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segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Curitiba em 1955: Modernidade Urbana, Saúde Pública e Identidade Política na Capital do Paraná

 

Curitiba em 1955: Modernidade Urbana, Saúde Pública e Identidade Política na Capital do Paraná



Curitiba em 1955: O que essas páginas mostram (e escondem) da cidade que virou moderna

Um passeio por cinco páginas de uma publicação local — cheias de anúncios, fotos, textos e até polêmicas — que nos revelam como era Curitiba na metade dos anos 1950: entre prédios novos, hospitais históricos, políticos falando do passado e construtoras prometendo o futuro.


Página 1: “No ponto mais central da cidade ergue-se o edifício Manoel de Macedo”

Essa é a capa de um anúncio poderoso — quase um manifesto da modernidade curitibana.

  • O título em destaque já diz tudo: “No ponto mais central da cidade ergue-se o edifício Manoel de Macedo”. Isso não é só um prédio — é um símbolo. A localização é sagrada: Praça Nossa Senhora da Luz, nº 20, bem no coração da cidade, onde hoje ainda fica o prédio histórico.
  • A ilustração mostra o prédio alto, com linhas retas, janelas em fileiras — típico do estilo modernista dos anos 50. Ao lado, um desenho em perspectiva mostra o entorno: ruas, outros prédios menores, carros antigos. É a cidade crescendo ao redor dele.
  • Tem um homem de terno e chapéu, apontando para o prédio — talvez o próprio Manoel de Macedo? Ou um corretor? Ele representa o sonho da classe média: ter um escritório ou apartamento nesse novo arranha-céu.
  • O texto fala em “localização privilegiada”, “vendas com facilidade”, “plano de pagamento”. Eles estão vendendo não só um imóvel — estão vendendo status, modernidade, pertencimento à elite urbana.
  • No rodapé, os responsáveis: Gutierrez, Paula & Munhoz — Engenheiros Construtores. Esses nomes são importantes — eram os grandes construtores da época em Curitiba. Eles projetaram e construíram muitos dos primeiros prédios modernos da cidade.

Detalhe curioso: O anúncio diz que o prédio foi “planejado para uso escrito ou consultório”. Ou seja, era voltado para profissionais liberais — advogados, médicos, contadores — que queriam se instalar no centro, perto de tudo.


Página 2: “Hospital de Caridade” — a Santa Casa de Misericórdia em foco

Aqui a coisa muda de tom. Deixa de ser propaganda e vira reportagem séria — quase um documentário fotográfico.

  • A foto principal é linda: a fachada da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, com seu estilo neogótico, torres, vitrais, janelas altas. O texto diz: “Em sua bela arquitetura, ostentando o tradicional nome de benemerência, o edifício da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba abriga, em tratamento médico, boa parte da população mais carente.”

    Ou seja: mesmo sendo um prédio bonito, ele é um hospital público, que atende os pobres. Isso mostra a dualidade da época — modernidade para uns, caridade para outros.

  • Abaixo, duas fotos em preto e branco mostram o interior:
    • Uma mostra pacientes deitados em camas, com lençóis brancos, em um quarto amplo com janelas grandes — a luz natural era considerada essencial para a cura.
    • Outra mostra enfermeiras cuidando dos pacientes — vestidas com uniformes brancos, toucas, luvas. Elas estão atentas, concentradas. A legenda diz: “Desde a mais remota antiguidade que o tratamento de enfermos exige deveres morais...” — ou seja, elas não são só técnicas, são “moralmente obrigadas” a cuidar.

Detalhe importante: O texto menciona que a Santa Casa recebe “doações de particulares, empresas e até do governo”. Isso mostra que, mesmo em 1955, o sistema de saúde ainda dependia muito da caridade, não de um sistema público estruturado.


Página 3: Mais sobre a Santa Casa — e um pouco de política

Essa página continua a matéria sobre o hospital, mas com mais profundidade — e um toque político.

  • A foto superior mostra um grupo de médicos e enfermeiras posando junto a um paciente — parece ser uma cena de visita médica. Todos estão sorrindo, o que dá um ar de otimismo. Mas o texto abaixo diz: “Foi formada uma boa unidade e precisa das suas virtudes...” — ou seja, eles estão orgulhosos do trabalho, mas também reconhecem que há limitações.
  • O texto fala da importância da Santa Casa para Curitiba — que ela é “uma obra de caridade” e que “atende a todos os setores da população”. Mas também diz que ela precisa de modernização — “equipamentos mais modernos, melhores condições de higiene”.
  • Há um parágrafo interessante sobre o papel do Estado:

    “O Governo Federal, através do Ministério da Saúde, vem prestando apoio à Santa Casa...”

    Isso mostra que, mesmo em 1955, o governo federal já começava a se envolver mais diretamente na saúde pública — um passo importante rumo ao SUS, que só viria décadas depois.
  • No canto inferior direito, há uma foto de trabalhadores em um laboratório — provavelmente farmacêuticos ou técnicos de análise. O texto diz: “Têm sido preparados e testados todos os laboratórios nas nossas casas, respeitando as normas sanitárias...” — ou seja, eles estão tentando seguir padrões científicos modernos.

Detalhe curioso: O texto menciona que a Santa Casa tem “um corpo clínico qualificado” — mas também que “nem todos os médicos têm formação universitária”. Isso revela a realidade da época: havia profissionais experientes, mas nem sempre com diploma.


Página 4: “De onde vem o Paraná?” — Política, história e identidade

Aqui a publicação muda completamente de assunto — vai da arquitetura à política, da saúde à história.

  • O título é provocativo: “As dúvidas de Carlos V” — referência ao rei espanhol Carlos V, que governou Portugal no século XVI. O autor, José Nicolau dos Santos, escreve um artigo longo sobre as origens do Paraná, questionando se a região foi realmente “descoberta” pelos portugueses ou se já tinha povos indígenas organizados.
  • O texto começa com uma pergunta: “Se os olhos de Portugal vissem agora o Paraná...” — ou seja, ele está imaginando como os colonizadores veriam a região hoje, com suas cidades, estradas, indústrias.
  • Ele fala da colonização portuguesa, da expulsão dos jesuítas, da formação dos municípios. E critica a ideia de que o Paraná foi “uma terra vazia” antes dos europeus — diz que isso é um mito.
  • Há trechos fortes:

    “O Paraná não foi descoberto — foi conquistado.”

    “Os índios não eram selvagens — tinham cultura, organização social, religião.”

    Isso mostra que, mesmo em 1955, havia intelectuais em Curitiba questionando a narrativa oficial da história.
  • O texto termina com uma reflexão sobre o futuro do estado:

    “O Paraná tem potencial para ser uma das regiões mais desenvolvidas do Brasil — se souber usar seus recursos naturais e humanos.”

Detalhe curioso: O autor menciona que o Paraná foi “criado” em 1853 — mas que sua história começou muito antes. Ele cita documentos antigos, mapas, relatos de viajantes. É um artigo acadêmico, mas escrito para o público leigo.


Página 5: “Construtora Imobiliária Comercial CISA S.A.” — O futuro está sendo construído

Voltamos à construção — mas agora com outro empreendimento: o Edifício Presidente.

  • O anúncio é grandioso: “Apresenta: Edifício Presidente — Em fase de execução”. E tem uma foto do prédio em construção — andaimes, guindastes, trabalhadores subindo e descendo.
  • O texto diz que o edifício fica na Rua Desembargador Westphalen, 30 — outra rua central de Curitiba, perto da Praça Tiradentes. E que o preço da entrada é de Cr$ 12.900 — uma fortuna para a época.
  • Os benefícios listados:
    • Apartamentos de 1, 2 e 3 quartos
    • Garagem
    • Elevador
    • Água quente
    • Jardim

    Tudo isso mostra que o edifício era luxuoso — voltado para a classe média alta.

  • Há um mapa pequeno mostrando a situação geográfica — perto de bancos, lojas, cinemas. O texto diz: “A CISA S.A. está construindo o maior e mais moderno edifício comercial da cidade.”
  • No rodapé, os nomes dos responsáveis: Dr. Mário Gomes, Dr. Francisco da Cunha, Pereira Filho, entre outros. São políticos, empresários, figuras importantes da sociedade curitibana.

Detalhe curioso: O anúncio diz que “corretores estão no local da obra” — ou seja, eles queriam vender os apartamentos enquanto o prédio ainda estava sendo construído. Isso mostra a confiança no mercado imobiliário da época.


Conclusão: Curitiba em 1955 — Uma cidade em transformação

Essas cinco páginas nos mostram uma Curitiba em plena mudança:

  • Arquitetura moderna — com prédios altos, linhas retas, vidros e concreto.
  • Saúde pública em transição — com hospitais históricos tentando se modernizar, mas ainda dependentes da caridade.
  • Política e identidade em debate — com intelectuais questionando a história oficial e defendendo os direitos dos povos originários.
  • Economia em expansão — com construtoras apostando no futuro, vendendo sonhos de modernidade.

Tudo isso acontecia em uma cidade que, embora pequena comparada a São Paulo ou Rio, já tinha sua própria identidade — e estava decidida a crescer, modernizar, se afirmar.