placas de ferro. E pela presença, é claro, na paisagem ferroviária da Cidade.
Em várias cidades do Paraná – ou no percurso entre elas – as pontes da RFFSA são investimentos públicos que, ao menos em nome do que nelas foi gasto e pelos serviços que prestaram antes da obsolescência viária, devem ser cuidadas. Há várias importantes, vamos ficar, como exemplo, com as de União da Vitória e Rio Negro.
Em Ribeirão Claro, fronteira com São Paulo, também temos uma ponte pênsil – atualmente, diz-se “estaiada” – que é notável pela solução estrutural.
Ponte que existiu nos fundos da PUC/PR até a década de oitenta.
E há ainda pelo menos dois tipos de ponte muito interessantes que, se não desapareceram, estão perto disso.
As pontes com telhado, que havia na Estrada Dona Francisca, não sei se em território paranaense ou catarinense – alguém sabe o que foi feito delas? As congêneres americanas renderam um filme bobinho mas muito bonito, “As pontes de Madison”. Aliás há, nos EUA, uma preocupação bastante intensa com a preservação das pontes antigas, quer sua funcionalidade viária seja mantida ou não. O que importa, é a manutenção dos conteúdos técnicos e culturais originais. Já nós, só copiamos deles as insanidades…
Também na região da Serra do Mar, houve ou há várias pontes pênseis, pinguelas, coisas simples mas engenhosas, nas quais me parece que entrava mais habilidade do que engenharia mesmo. Lembro de umas duas ou três na estrada para Joinville; e mais umas tantas na região de Prainhas, Morretes. E deve haver mais que não conheço ou não lembro.
Enfim, precisamos estudar, documentar e preservar nossas pontes, urgentemente. Não ter um patrimônio cultural é uma coisa, pobreza pura e simples. Mas ter e ignorá-lo, é vergonhoso. Muito feio mesmo.
Ponte é cultura!
Algumas indicações aleatórias
-BROWNE, Lionel. Bridges: masterpieces of architecture. USA, Smithmark, 1996.
-JOYCE, JAMES & BLACHON, ROGER. Le chat et le diable. France, Gallimard, 1978.
-WILDER, THORNTON. A Ponte de São Luiz Rey. São Paulo, Cia.Ed.Nacional, 1946. (Tradução de Monteiro Lobato.
(Eu mencionaria “As pontes do Rio Kway” – se o filme fosse do Kurosawa e não bretão…)
Encontrei essa foto na caixa de postais de um sebo.
Pelas araucárias, fica no Paraná, mas nãotem indicação de local nem data.