Os Índios Botocudos que foram expostos em Zoológicos Humanos na Europa e nos Estados Unidos

"No Século XIX surgem as exposições etnográficas na Europa marcadas pela prática colecionista e pela ambição de conhecer, e categorizar o mundo.

O Brasil Império no Reinado de Dom Pedro II insere-se no quadro das grandes Exposições Internacionais, bem como das exposições etnográficas desenvolvidas ao longo do século XIX.

Tais exposições têm sido conceituadas como zoológicos humanos, embora para os seus contemporâneos fossem denominadas de shows etnográficos, exibições antropológicas ou shows étnicos.

Em um momento em que se procurava o “elo perdido” entre homem e macaco, no conceito evolucionista darwinista e racialista, os pesquisadores do Museu Nacional no Rio de Janeiro afirmavam que os indígenas Botocudos, resistentes a aculturação, seriam o grupo primitivo mais inferior na "escala evolutiva."

Se pesquisadores de várias partes do mundo tendiam a afirmar que os pigmeus seriam o elo perdido, segundo o Museu Nacional ele estaria no Brasil. Esta é uma das razões por que houve a Exposição Antropológica Brasileira de 1882.

Ao todo, um grupo de índios Botocudos do Espírito Santo, ficaram na corte imperial por 56 dias, onde se sentiam descontentes de participarem da exibição científica como animais. Por meio da imprensa, era sabido que os índios fugiam do público, eram perseguidos e empurrados, se sentiam “nostálgicos”, emagreciam de fome, declaravam abertamente que queriam retornar ao Mutum, além de terem sido enganados para estar no Rio de Janeiro. Não havia pudor em relatar nenhuma dessas violências, sempre eufemizadas nas narrativas jornalísticas, em favor da “festa da ciência”.

Os Botocudos retornam para o aldeamento do Mutum no dia 30 de agosto de 1882, embarcados no paquete Ceará, o mesmo que os trouxera.

É certo que os organizores da Exposição tinham a intenção de repetir na Europa o sucesso e furor causado pelos Botocudos na corte brasileira, imitando em Londres não só o mesmo título e temática, como levando inclusive índios da mesma trupe que compunha a exposição do Museu Nacional. A exposição é inaugurada em Londres, no teatro popular Piccadilly Hall, em meados de maio de 1883.

O Jornal "Diário do Brasil" protestou contra a iniciativa:

"Deu o governo geral permissão para seguirem esses filhos das selvas para a Europa? Será uma especulação, como qualquer outra para se ganhar dinheiro pela exposição dos mesmos? Póde-se dispor da liberdade dessas tristes creaturas, que lá vão sujeitar-se, sabe Deus como, a saciar o gosto de observação dos estrangeiros! Voltarão elles ao seu Aldeamento no Rio-Doce, ou morrerão, coitados, de nostalgia?

Pobre Brazil e pobre provincia do Espirito-Santo!

[…]. E os pobres indios morrendo, porque a estação na Europa é fria, ainda seus ossos serão vendidos para estudos nas academias e em gabinetes particulares!…"

A Gazeta de Noticias (1882f, p. 1) afirma que o embarque “a todos pareceu repugnante, porquanto constava que o embarque dos botocudos fôra feito com o proposito de abrir-se uma exposição dos pobres indigenas na Europa”. Os Botocudos deveriam “figurar aos olhos da civilisação do velho mundo, naturalmente mediante pagamento, como typos da raça aborigene d’este feliz imperio da Santa Cruz”.

Em 1883 cinco Botocudos brasileiros foram exibidos no Piccadilly Hall, o teatro popular de Londres. Esta exposição teve como objetivo replicar na Europa o sucesso alcançado pela exibição de sete Botocudos, realizada no ano anterior pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro na Exposição Antropológica Brasileira.

Medido e estudado por cientistas do Instituto Antropológico da Grã-Bretanha e Irlanda, os Botocudos se apresentavam diariamente para o público de Londres, Manchester e Sheffield, até serem vendidos para P.T. Barnum, para turnê pelos EUA no Grande Congresso Etnológico de Bailey e no Barnum Circus

A versão londrina da Exposição Antropológica Brasileira foi inaugurada na segunda-feira, 28 de maio de 1883, no popular entretenimento local de eventos Piccadilly Hall. Os cinco Botocudos que saíram do Brasil em novembro do ano anterior chegaram a Londres no frio de janeiro, quando se tornaram tema de conversa e curiosidade no Parlamento Britânico, após uma breve estadia na cidade francesa de Le Havre.

Após a chegada a Inglaterra, Cremilde Barata demorou quatro meses Ribeiro, responsável por este empreendimento, para abrir a exposição. Durante os meses que antecederam a exposição, os Botocudos ficaram em Londres, acompanhados por Cremilde Barata Ribeiro e sua esposa inglesa, Elizabeth Hughes. Seu irmão Athanagildo Barata Ribeiro, que permaneceu no Brasil, escreveu uma série de cartas defendendo empreendimento de Cremilde, enquanto os jornais brasileiros os acusavam de explorando Botocudos como atrações circenses.

Após passarem por Manchester e outras cidades, os planos de Barata Ribeiro de exibição dos índios na Irlanda foram alterados quando conheceu Phineas T. Barnum, um proeminente empresário e showman de circo americano, que havia planejando há anos o Grande Congresso Etnológico, um espetáculo que reuniria todas as “estranhas tribos selvagens” no mundo. A bordo do barco a vapor da companhia Inman, os cinco Botocu- dos partiu do porto de Liverpool com destino aos Estados Unidos, acompanhado por P. T. Barnum pessoalmente e um intérprete, provavelmente habilmente Cremilde Barata Ribeiro, que passou de ‘colonizadora comercial’ ao tradutor, interpretando para o inglês o que o ‘mulher índia catequizada’ traduzida da língua Krenak para o português.

Como forma de manter as coisas em segredo e, ao mesmo tempo, fazer propaganda os Botocudos, quando chegavam aos Estados Unidos, entrando pelo porto da cidade de Richmond, as mulheres com roupas de madeira discos ‘mantinham seus rostos cuidadosamente cobertos com xales enquanto estavam no navio a vapor', já que, segundo o relato de um repórter, 'A primeira visão dessas mulheres teriam o efeito peculiar de fazer com que o espectador estremecese’

Em meados de 1884, os Botocudos retornaram ao Brasil feita por apenas dois dos cinco Botocudos que haviam saído em novembro de 1882 e sobrevivido as baixas temperaturas da Região.

A viagem em que os Botocudos foram apresentadas ambiguamente como curiosidades científicas no National Museu, desenvolve-se numa trajetória ascendente para apresentações de circo e de horrores, ao longo das exposições em Londres e os Estados Unidos. Os objetivos de entretenimento e comercio ultrapassaram a direção científica e antropológica inicial de as exposições.

A Vitrine de um Brasil moderno e evento científico mais importante do Brasil oitocentista, a versão não oficial da Exposição Antropológica Brasileira, promovida em Londres, foi capaz de produzir uma rachadura no espelho diante do qual o Brasil gostaria de se ver."

Fonte: A Exposição Antropológica Brasileira de 1882 e a exibição de índios botocudos: performances de primeiro contato em um caso de zoológico humano brasileiro. Marina Cavalcante Vieira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ, Brasil Doutoranda em Ciências Sociais

domingo, 12 de janeiro de 2025

Os Índios Botocudos que foram expostos em Zoológicos Humanos na Europa e nos Estados Unidos

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