O Padre Maçom que reconstruiu a Basílica Velha de Aparecida

Frei Joaquim do Monte Carmelo dos Santos (1813-1899) foi um padre beneditino, maçom, orador, escritor e jornalista baiano conhecido pela sua defesa do regalismo no Brasil (doutrina que concedia aos monarcas o direito de interferência em questões religiosas.)

Nasceu em Salvador, Bahia, em 1813. Filho de Francisco Gonçalves dos Santos e de Maria Francisca Rosa da Conceição, entrou para o mosteiro beneditino de Salvador aos 19-9-1835, recebendo ali a tonsura no dia 22 de setembro do ano seguinte. Ordenado presbítero aos 9-4-1837, tornou-s capelão da irmandade de Nossa Senhora das Angústias.

Em dezembro de 1838 foi transferido para o mosteiro do Rio de Janeiro e mais tarde, em 1842, feito presidente do mosteiro de Santos. Daí seguiu para Roma, onde se doutorou em Direito Canônico. De volta ao Brasil, iniciou-se na maçonaria aos 14-11-1843 e, embora não existam provas que consintam uma associação dos fatos, quase contemporaneamente se desentendeu com os seus superiores. Em 1845, tornou-se padre secular e, depois de realizar uma nova viagem aos Estados Pontifícios, fixou residência na diocese paulista, sendo honrado aos 6-9-1848 com o título de cônego da catedral e lente de retórica do curso anexo.

Dom Antônio Joaquim de Melo o forçaria a abandonar o Cabido, motivo pelo qual Monte Carmelo sempre se referiria a ele nos seus escritos de forma injuriosa, mesmo longos anos após sua morte, como bem o demonstram as palavras que usou em 1873 na obra "O Arcipreste de São Paulo Joaquim Anselmo d'Oliveira e o clero do Brasil." Seu caso foi deveras singularíssimo: ao contrário do que fariam praticamente todos os brasileiros que estudaram nas ortodoxas escolas europeias do século XIX, Monte Carmelo não apenas rejeitou a aproximação da Igreja do Brasil com a Santa Sé, como se transformou num verdadeiro porta-voz do regalismo clerical.

Em 1877, Dom Antônio de Macedo Costa teceria sobre ele uma crítica feroz: "Em falta com a lei de residência ha quatorze anos em que mora no Rio, autor de um livro infame e obsceno intitulado: " Brasil mistificado na Questão Religiosa" de um sermão herético e de outras obras no índex, este padre publica em um dos principais jornais do Rio uma série de artigos pagos pela maçonaria, intitulados "Os infalíveis de Roma"; nos quais os Sumos Pontífices são arrastados uns após outros na esteira dos mais infames insultos e calúnias. Este miserável, eu sou testemunha disso, celebra missas todos os dias no Rio de Janeiro!'

Dom Antônio tinha motivos para estar ressentido: nos seus escritos, o polêmico clérigo baiano, além de posicionar-se claramente contra os bispos envolvidos na "Questão Religiosa" e criticar Cândido Mendes, tecia rasgados elogios à maçonaria e a Joaquim Saldanha Marinho. Suas obras eram todas anônimas, mas logo tiveram a autoria identificada.

Monte Carmelo era conhecido pelo temperamento difícil, agressivo e irreverente demais para a época. Atacava seus superiores e as doutrinas da Igreja.

Gestos de rebeldia foram a gota-d’água para que ele sofresse a censura da suspensão do uso de ordens. Escalado para fazer a leitura, mas negando-se a fazê-la, Dom Lino durante a celebração, pediu-lhe que a fizesse. Sua resposta em voz alta, porém, foi: “leia V. Ex.ª Revma. se quiser”, com escândalo dos fiéis que assistiam ao Ofício Divino na Catedral. Pelo ano de 1848, com licença do Imperador Dom Pedro II, foi exclaustrado, passando a viver como padre secular.

Por outro lado, o padre rebelde aliado da maçonaria ajudou a edificar a bela igreja de tardia inspiração barroca de Aparecida e permaneceu seu capelão até 1878, embora pouco residisse naquelas redondezas.

Ao chegar ao vilarejo de Aparecida, diante do estado da Igreja, em 1876, o frei resolveu tomar uma decisão, parada há 13 anos, não por falta de verba, mas sim por causa da desonestidade de tesoureiros. O cofre, as jóias doadas, a cera dos ex-votos e os bens da Senhora Aparecida eram, na época, pessimamente cuidados.

A decisão de Monte Carmelo foi retomar a construção da nova basílica. O frei baiano se tornou o empreiteiro da obra. Naquele tempo, a riqueza do café refletia também nas rendas do cofre. Em meio ao conflito com a administração dos cofres, o frei foi conseguindo recursos para a realização das obras. A personalidade forte do beneditino ali estava para superar os erros e desonestidades dos tesoureiros. Pôde ele, assim, edificar o corpo da igreja e o presbitério maior, em concordância com a fachada que ele já havia encontrado pronta.

Teve de dispor de seus bens pessoais para saldar compromissos com os fornecedores de materiais para a construção. Fez de tudo para que a obra não parasse. Entretanto, os maus tesoureiros tiveram a ousadia de processá-lo, mas naturalmente ele recorreu e ganhou a causa.

Anos antes da inauguração, em meados de 1886, Monte Carmelo iniciou a demolição do que sobrara da antiga nave. Com isso, a imagem de Nossa Senhora e o antigo cofre foram transferidos para a capela do Santíssimo, à direita do altar-mor, onde ficaram até as vésperas da inauguração.

Depois de quase 40 anos, Monte Carmelo pôde ver o resultado de sua dedicação. O grande dia da inauguração havia chegado. Era 24 de julho de 1888, um domingo. O frei, que não celebrava missa há algum tempo, no entanto, teve a permissão para realizá-la. Os registros mostram que ele pregou um belo sermão, intitulado 'A Igreja perante a Arte e a Arte perante a Igreja'. No término da celebração, ele foi abraçado por quase todos que o assistiam. Ao fim, as lágrimas dos abraçadores se confundiam com a dos abraçados.

Após a proclamação da República, Monte Carmelo foi readmitido na Ordem Beneditina aos 2-3-1891. Feito de novo presidente do mosteiro de Santos em 1893, por ser um dos pouquíssimos beneditinos ainda sobreviventes no Brasil, opor-se-ia tenazmente contra os monges europeus que se propunham a restaurar a vida monástica no país.

Sem conseguir seu intento, nem renunciar às suas ideias, regressou à Bahia em junho de 1898. Recolhido no mosteirinho de Nossa Senhora do Montserrat, ali faleceu aos 11-8-1899.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

O Padre Maçom que reconstruiu a Basílica Velha de Aparecida

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