Fernão de Magalhães, circunavegação faz 500 anos
Fernão de Magalhães autor da mais extraordinária viagem marítima desde sempre.
Fernão de Magalhães, circunavegação faz 500 anos
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Oriundo do norte de Portugal, não se sabe ao certo o local de nascimento, se Porto, ou Trás-os-Montes. Também não é precisa a data de nascimento, provavelmente 1470. Ainda jovem foi para Lisboa. Torna-se escudeiro ao serviço de D. Manuel I. Em 1505, parte para a Índia na armada de D. Francisco de Almeida. Ali permanece por anos. Durante o período, participou em campanhas militares no Índico, lutando na conquista de Sofala, Quiloa e na tentativa da conquista de Malaca. Retorna a Portugal em 1513. Poucos anos depois, em 1517, se desentende com D. Manuel I, troca Portugal pela Espanha onde oferece seus serviços a Carlos I. Propôs-lhe atingir as Molucas pelo Ocidente. O que tinham estas ilhas de especial? Eram a única produtora mundial de cravo, além de outras especiarias. Durante os dois anos seguintes Fernão de Magalhães estudou a navegação, juntou mapas e documentos, e convenceu Carlos I. A comemoração mundial da primeira circunavegação será em 2022, quando completam cinco séculos do término da épica viagem. O Mar Sem Fim sai na frente, como preparação, e comemora agora os cinco séculos da partida.
2019 – V Centenário do início da primeira circunavegação do globo
No dia 20 de Setembro de 1519, os cinco navios, Trinidad, comandado por Fernão de Magalhães; Victoria, San António, Concepción e Santiago,– saíram de Sanlúcar de Barrameda, na foz do Guadalquivir. Começava a mais extraordinária viagem marítima desde sempre. A soma dos tripulantes era de 265 homens.
Fecho de ouro para a era das grandes navegações portuguesas
A viagem de Magalhães também é considerada o fecho de ouro para a era das grandes navegações portuguesas. Elas começaram com a tomada de Ceuta, em 1415, e a descoberta da Madeira, em 1418. Nos cem anos seguintes, Portugal surpreenderia o mundo descobrindo mais da metade de todas as terras conhecidas até então. A saga ultramarina é considerada por diversos estudiosos uma das mais ousadas e importantes da história da humanidade. Para Adam Smith, “um dos maiores e mais importantes acontecimentos registrados na história da humanidade.” Infelizmente, só nós, brasileiros, não sabemos disso. Nosso ‘ensino’ decidiu por bem banir este capítulo da história. Como já dissemos antes, ‘o movimento náutico português foi o precursor da globalização, cujo ápice vive a nossa geração’.
Embarque na viagem de Fernão de Magalhães
Para nossa sorte, na frota de Magalhães seguiam ao menos seis ‘literatos’. Eles foram os autores de seis relatos escritos da viagem, o mais conhecido dos quais, o do italiano Antonio Pigafetta. Entretanto, o livro ‘Fernão de Magalhães – A Primeira Viagem À Volta Do Mundo, contada pelos que nela participaram, publica na íntegra, e comenta, os seis relatos. É dele que vem o texto a seguir.
Livro Primeiro – De Sevilha até à saída do Estreito de Magalhães
“Aos perigos inerentes a esta empresa podia acrescentar uma desvantagem a mais para Fernão de Magalhães. Os capitães dos outros quatro navios que estariam sob o seu comando eram seus inimigos, pela única razão de serem espanhóis, ao passo que Magalhães era português. A 20 de setembro partimos de São Lucar. Navegamos para sudoeste, e a 26 chegamos a uma das ilhas Canárias, chamada Tenerife, situada em 28º de latitude norte. Detivemo-nos três dias num local apropriado, para nos aprovisionarmos de água e lenha. Em seguida entramos num porto da mesma ilha, onde passamos dois dias. Em 3 de outubro fizemos-nos à vela, diretamente rumo ao sul.”
No Rio de Janeiro
“…Depois de passar a linha equinocial, ao aproximar-se do polo Antártico, perdemos de vista a estrela Polar.” Finalmente a frota chega ao Rio, onde Pigafetta relata as trocas que fizeram. “Fizemos aqui vantajosíssimas trocas. Por um anzol ou uma faca deram-nos cinco ou seis galinhas; por um pente, dois gansos; por um espelhinho o peixe suficiente para alimentarmos dez pessoas. Trocamos também por bom preço as figuras das cartas de jogar. Por um rei de ouros deram-nos seis galinhas, e ainda se convenceram de que tinham feito um magnífico negócio. Os brasileiros não são cristãos, nem tampouco idólatras, porque não adoram nada. A natureza é sua única lei.”
Descrição das canoas
Pigafetta: “os seus barcos são chamados canoas e são feitos de um tronco de árvore escavado com uma pedra cortante, usada em vez de ferramentas de ferro que não conhecem. São tão grandes estas árvores que numa só canoa cabem trinta e mesmo quarenta homens, que se servem de remos que se parecem a pás dos nossos padeiros.”
Descrição dos indígenas
“Os homens e as mulheres são tão vigorosos e tão bem proporcionados como nós. Comem algumas vezes carne humana. Mas somente a dos seus inimigos. Não é pelo apetite nem pelo sabor que o fazem, mas por um costume. Para não serem menos ferozes que outros, determinaram comer, de verdade, os inimigos aprisionados. Os brasileiros, tanto homens como mulheres, pintam o corpo, principalmente a cara. Quase todos os homens têm o lábio inferior com três perfurações, através das quais passam pequenos cilindros de pedra de duas polegadas. Nem as mulheres nem as crianças usam este incômodo adorno. A cor de sua pele é de um tom mais azeitonado do que negro. Demoramo-nos treze dias neste porto, após o que prosseguimos a nossa rota. Costeamos o país até 34º 40′ de latitude sul onde encontramos um grande rio de água doce (era o Prata).”
Figuras fantásticas, o imaginário de Pigafetta no rio da Prata
“Aqui habitam os canibais, ou comedores de homens. Um deles, de figura gigantesca e cuja voz parecia a de um touro, aproximou-se de nosso navio para animar os seus camaradas, que, temendo que lhes quiséssemos fazer mal, se afastaram do rio. Se retiraram com seus haveres para o interior do país…saltamos em terra cem homens e perseguimo-los para capturarmos alguns, mas davam tão grandes passadas que nem mesmo correndo ou saltando os pudemos alcançar.”
Porto de São Julião, Argentina, e os Patagões
“…Chegamos aos 49º 30′ de latitude sul. Encontramos um bom porto, e, como se aproximava o inverno, julgamos conveniente passá-lo ali.” Pigafetta se refere a San Julian, na província de Santa Cruz. Neste local, mais uma vez, o imaginário falou mais alto: “…um dia quando menos esperávamos se apresentou um homem de figura gigantesca. Este homem era tão alto que a nossa cabeça apenas chegava à sua cintura. O seu vestuário, ou melhor, o seu manto era feito de peles muito bem cozidas umas às outras, de um animal que abunda neste país, como adiante veremos…Parece que sua religião se limita à adoração do Diabo. O nosso capitão chamou este povo Patagões. Permanecemos neste porto cinco meses…”
Motim contra Fernão de Magalhães
O clima na flotilha era o pior possível. Eram quatro capitães espanhóis sob comando de um português. Pior que a rivalidade que temos com nossos ‘hermanos’. Não podia dar outra. Explode um motim. Com a palavra, Antonio Pigafetta: “Apenas ancoramos neste porto (São Julião), os capitães dos outros quatro navios planejaram uma conspiração para assassinar o capitão-general. Estes traidores eram: João de Cartagena, vedor da frota, Luís Mendonça, tesoureiro, Antonio Coca, contador; e Gaspar de Quesada. A conspiração foi descoberta. O primeiro foi esquartejado e o segundo apunhalado. Gaspar de Quesada foi perdoado, mas alguns dias depois organizou nova traição. Então o capitão- general expulsou-o da frota e abandonou-o na terra dos Patagões com um sacerdote seu cúmplice. Sucedeu-nos deste local outra desgraça: o navio Santiago que tinha sido destacado para reconhecer a costa naufragou entre os escolhos.”
Navegando para a boca do Estreito de Magalhães
“Continuando nossa rota para o Sul. A 21 de outubro, estando em 52º de latitude sul, descobrimos um estreito, que chamamos ‘o estreito das Onze Mil Virgens’, porque foi no dia que a igreja as consagra. Este estreito, como depois pudemos verificar, tem 440 milhas de comprimento, e meia légua de largura, pouco mais ou menos, e desemboca noutro mar, a que chamamos Pacífico. Toda tripulação acreditava que o estreito não tinha saída para o oeste que não era prudente mesmo ir procurá-la sem ter os grandes conhecimentos do capitão-general. Este, tão hábil como valente, sabia que era preciso passar por um estreito muito oculto, mas que tinha visto numa carta feita pelo excelente cosmógrafo Martim da Boémia, que o rei de Portugal guardava na sua tesouraria.”
Livro segundo – Desde a saída do estreito até à morte do capitão Magalhães e nossa partida de Zebu
Pigafetta é econômico quanto ao grande problema desta etapa: o frio intenso e o vento normalmente muito forte em toda a região. E principalmente, no inverno. Já naveguei por ali, e posso afirmar: mesmo com toda a tecnologia, e as roupas sintéticas que hoje temos, não dá pra ficar mais de meia hora exposto ao vento e ao frio, mesmo com três ou quatro camadas de roupas. O sofrimento da tripulação da frota de Magalhães foi mais que tenebroso.
O frio tenebroso no Estreito de Magalhães
Busco exemplo em matéria recente que fizemos sobre o terceiro homem a fazer a circunavegação da Terra, o inglês Thomas Cavendish. Quem relata é o marinheiro Anthony Knivet , eles estavam no mesmo local, o estreito: “ao tirar minhas meias alguns dedos saíram junto, vi que meus pés estavam negros feito fuligem e não conseguia mais senti-los de todo. Não mais conseguia caminhar… nesse lugar um ourives chamado Harris perdeu o nariz. Quando tentou assoá-lo, ele acabou caindo de seus dedos no fogo.”
Saindo do Estreito de Magalhães. Medo do escorbuto, e a fome, dominam
“Dia 28 de novembro saímos do estreito e entramos no grande mar, que logo chamamos ‘mar Pacífico’. Navegamos durante três meses e vinte dias sem comermos nenhum alimento fresco. O biscoito que comíamos já não era mais pão, mas um pó misturado com vermes, que haviam devorado toda a substância, e que, além disso, tinha fedor insuportável, por estar empapado com urina de rato. A água que nos víamos obrigados a beber estava igualmente putrefata e repugnante.
Ilustração de Gustave Doré. O escorbuto foi responsável por mais mortes no mar do que tempestades, naufrágios, combate e todas as outras doenças combinadas.
Comendo pedaços de couro para não morrer
“Para não morrermos de fome chegamos mesmo ao terrível transe de comermos pedaços dos couros de boi com que se encontra revestido o mastro grande. Estes couros, sempre expostos, estavam tão rijos que havia que os pôr de molho ao mar durante quatro ou cinco dias para embrandecerem um pouco, em seguida os cozíamos e comíamos. Muitas vezes a nossa alimentação reduzia-se a serradura de madeira; até os ratos, tão repugnantes ao homem, chegaram a ser um manjar tão procurado que se pagava um ducado por cada um.”
A peste ataca a tripulação: escorbuto
“Mas houve pior: a nossa maior desgraça era vermo-nos atacados por uma doença em que as gengivas inchavam até ao ponto de ultrapassarem os dentes, tanto da mandíbula superior como da inferior. Os doentes não podiam comer nada. Morreram dezanove. Entre eles o gigante patagão e um brasileiro que ia conosco. Durante estes três meses e vinte dias percorremos quatro mil léguas, pouco mais ou menos, no mar que chamamos Pacífico, porque enquanto durou a nossa travessia não sofremos a menor tempestade.”
Sobre a própria viagem
Pigafetta: “Se ao sairmos do estreito tivéssemos continuado a correr para oeste pelo mesmo paralelo, teríamos dado a volta ao mundo. E, sem encontrarmos nenhuma terra, teríamos voltado ao Cabo Desejado ao cabo das Onze Mil Virgens, dado que os dois estão em 52º de latitude sul. Penso que ninguém no futuro se aventurará a empreender uma viagem semelhante (de fato, foram precisos 58 anos para que o próximo, Francis Drake, fizesse nova circunavegação).”
Navegando ao largo do Japão
“Na nossa rota passamos perto das costas de duas ilhas muito altas, uma das quais está a 20º de latitude sul e a outra a 15º. A primeira chamas-se Cipangu (Japão) e a segunda Sumbdit-Pradit. Em seguida começam a aparecer novas ilhas, estas bem próximas das naus.” Nossos amigos haviam chegado às Filipinas. Pigafetta: “Tendo avistado à nossa roda, ao quinto domingo da Quaresma, que se chama Lázaro, umas tantas ilhas, demos-lhes o nome de ‘arquipélago de São Lázaro‘ (atual Filipinas).” Ali novos encontros aconteceram. Pigafetta: “sexta-feira, 22 do mês (março), os insulares cumpriram sua palavra, e vieram com duas canoas cheias de nozes de coco, laranjas, um cântaro com vinho de palmeira e um galo. Compramos-lhes tudo o que trouxeram.”
Explorando as Filipinas
A frota de Fernão de Magalhães explorou dezenas de ilhas das proximidades. Ficaram amigos de um dos ‘reis’ , com quem trocaram presentes. A amizade prosperou. Indígenas foram batizados, e missas rezadas. Pigafetta: “o capitão-general perguntou qual era, nas imediações, o porto mais apropriado para aprovisionar os seus navios e comerciar com as suas mercadorias. Disseram-lhe que havia três, a saber: Ceylon, Zubu (atual, Cebu), e Calagan, mas que Zubu era o melhor, e, como ele estava decidido a ir aí, ofereceram-lhe pilotos para o conduzir.” Entusiasmado com a boa maré, e procurando selar a amizade, Fernão de Magalhães cometeu seu único erro na épica viagem. Erro que lhe custaria a vida. Mais uma vez, palavra de Pigafetta: “O capitão disse ao rei que se ele tinha inimigos se juntaria voluntariamente a ele com seus navios e os seus guerreiros para combater.”
Em Cebu, para comerciar
“No domingo, 7 de abril, entramos no porto de Zubu. Passamos perto de muitas aldeias onde vimos casas construídas em cima das árvores. Perto da povoação, o capitão mandou içar todos os estandartes e amainar as velas, dando uma descarga geral de artilharia, o que causou grande alarme entre os insulares.”
A escaramuça em que se meteu Magalhães
“Sexta-feira, 26 de abril, Zula, um dos chefes da ilha de Matan enviou ao capitão um de seus filhos com duas cabras, dizendo-lhe que não enviara tudo que lhe prometera, não era por sua culpa, mas de Cilapulapu, o outro chefe, que não queria reconhecer a autoridade do rei de Espanha, mas que, se o capitão o queria socorrer na noite seguinte, apenas com uma chalupa com homens armados, comprometia-se a combater e subjugar completamente o seu rival. O capitão-general determinou ir em pessoa com três chalupas. Pedimo-lhes que não fosse ele próprio, mas respondeu-nos que, como bom pastor, nunca deveria abandonar o seu rebanho.”
A refrega fatal…’se lançaram sobre nós com horrível gritaria’
“Esperávamos pelo dia, e saltamos então em terra com água pelas coxas. As chalupas não podiam aproximar-se por causa dos recifes e bancos de areia. Éramos 49 no total, porque deixamos 11 de guarda às chalupas. Precisávamos de andar dentro de água um pedaço antes de atingirmos terra firme. Os insulares eram 1500, formados em três batalhões, que imediatamente se lançaram sobre nós com uma horrível gritaria. O nosso capitão dividiu seus homens em dois pelotões.”
‘Uma flecha envenenada atravessou a perna do capitão’
“Os mosqueteiros e os balistários atiraram de longe durante uma meia hora. Mas causaram pouco dano ao inimigo. Por outro lado, confiando na superioridade do número, atiravam-nos nuvens de lanças, de paus endurecidos ao fogo, de pedras, e até terra, sendo muito difícil defendermo-nos. Uma flecha envenenada atravessou a perna do capitão, que mandou logo retirar devagar e em ordem, mas a maior parte de nós fugiu precipitadamente, de maneira que ficaram apenas 7 ou 8 com o capitão.”“Por duas vezes lhe derrubaram o capacete…”
“Como conheciam nosso capitão, principalmente contra ele dirigiam seus ataques, e por duas vezes lhe derrubaram o capacete. Durou o desigual combate quase uma hora. Por fim, um insular conseguiu ferir, com a ponta de uma lança, a testa do capitão, o qual, furioso, o atravessou com a sua espada, deixando-lha encravada no corpo. Quis então tirá-la, mas não o pode fazer por estar gravemente ferido no braço direito. Deram-se conta disso os indígenas e lançaram-se todos sobre ele; um deles, descarregando-lhe uma lançada na perna esquerda. Fê-lo cair de bruços, arrojando-se então sobre ele. Assim morreu o nosso guia, a nossa luz, e o nosso conforto.”A confiança de Magalhães
Pigafetta: “O rei podia ter-nos socorrido, mas o capitão-general, longe de prever o sucedido, quando pisou em terra com a sua gente ordenou-lhe que não saísse do balangué (tipo de barco) e que permanecesse como mero espectador, vendo como combatíamos. Chorou muito ao vê-lo sucumbir. Esta desgraçada batalha deu-se em 27 de abril de 1521.” Em seguida a esta batalha, ainda houve novas escaramuças em que mais tripulantes foram mortos. Mas a viagem tinha que continuar. Pigafetta: “Elegemos depois em seu lugar dois governadores: Duarte Barbosa, português, e João Serrão, espanhol.”
Livro terceiro – De Zubu até à saída das ilhas Molucas
“Deixamos a ilha de Zubu e ancoramos na ponta de uma ilha que chamam Bohol, a dezoito léguas de Zebu. Como as tripulações, dizimadas por tantas perdas, não eram suficientes para os três navios, decidimos queimar um, a Concepción, depois de mudarmos para os outros dois tudo o que nos podia ser útil.”
A fome atormenta de novo
Os dois navios restantes vieram pingando de ilha em ilha, mas sem nelas desembarcar. Até que…Pigafetta:”Chegamos a outra ilha, maior, que estava bem provida de toda a espécie de víveres, o que para nós foi uma fortuna, porque estávamos tão esfomeados que estivemos muitas vezes a ponto de abandonar os nossos navios e estabelecer-nos em qualquer terra, para nela terminarmos os nossos dias.”
Briga de galo no século 16
Depois de desembarcarem para recolherem víveres, Pigafetta explora a ilha e escreve admirado: “Têm também grandes galos domésticos, que, por uma espécie de superstição, não comem, mas ensinam-nos a combater entre eles, fazendo apostas, e ganhando prêmios os proprietários vencedores.”Fica aí, o registro, para aqueles que ainda acreditam no mito do ‘bom selvagem’.
Em Bornéo
Entre muitas outras ilhas, nossos heróis desembarcam em Bornéu, Pigafetta:” Dizem que o rei de Bornéu tem duas pérolas tão grandes como ovos de galinha e tão perfeitamente redondas que, colocadas sobre uma mesa lisa, nunca ficam em repouso.” A esta altura, uma das naus sobreviventes estava se desmantelando. Quem conta é Pigafetta: ” ao sairmos desta ilha voltamos atrás a procurar um lugar apropriado para carenar os navios (colocá-lo no seco para limpar e consertar o casco), pois um tinha uma grande entrada de água e o outro, por falta do seu piloto, encalhara perto de uma ilha chamada Bilalon (atual, Sampanmangio).” E completa, “levamos 42 dias neste serviço.”
Chegada nas ilhas Molucas
Sexta-feira, 8 do mês de novembro, três horas antes do por do sol, entramos no porto de uma ilha chamada Tadore (era uma das Molucas).”Mais uma vez desembarcaram e ficaram amigos do rei. Pigafetta descreve detalhadamente os costumes da corte, e os da população, suas casas, modo de viver, etc. Enquanto isso, faziam comércio trocando miudezas com as famosas especiarias como noz-moscada, cravo, gengibre, etc. É chegada a hora da partida: “O primeiro navio a desfraldar as velas foi a Victoria, que se fez ao largo onde esperou pela Trinidad. Mas este navio levantou âncora com muita dificuldade, e neste meio-tempo os marinheiros descobriram que tinha uma grande entrada de água no porão.”
O conserto da nau, e decisão de alguns de ficarem nas Molucas
Levou muito tempo mesmo com o rei local ajudando com mergulhadores, Pigafetta:” Estes homens mergulharam no mar com a cabeleira flutuante, porque supunham que a água, ao entrar pelo orifício, arrastaria os seus cabelos indicando-lhes a sua localização. Mas, depois de uma hora de procura subiram à superfície sem nada terem encontrado.” Pigafetta diz que por causa disso, voltou a ideia de carenarem o Trinidad, que rei ‘prometera ajudar com 250 carpinteiros.”
A decisão de ficar
Antes de partirem em definitivo, janeiro de 1552, mais mudanças que nosso escriba detalha; “Houve alguns de nós que preferiram ficar nas ilhas Molucas em vez de retornarem a Espanha, já que receavam que o navio não resistisse a tão grande viagem.” Finalmente, aconteceu a partida:”Então os navios despediram-se com uma descarga recíproca de artilharia. Os nossos companheiros seguiram-nos na chalupa tão longe quanto puderam, e por fim separamo-nos chorando. João carvalho ficou em adore com 53 europeus. A nossa tripulação era de 47 europeus e 13 indígenas.”
Livro quarto – Regresso a Espanha desde as ilhas Molucas
Pigafetta segue descrevendo as ilhas pelas quais passaram. Numa delas, ficaram por 15 dias para nova carenagem na Victoria. Estiveram em Timor onde mais uma vez desembarcaram. Na saída, mais algumas baixas. Tripulantes cansados da saga decidiram por lá ficar. Pigafetta: “terça- feira 11 de fevereiro, à noite deixamos Timor e entramos no grande mar chamado Laut-Chidol (o mar do Sul).” Neste ponto houve mais uma decisão de gênio, que Pigafetta não atribui a Juan Sebastian Elcano, espanhol, que assumiu o comando. Como sabiam que os portugueses costeavam a Índia e a costa africana, eles desceram para o Sul, para não encontrá-los, em mais uma rota totalmente nova e desconhecida. “Rumamos a oeste-sudoeste, deixando ao norte, à direita com medo dos portugueses.”
No Cabo da Boa Esperança
“Para dobrar o cabo da Boa Esperança subimos até 42º de latitude sul, e tivemos que permanecer 9 semanas frente a este cabo com as velas colhidas, devido aos ventos de oeste (contrários) e do noroeste que tivemos constantemente e que acabam numa terrível tempestade. Finalmente, com ajuda de Deus, dobramos o terrível cabo a 6 de Maio, mas tivemos que nos aproximar dele a uma distância de 5 léguas, sem o que nunca o teríamos passado. Navegamos depois em direção noroeste durante dois meses inteiros sem descaso. Neste intervalo perdemos 21 homens entre cristãos e indígenas.”
Mais mortes e uma descoberta ‘curiosa’
“Fizemos uma observação curiosa: ao lançamento-los no mar, os cadáveres dos cristãos ficavam sempre com a cara voltada para o céu e o dos indígenas com o rosto mergulhado no mar.”
Ilhas de Cabo Verde
“Carecíamos completamente de víveres, e, se o céu nos não houvesse concedido tempo favorável, teríamos morrido todos de fome. Quarta-feira, 9 de julho, avistamos as ilhas de cabo Verde e ancoramos na chamada de Santiago.” A tripulação desembarca atrás de víveres, mas nem bem conseguiram alguns tiveram que abortar e voltar à navegação. Portugueses descobriram quem eles eram…
O retorno depois de três anos
“Graças à Providência, no sábado, 6 de setembro, entramos na baía de Sanlucar, e, de 60 homens que se compunha a tripulação quando saímos das ilhas Molucas, não restavam mais que 18, na maior pate doentes. Dos demais, uns ficaram na ilha de Timor, outros foram condenados à morte por crimes e, enfim, outros morreram de fome. Desde a nossa saída da baía de Sanlucar até o nosso regresso calculamos ter percorrido mais de 14.460 léguas, dando a volta completa ao mundo, navegando sempre de Leste para Oeste.”
Em Sevilha
Terça-feira, 8 de setembro, ancoramos junto ao molhe de Sevilha e disparamos toda a artilharia.
Terça-feira, saltamos todos em terra, em camisa e descalços, com um círio na mão, e fomos à Igreja de Nossa Senhora da Vitória e à da Santa Maria de Antígua, como havíamos prometido fazer nos momentos de angústia. Regressei, enfim, a Itália onde me consagrei para sempre ao excelentíssimo senhor Filipe Villiers de L’Isle- Adam, grão-mestre de Rodes, a quem também entreguei o relato da minha viagem.
O CAVALEIRO ANTONIO PIGAFFETA
(Nosso escriba não fala, mas quem assumiu o comando da Victoria foi Juan Sebastian Elcano. Por isso, em muitas fontes atribui-se a viagem a Magalhães – Elcano)
Assista à animação sobre a circunavegação de Fernão de Magalhães
Fonte: Fernão de Magalhães – A Primeira Viagem À Volta Do Mundo, contada pelos que nela participaram, editora Publicações Europa-América