quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

O paiol de pólvora que virou teatro

 O paiol de pólvora que virou teatro

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Recentemente um dos primeiros espaços culturais de Curitiba e um dos mais famosos completou 50 anos: o Teatro Paiol.


Quando construído em 1874 para abrigar pólvoras, não se imaginava que quase cem anos depois o paiol iria servir para uma finalidade totalmente diferente: a de teatro.


Em 1874, o Governo Provincial do Paraná entregou, no dia 5 de janeiro de 1874, com assistência do Presidente da Província Frederico José Cardoso de Araújo Abranches, do Engenheiro Francisco Antonio Monteiro Tourinho e de outras autoridades, um paiol de pólvora. À época, estava localizado “no vaile do Ribeirao do Agua Verde, a dous kilometros da cidade”. Junto com o paiol, foi entregue também outro edifício que serviria como depósito de artigos bélicos.


Nas notícias da época não fica claro se o edifício estava localizado no mesmo terreno do paiol ou em outra localidade, mas assim ele foi descrito na edição de 10 de janeiro de 1874, do Jornal Dezenove de Dezembro:


“O deposito de artigos bélicos tem 20 metros de frente, 36 de fundo e 5,5 de altura na fachada desde o réz até a linha culminante do acrotério. A fachada apresenta 6 janellas e uma porta central, terminadas em arcos que exteriormente simulam ser formados de aduelas de cantaria. (...)”


Já o paiol era descrito da seguinte forma, na mesma edição do jornal:


“O paiol de polvora (...) consiste em uma magnifica abobada circular de 12 metros de diametro. Cingindo toda a cornija, eleva-se uma attica, tambem disposta em ameias, que occulta completamente a cupula, e imprime ao edificio um aspecto caracteristicamente militar”


Esta construção inicial estava localizada onde hoje é o Bairro Água Verde. Com a expansão da cidade e com mais moradores se instalando na região, outro local foi escolhido para que o Paiol fosse transferido. Assim, por volta de 1906 foi construído o novo paiol, na mesma localidade em que hoje está o teatro.


O paiol continuou com sua função original até 1917. A partir daí passou a abrigar o depósito de material inservível da prefeitura e os arquivos municipais. Em 1925, com a criação de um departamento encarregado de preparar a pavimentação das ruas, ali foi instalada a Usina do Asfalto.

A construção ficou por muito tempo abandonada, servindo a diversas finalidades como as acima citadas. Até que, na década de 1970, o edifício foi reformado para servir como teatro. O responsável pela restauração foi o arquiteto Abraão Assad. O contexto era o de uma Curitiba que começava a se apresentar como uma promessa de grande cidade pro futuro. A capital paranaense ia cada vez mais deixando de ser rural e se tornando urbana.


Um dos principais artífices desse movimento foi o Prefeito Jaime Lerner, que teve três mandatos como mandatário municipal (1971-1975, 1979-1983 e 1989-1992). São desse período, inclusive (década de 1970), importantes construções de Curitiba, como o Palácio do Governo, a Prefeitura, e toda a estrutura do Centro Cívico de modo geral.


No plano artístico, o ponto de partida desse projeto de modernização foi o Teatro Paiol. Assim, no fim de 1971, o antigo paiol que servia de depósito de pólvora foi transformado em teatro. A inauguração do teatro, inclusive, se confunde com o início da Fundação Cultura de Curitiba, conforme consta no próprio site da FCC:


"A criação da Fundação Cultural de Curitiba se mistura à origem do Teatro do Paiol, inaugurado por Vinicius de Moraes, que veio à cidade pela primeira vez para a abertura do espaço, sem contrato escrito, acompanhado de Toquinho, Marília Medalha e o Trio Mocotó." (...) O sucesso do evento marcou o início da Fundação Cultural de Curitiba, que só veio a nascer oficialmente no dia 5 de janeiro de 1973. A partir daí, graças a uma série de ações de planejamento, nasceu também uma política de preservação da cultura e da história da cidade, o que contribuiu para desencadear o processo de renovação cultural e configurar a necessidade de uma instituição para cuidar especialmente da política cultural do município.


O próprio logotipo da Fundação é composto por uma imagem do Teatro Paiol:

Não apenas o edifício do teatro foi reformado, mas também a infraestrutura ao seu redor, de modo a facilitar o acesso ao novo ponto cultural da cidade. 

Na inauguração do Teatro, estiveram presentes Vinícius de Moraes, Toquinho, Maria Medalha e o Trio Mocotó. Realizaram quatro shows, entre os dias 27 e 30 de dezembro de 1971.

Nas palavras de Vinicius, a nova casa de espetáculos é “maravilhosa e não deveria apenas ser chamada de Teatro do Paiol, mas sim ‘Paiol de Pólvora’, pois é um nome muito mais quente”. Inclusive, em homenagem ao teatro, Vinicius compôs uma música - de título “paiol de pólvora” - que foi apresentada no teatro em 30 de dezembro de 1971. A ditadura militar achou a letra ofensiva e censurou a música, que teve sua gravação e apresentação pública proibidas. O único registro fonográfico da canção está no LP com a trilha sonora da novela O Bem Amado, de Dias Gomes. Abaixo, a letra da música:


Paiol de pólvora

Vinicius de Moraes e Toquinho Pólvora


Estamos trancados no paiol de pólvora

Paralisados no paiol de pólvora

Olhos vedados no paiol de pólvora

Dentes cerrados no paiol de pólvora

Só tem entrada no paiol de pólvora

Ninguém diz nada no paiol de pólvora

Ninguém se encara no paiol de pólvora

Só se enche a cara no paiol de pólvora

Mulher e homem no paiol de pólvora

Ninguém tem nome no paiol de pólvora

O azar é sorte no paiol de pólvora

A vida é morte no paiol de pólvora

São tudo flores no paiol de pólvora

TV a cores no paiol de pólvora

Tomem lugares no paiol de pólvora

Vai pelos ares o paiol de pólvora


A censura se deu pelo fato de que, na letra, o “paiol de pólvora” pode ser interpretado como uma metáfora para o Brasil da época. Além disso, Vinicius foi perseguido pela ditadura e sempre se opôs ao regime.


No ato inaugural do teatro, Vinicius de Moraes disse:


“Eu fui convidado a batizar esse teatro, e eu gostaria de batizar ele com uísque, se o prefeito me permite… Porque eu acho que é uma bebida sadia, não faz mal a ninguém, pra mim é remédio. (...) Está batizado o paiol da pólvora, essa casa tão linda que o prefeito Jaime Lerner fez, e que, eu acabei de dizer isso a meus amigos meus companheiros de trabalho, não há no Brasil inteiro uma casa de espetáculo desse tamanho tão bonitinha.” Vídeo com o aúdio:
 
https://fb.watch/ciyK1PZtw-/


Em razão desse “batismo”, há no teatro um busto em homenagem ao músico e poeta carioca, que foi instalada em razão da comemoração dos 50 anos do teatro, em Dezembro de 2021.


Assim estava inaugurado o Teatro Paiol, que desde então recebeu diversos shows de artistas muito renomados, tanto a nível regional como nacional. Entre eles, Hermeto Paschoal, Elza Soares, Zizi Possi, Gonzaguinha, Zezé Motta, Djavan, Nana Caymmi, Clara Nunes, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Gal Costa, Raul Seixas, entre outros.


Um dos programas culturais do Paiol foi a série chamada Parcerias Impossíveis. Começada nos anos iniciais do teatro, reunia duas pessoas de diferentes atividades para uma conversa com o público. As presenças eram variadas, indo desde músicos e artistas até políticos. Teve duração de quatro anos, sempre às segundas-feiras, e lotava o espaço do teatro.


Por sua capacidade de público reduzida em relação a outros teatros da cidade - 217 lugares - os shows e peças artísticas no Paiol possuem um caráter mais reservado e intimista. 


Início da Guerra do Contestado, Santa Catarina/Paraná

 Início da Guerra do Contestado, Santa Catarina/Paraná

https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/inicio-da-guerra-do-contestado-2/

Em 22 de outubro de 1912, tinha início a Guerra do Contestado, em região fronteiriça contestada pelos estados de Santa Catarina e do Paraná. Tropas da polícia do Paraná atacaram os sertanejos que seguiam o “monge” José Maria e estavam acampados em Campos de Irani. No confronto, conhecida como Batalha de Irani, morreram 11 sertanejos, entre eles, seu líder o monge José Maria, e 10 soldados, inclusive seu comandante, o coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho.

As causas da Guerra do Contestado (1912-1916) são diversas e se misturam à disputa de limites entre os estados de Santa Catarina e Paraná. A extensa região contestada de cerca de 30 km2 era rica em florestas de araucária e pés de erva-mate, recursos naturais explorados por madeireiras, grandes proprietários (os “coronéis”) – pecuaristas e exploradores dos ervais.

A valorização da erva-mate no mercado uruguaio e argentino (o produto representava 3,6% das exportações brasileiras) fez a fortuna dos coronéis nas décadas de 1900 a 1920, mas também acirrou as disputas entre eles por terras e a expulsão de posseiros.

Abaixo dessa elite proprietária, vivia na região uma população de caboclos pobres, descendentes de escravizados e indígenas.  Eram posseiros e mateiros que se embrenhavam nos ervais nativos para colher mate, e se sustentavam das pequenas plantações de milho e feijão aos quais misturavam palmito, pinhão e um naco de carne. Havia, também, uma expressiva população indígena Guarani e Kaigang (ou Coroados).

O impacto de uma ferrovia na região

A situação dessa gente pobre agravou-se ainda mais a partir de 1908 com a construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul – a Brazilian Railway, firma do empresário estadunidense Percival Farquhar que atravessava a região do Contestado. O governo cedeu à empresa  uma faixa de 15 km de cada lado da ferroviaao longo dos trilhos, o que levou à expulsão de centenas de famílias de posseiros caboclos, indígenas e ervateiros.

Ao final da obra, os 8 mil trabalhadores contratados foram demitidos. Na mesma época, a madeireira Southern Brazil Lumber & Colonization Company, outra empresa de Percival Farquhar, passou a explorar a madeira nas terras ao longo da ferrovia, arruinando os pequenos serradores e madeireiros locais.

Os monges dão esperança de uma vida melhor

Os caboclos, oprimidos pelos coronéis e expulsos de suas terras, buscaram conforto nas pregações de beatos e monges que perambulavam pela região cuidando de doentes e profetizando o fim do sofrimento e a chegada de uma era sem fome e sem miséria.

José Maria foi um desses “monges” que ganhou fama no primeiro semestre de 1912 por ter curado a esposa de um fazendeiro em Campos Novos, que sofria de frequentes convulsões.

Ao redor do curandeiro reuniu um punhado de famílias sertanejas. As pregações de José Maria misturavam trechos bíblicos (Apocalipse), lendas medievais (Carlos Magno e os 12 Pares de França), anunciava a volta de D. Sebastião para o estabelecimento de uma Monarquia Celeste na Terra, onde todos viveriam em comunhão.

Os monges do Contestado

Os monges do Contestado: João Maria de Jesus (à esquerda) perambulou pelo Paraná e Santa Catarina entre 1897 e 1908 quando desapareceu; em seu retrato, de 1908, está escrito, que ele tinha 180 anos. José Maria (à direita) surgiu no município de Campos Novos (SC) em 1911 e dizia-se irmão de João Maria; na foto, está rodeado pelas virgens videntes.

José Maria e a Batalha de Irani

José Maria estabeleceu-se com seus seguidores em Taquaruçu, nos arredores de Curitibanos, Santa Catarina. As autoridades locais, temendo o “ajuntamento de fanáticos e monarquistas” pediu ao governador uma força policial. O curandeiro, para evitar o conflito, rumou com seu grupo para os campos de Irani, então sob controle do Paraná.

O governo do Paraná considerou a chegada  dos sertanejos como uma “invasão” para favorecer Santa Catarina na disputa da região contestada. Alegando a existência de “numeroso bando armado chefiado pelo monge José Maria, o governador do Paraná determinou que João Gualberto, capitão comandante do Regimento de Segurança, se dirigisse imediatamente para o local com 300 homens, municiados com 30.000 cartuchos para carabinas, 3.500 para mosquetões e 10.000 para a metralhadora Maxim.

O combate teve início ao amanhecer do dia 22 de outubro de 1912. João Gualberto não levou todo contingente militar: confiante na metralhadora Maxim, ele colocou em ação no combate apenas 70 homens. Aos primeiros disparos, surgiram em meio às matas cerca de 200 sertanejos (ou 300, segundo outras fontes) que avançaram em direção às tropas desembainhando seus facões.

A metralhadora Maxim foi inútil: depois de alguns disparos,  ela travou, uma falha possivelmente causada por ter caído em um riacho durante a marcha.

O resultado da Batalha de Irani foi desastroso para as tropas governistas. João Gualberto foi cercado e morto pelos sertanejos e as tropas, destroçadas, bateram em retirada deixando para trás 40 fuzis e a metralhadora.

O monge José Maria, atingido por um tiro, também morreu em combate. Sua morte, porém não esmoreceu os sertanejos. Ao contrário, eles passaram a acreditar que José Maria iria ressuscitar e, com ele, todos os mortos de Irani também. Por isso foi enterrado em cova rasa e coberta com tábuas para facilitar sua ressurreição. “A espera pela ‘volta’ de José Maria junto ao ‘exército encantado de São Sebastião’ deu uma expressão milenar e messiânica ao movimento do Contestado” (MACHADO, 2018).Fonte

  • ALMEIDA JR., Jair de. A Religião Contestada. São Paulo: Fonte Editorial, 2011.
  • FRAGA, Nilson Cesar. (Org.). Contestado em Guerra, 100 anos do massacre insepulto do Brasil – 1912-2012. Florianópolis: Insular, 2012.
  • FRAGA, Nilson César. “Contestado: a grande guerra civil brasileira”. In: SCORTEGAGNA, A. REZENDE, C. J. TRICHES, R. I. Paraná, espaço e memória: diversos olhares histórico-geográficos. Curitiba: Bagozzi, 2005.
  • MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestadoa formação e a atuação das chefias caboclas. Campinas: UNICAMP, 2004.
  • ________. A aventura cabocla do Contestado: o conflito e seu desfecho. Arquivo Nacional Que República é essa? Portal Estudos do Brasil Republicano. 31 julho 2018.
  • MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os errantes do novo século. São Paulo: Duas Cidades, 1974.
  • TOTA, Antônio Pedro. Contestadoa guerra do novo mundo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

Massacre de Taquaruçu, Guerra do Contestado, Santa Catarina/Paraná

 Massacre de Taquaruçu, Guerra do Contestado, Santa Catarina/Paraná

https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/massacre-de-taquarucu-guerra-do-contestado/

Em 8 de fevereiro de 1914, forças militares de Santa Catarina, Paraná e do governo federal somando 700 soldados equipados com artilharia e metralhadoras tomaram e destruíram o acampamento “inimigo” de Taquaruçu (atual cidade de Curitibanos, em SC). O inimigo era um punhado de famílias sertanejas pobres seguidoras da “Santa Religião”, uma religião popular que pregava a Monarquia Celeste e considerava Taquaruçu uma “cidade santa”, uma espécie de nova Jerusalém, uma terra de justiça onde todos viviam em igualdade de condições. Para o governo, contudo, eram “fanáticos” traidores da República por exaltarem a Monarquia.

O episódio faz parte da Guerra do Contestado (1912-1916) – um conflito que misturou questões sociais, interesses econômicos e políticos, a construção de uma ferrovia e, para a população pobre e sofrida, a crença messiânica e de uma guerra santa contra tudo isso.

O palco da Guerra do Contestado foi uma extensa área de 30 mil km2 (maior do que o estado de Alagoas) disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná. Daí o nome “contestado”.

A guerra iniciou-se em 22 de outubro de 1912 com o ataque da polícia do Paraná contra os moradores da vila de Irani. Na Batalha de Irani morreram 11 sertanejos, entre eles, seu líder o monge José Maria, e 10 soldados, inclusive seu comandante, o coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho.

A morte do monge José Maria não esmoreceu nos sertanejos que passaram a acreditar que ele ressuscitaria e voltaria liderando o “exército encantado de São Sebastião“. O movimento sertanejo foi ganhando contornos messiânicos e místicos. Surgiram novos povoados, as chamadas “cidades santas” como Caraguatá, Santo Antônio, Caçador Grande, Bom Sossego, Santa Maria (a maior cidade, com mais de 20 mil habitantes), Pedra Branca, São Miguel e São Pedro. Para elas rumaram milhares de sertanejos expulsos de suas terras e cansados da exploração que sofriam dos “coronéis”.

Cidades Santas da Guerra do Contestado

As “cidades santas” (números 1 a 10) foram o alvo principal do ataque das tropas governistas.

Taquaruçu: a cidade santa da Monarquia Celeste

Mais de um ano após o combate de Irani, os sertanejos dirigiram-se para Taquaruçu seguindo as “visões” de Teodora, uma menina de 11 anos que dizia receber mensagens do monge José Maria em sonhos. O monge pedia que seus seguidores se reunissem em Taquaruçu. O povoado tornou-se, assim, uma “cidade santa”, sob o governo da Monarquia Celeste cujo rei, José Maria, estava com o “exército encantado de São Sebastião”.

Teodora, a menina vidente relatava a um conselho de anciãos seus sonhos com José Maria. Ela servia como um elo entre dois mundos: o encantado e mítico e o  dos sertanejos. Não foi a única mulher a exercer um poder místico e simbólico. Tiveram destaque também Maria Rosa, Chica Pelega e Nega Jacinta. Cada qual teve sua contribuição no conflito do Contestado.

Os habitantes do reduto se autodenominavam pelados, já que muitos tinham sofrido a intimidação do Chefe político de Curitibanos, Coronel Albuquerque, e tiveram suas cabeças raspadas pelo Chefe de Polícia. Ao longo do tempo adotaram o corte rente do cabelo como fator visual distintivo dos moradores das cidades santas. Em contrapartida, chamavam os soldados de peludos.

Massacre de Taquaruçu

Taquaruçu foi atacada em 29 de dezembro de 1913 por 370 soldados do Exército, policiais de Santa Catarina e vaqueanos (milícia mercenária contratada pelos coronéis). O combate na mata dificultou o movimento da artilharia e favoreceu os sertanejos que, mestres da tocaia e da arma branca, conseguiram derrotar as tropas governistas.

O segundo ataque, em 8 de fevereiro de 1914, veio mais forte com 700 soldados e fortemente armados. O povoado foi bombardeio por canhões e granadas que atingiu principalmente mulheres, crianças e idosos, pois a maior parte dos homens havia partido para formar outro reduto, o de Caraguatá.

Cerqueira César, o médico militar que presenciou o ataque a Taquaruçu comentou a respeito:

“O estrago da artilharia sobre o povoado de Taquaruçu era tremendo: grande número de cadáveres (…); pernas, braços, cabeças juncavam o chão; casas queimadas ruíam por toda parte. Fazia pavor e pena o espetáculo que então se desdobrava aos olhos do espectador: pavor de destroços humanos; pena das mulheres e crianças que jaziam inertes por todos os canto do reduto. De nada lhes serviram as trincheiras feitas de pinheiro, nem as 105 cavidades quadradas que fizeram no chão onde se metiam para se abrigarem da metralha.” (SOUZA e MACHADO, 1997, p. 83)

Caraguatá: o ponto de virada da guerra

Em 9 de março de 1914, as tropas cercaram e atacaram Caraguatá, porém com um resultado desastroso: a fuga em pânico dos soldados que foram perseguidos pelos revoltosos. Uma epidemia de tifo espalhou os caboclos e causou baixas nas tropas. Outras expedições foram enviadas nos meses seguintes, todas sem sucesso. O fato repercutiu em todo o interior, trazendo para os sertanejos ainda mais pessoas com interesses afins.

Os sertanejos partiram para a ofensiva: passaram a atacar fazendas, povoados, a estação ferroviária de São João onde cortaram o tráfego de trens, e até a serraria da Lumber, em Calmon. Em 26 de setembro de 1914, ocuparam Curitibanos, o pólo urbano da região: aos gritos de “Chega de pobreza!” incendiaram as casas do prefeito e de seus partidários. Deixaram escrito:

“Nós estava em Taquaruçu tratando da nossa devoção, não matava nem roubava. O Hermes (da Fonseca) mandou suas forças covardemente nos bombardear, onde mataram mulheres e crianças. O governo da República toca os filhos brasileiros do terreno que pertence à nação e vende para o estrangeiro; nós agora estamos dispostos a fazer prevalecer os nossos direitos”. (MACHADO, 2004).

As derrotas atingiram em cheio os governos do Paraná e Santa Catarina e afetaram a autoridade do presidente da República, o marechal Hermes da Fonseca. Com mandato encerrado em novembro daquele ano, Hermes da Fonseca foi sucedido por Venceslau Brás que ainda enfrentou outros dois anos de combates até pôr fim à Guerra do Contestado.Fonte

  • ALMEIDA JR., Jair de. A Religião Contestada. São Paulo: Fonte Editorial, 2011.
  • FRAGA, Nilson Cesar. (Org.). Contestado em Guerra, 100 anos do massacre insepulto do Brasil – 1912-2012. Florianópolis: Insular, 2012.
  • FRAGA, Nilson César. “Contestado: a grande guerra civil brasileira”. In: SCORTEGAGNA, A. REZENDE, C. J. TRICHES, R. I. Paraná, espaço e memória: diversos olhares histórico-geográficos. Curitiba: Bagozzi, 2005.
  • MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestadoa formação e a atuação das chefias caboclas. Campinas: UNICAMP, 2004.
  • ________. A aventura cabocla do Contestado: o conflito e seu desfecho. Arquivo Nacional Que República é essa? Portal Estudos do Brasil Republicano. 31 julho 2018.
  • MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os errantes do novo século. São Paulo: Duas Cidades, 1974.
  • TOTA, Antônio Pedro. Contestadoa guerra do novo mundo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
  • SOUZA, Claudia M.; MACHADO, Ana Claudia. Movimentos sociais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1997.