Europeus na Baía de Paranaguá. Hans Staden. Primeiros registros geográficos.
A presença européia no estado do Paraná começou pelo litoral, poucos anos após a descoberta do Brasil e antes das famosas expedições que cruzaram por terra o estado pelo Peabiru, o antigo caminho indígena transcontinental. A Baía de Paranaguá foi atingida por deportados e náufragos das expedições portuguesas de 1501-1503, a partir de Cananéia, no litoral extremo-sul de São Paulo, segundo o geógrafo e pesquisador Reinhard Maack.
Em 1501, antes mesmo do regresso de Pedro Álvares Cabral das Índias, uma expedição de três naus já se encontrava a caminho da nova terra para explorá-la. Ela teria partido em 10 de maio de 1501 segundo o geógrafo alemão Sebastian Muenster. A nau dirigida por André Gonçalves retornou a Portugal e confirmou o êxito da viagem de Cabral à Terra de Santa Cruz, tida como uma ilha. O comandante explorou a costa sul. Mas há dúvidas se atingiu o Cabo de Santa Maria, no flanco norte da foz do rio da Prata.
Em 1503, afirma Maack, uma nova frota de seis navios deixou Portugal rumo à nova terra sob o comando de Gonçalo Coelho. O navegador Américo Vespúcio comandava uma nau. Após a exploração, separou-se e voltou a Portugal. “Também dessa vez nenhuma das naus atingiram a foz do rio da Prata, mas é provável que, por ocasião das viagens entre 1501 a 1503, a entrada da Baía de Paranaguá tenha sido conhecida pela primeira vez”. O geógrafo baseia-se em mapas anônimos de 1505-1506 feitos em função das duas expedições.
Esses mapas foram reproduzidos em registros cartográficos da época, como o atlas de Kunstmann, o mapa de Nicolau Canero (1505), o de Martin Waldseemueller (1507) – em que aparece pela primeira vez o nome América – e o mapa de Ruysch (1508), entre outros. O nome Brasil aparece pela primeira vez no mapa do português Alberto Cantino, de 1502. E o mapa-múndi de Leonardo da Vinci de 1515 chega só um pouco ao sul de Cananéia, onde o continente sul-americano termina desfigurado.
Somente após 1520 os mapas representam a costa sul-americana até a foz do rio da Prata. E a partir de 1527, aponta Maack baseado no mapa de Vesconti di Maiolli, a costa é representada até o estreito de Magalhães, com a indicação da unidade contínua do continente através da América Central. O mapa de Sebastian Muenster, de 1544, mostra o continente da América do Norte até o Estreito de Magalhães.
Porque a Baía de Paranaguá não aparece nas representações cartográficas?
Maack chegou à conclusão que ela não foi descoberta por via marítima. A Baía de Paranaguá foi descoberta por deportados e náufragos das primeiras expedições.
Relatos da expedição de Martim Afonso de Souza de 1531-32 também nada mencionam sobre o reconhecimento, a partir do mar, da Baía de Paranaguá. “Entretanto, a baía era conhecida pelos portugueses que se haviam radicado em Cananéia desde 1501. Estes puderam atingir em canoas, a oeste da Ilha do Cardoso, canais de comunicação (varadouro velho) que conduziam ao Canal de Superagüi”, argumenta Maack.
Entre os sobreviventes dos náufragos e deportados das primeiras expedições que os irmãos Martim Afonso de Souza e Pedro Lopes de Souza encontraram em Piaçagüerra e Cananéia, em 1531-1532, sobressai a figura de João Ramalho. Ele se uniu à índia Bartira, filha do poderoso cacique Tibiriçá (depois batizado pelos jesuítas Martim Afonso Tibiriçá), do grande aldeamento tupiniquim Inhapuambuçu, e no núcleo onde vivia fundou Santo André da Borda do Campo (atual Santo André).
Respeitado por portugueses e índios, João Ramalho tornou-se grande potentado. Em 1531 comandou europeus, índios e mamelucos na recepção a Martim Afonso de Souza, que fundou São Vicente, oficializou a vila de João Ramalho e o nomeou Capitão-Mor dos Campos de Piratininga. Mais tarde o povoado foi transferido para a Vila de São Paulo de Piratininga.
Portanto, a história de Santo André está ligada à colonização da capital paulista. João Ramalho pode ser considerado o primeiro povoador europeu de São Paulo. Outros europeus das primeiras expedições – também citados pelos historiadores – são Antonio Rodrigues, Diogo de Braga, Pero Capico, Henrique Montes, Antônio Ribeiro, Domingos Gonçalves Peneda e Cosme Fernandes (mestre Cosme), cristão-novo condenado por suposto delito religioso.
Luiz Romanguera Netto, autor do artigo “O Paraná Espanhol”, publicado em 1999 no Boletim do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, afirma que “mesmo antes dos portugueses dividirem nosso país em capitanias, as terras do sul já eram conhecidas e exploradas pelos mais diversos aventureiros”. Para ele as expedições que exploraram o litoral sul teriam visitado a Baía de Paranaguá. O escritor lembra que espanhóis comandados por Ruy Mosquera andaram em Superagüi e Iguape no início do século XVI.
Vejamos a conclusão de Reinhard Maak: “Partindo de Cananéia, os portugueses ocuparam primeiramente a Ilha da Cotinga, na Baía de Paranaguá, tendo iniciado, com isto, a conquista do estado do Paraná. Os portugueses também se apoderaram das terras circundantes da Baía como esfera de interessa da Coroa de Portugal”.
É de Hans Staden, artilheiro alemão que fez duas viagens ao Brasil entre 1548 e 1555, o primeiro registro sobre a entrada na Baía de Paranaguá pelo mar em seu livro “Meu Cativeiro Entre os Selvagens do Brasil”, publicado em vários idiomas. Durante a segunda viagem (1549) da expedição espanhola de Don Diego de Sanabria à procura da ilha de Santa Catarina, a nau foi arrastada por uma tempestade na costa paranaense até a Ilha de Superagüi.
Staden, com ajuda de índios tupiniquins, fez contatos com portugueses radicados em São Vicente e Cananéia. Ele elaborou a primeira carta da baía, com o canal de Superagüi, a Ilha das Peças, representada como península e mais três ilhas que podem ser identificadas como Ilha do Mel, Ilha de Cotinga e Ilha Rasa da Cotinga. Ele também dá o esboço da linha da costa, desde o Pontal do Sul até a Ponta de Caiobá, com a entrada da Baía de Guaratuba.
Martim Afonso de Souza foi o primeiro donatário da região costeira, de Paranaguá para o norte, na Capitania de São Vicente. Seu irmão Pedro Lopes recebeu a região sul até Laguna, a Capitania de Santo Amaro. Os portugueses entendiam que a linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas cortava Laguna, na costa de Santa Catarina. Para os espanhóis a divisão se dava em Iguape, no litoral sul de São Paulo.
O pesquisador revela que os espanhóis, nos mapas antigos, denominavam a costa de Santa Catarina de “Terra de Vera”, nome dado por Alvar Nuñes Cabeça de Vaca. Já a Baía de Paranaguá era cartografada como “Bajo dela Corona de Castilla”. Apesar disso, os portugueses continuaram proprietários de fato da Baía de Paranaguá.
A insegurança sobre a linha de Tordesilhas é o motivo – segundo Maack – de os portugueses não terem se aventurado pelo interior do Paraná. Contentaram-se, a princípio, com a povoação da costa. Já a Ilha de Santa Catarina (Terra de Vera, Nossa Senhora do Desterro e Florianópolis hoje) era o ponto de encontro das naus espanholas em viagem para o sul. Dessa base, os espanhóis penetraram mais cedo que os portugueses no planalto e no interior do novo continente.
FONTE Geografia Física do Estado do Paraná, Reinhard Maack, 1968, Livraria José Olympio Editora (O autor dedica o capítulo I às primeiras viagens ao novo mundo e à presença européia no Paraná. Cruza importantes informações históricas e cartográficas do início do século 16 de diversos países europeus);
História de Santos/Poliantéia Santista, Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti, 1986, Editora Caudex Ltda.
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