QUEM FEZ O EXAME DE ADMISSÃO AO GINÁSIO ?
Iniciei meus estudos em 1962, com sete anos, cursando a primeira série do então Ensino Primário. Foi no saudoso Grupo Escolar João Guilherme, na cidade de Paranaguá. O Ensino Primário, ministrado em quatro séries anuais, tinha um currículo de conhecimentos básicos dentro das disciplinas de Português, Matemática, Geografia e História, os quais propiciavam aos alunos o ingresso no mundo dos adultos, sabendo ler, escrever, calcular problemas simples, além dos conhecimentos iniciais da geografia e história do Brasil. Passei tranquilamente série após série, até concluir a 4ª série, em 1965.
Ao entrar na escola, tinha sido grandemente motivado pelo minha incansável mãe que costurou um par de aventais brancos, com cinto fivelado, pano plissado com amido, comprido ia até aos joelhos. Era uniforme obrigatório que eu usava com grande alegria, desfilando pelo caminho até a escola. Para carregar meus alfarrábios, herdei uma mala de couro usada, que tinha sido do meu irmão já por três anos.
Cheio de vontade de vencer, tirei o 1º lugar entre todas as classes de 1ª série. No ano seguinte, cursando a 2ª série, alcancei o 2º lugar entre as classes da série. Ao cursar a 3ª série, tirei o 3º lugar e, previsivelmente, ao cursar a 4ª série, tirei o 4º lugar. Em cada ano, fui condecorado pelas professoras que, felizes com meu desempenho, presentearam-me com caixa de lápis de cor, régua de madeira, conjunto de lápis Fritz Johansen e, por último, um apontador.
Ao terminar a 4ª série, logo fui avisado para preparar-me para uma sabatina que me esperava, visando saber se eu tinha assimilado os conhecimentos necessários ao ingresso no Ensino Ginasial. Tinha em meu poder a cartilha Bitu-Bate-Bola que usei na 1ª série e os meus cadernos brochuras (eram os únicos que podíamos usar no Primário, os espirais só podiam ser usados no ginásio), que continham todos os pontos (conteúdos) que haviam sido passados no quadro-negro e, em cada ponto, os exercícios fielmente realizados.
Era a temida prova chamada "Exame de Admissão ao Ginásio", cujo propósito era verificar se o aluno possuía os conhecimentos satisfatórios da Educação Primária para poder cursar a 1ª série ginasial. Não era seletiva para impedir o acesso de todos ao ensino chamado Secundário, como muitos recém-formados de Sociologia, costumam rotular. Lembro-me que, tanto os colegas de rua, quanto meus irmãos e parentes, todos pobres, tivemos a mesma oportunidade, muitos deles estudaram nas mesmas classes que eu, e a maioria passou no Exame. Só deixaram de prosseguir estudos, os que foram preguiçosos, os que não gostavam de estudar e os gazeteiros. Alguns alunos deixavam a escola por força, para ajudar os pais.
Naquela época, nas cidades do interior, era natural os filhos atingirem certa idade e serem levados pelos pais ao trabalho para ajudarem a compor a renda familiar, pois as proles eram de tamanho considerável. Tal costume forçava os filhos com 10 anos ou mais a abandonarem os estudos. Era difícil alguém chegar a idade adulta e retornar à escola, a maioria nunca mais voltava aos bancos escolares, acomodando-se em alguma atividade que precisava apenas de conhecimentos elementares. Quando algum adulto trabalhador braçal era perguntado sobre seus estudos, ouvia-se - "não completei o Primário, tive que ajudar meus pais, desde cedo".
Lembro-me que, naquela ocasião, eu tinha certa dificuldade para compreender alguns cálculos matemáticos; então minha mãe, mulher muito sábia, procurou uma professora particular, dona Maria Emília, que repassou em algumas aulas, as operações matemáticas que eu não havia assimilado bem.
Pois bem, chegou o tão esperado dia. Eu estava encarando o Exame com bastante responsabilidade pois sabia que eu só tinha uma opção: passar, ou passar. Todos os esforços dos meus pais em manter-me estudando, como roupa lavada, uniforme, calçado nos pés, merenda caseira, etc. eram fatores que me levaram a encarar tudo como um investimento deles em mim, cujo retorno da minha parte não poderia decepcioná-los.
Ao chegar à escola no tão esperado dia, fui informado que haveria uma chamada para o ensalamento para realizar as provas escritas. Ao entrar na sala designada, as professoras examinadoras orientaram para que sentássemos carteira sim, carteira não. Era para que ninguém esticasse o olho na prova do vizinho.
Recebemos um conjunto de folhas timbradas com o nome "Estado do Paraná" e, logo abaixo, tinha um campo para escrevermos nosso nome, outro para colocar a data e outro, no canto direito, com a palavra "nota", onde as professoras colocariam a nota obtida. Eram cinco folhas pautadas em branco, e destinavam-se a transcrevermos do quadro-negro as questões de Português, de História, de Geografia, de Matemática e a outra para ser usada como rascunho-borrão. Essa última, não poderia ser destacada do conjunto, deveria ser entregue normalmente, para que os professores examinadores pudessem analisar/aproveitar alguma evidência de algum cálculo mental parcial ou raciocínio lógico que pudesse evidenciar aproveitamento.
Naquela época o acesso às artes gráficas era algo caro e o mimeógrafo à álcool ainda não havia chegado às escolas, pois era relativamente desconhecido, visto os primeiros terem sido fabricados no Brasil, somente mais tarde. A fotocópia ainda não havia sido desenvolvida na forma como a conhecemos atualmente, de modo que as professoras só tinham o quadro-negro como instrumento para interagir com os alunos e esses, as próprias mãos para completar a interação. Todas as provas deveriam ser escritas somente à lápis, pois as canetas de penas metálicas, de difícil manuseio, não eram adotadas no Primário, e as canetas-tinteiros eram um privilégio de poucos. De modo que a regra era o uso de lápis e borracha. Os professores corrigiam as provas com lápis de cor, de tom vermelho.
No quadro-negro estavam transcritas as questões da prova de Português. Fomos orientados a copiar cada questão, deixando determinado espaço entre uma e outra questão, para escrevermos as respostas. Ao terminarmos de copiar as questões de Português, em seguida as professores passaram ao quadro-negro as de Matemática, depois as de História e, por último, as de Geografia. Essas provas eram elaboradas, aplicadas e corrigidas pelos professores da própria escola.
A prova escrita de Português (em algumas escolas era chamada de Linguagem), era composta de alguns exercícios de gramática básica; mais um determinado tema para desenvolvermos uma pequena redação, com número mínimo de linhas a serem escritas e, por último, copiarmos um pequeno ditado aplicado pela professora. Em todas estas etapas, eram avaliadas também a caligrafia e a ortografia para se aferir a capacidade de esçrita das palavras.
Cada escola interpretava os aspectos legais para o Exame e criava critérios específicos, tipo: Na prova de Português, se o aluno cometesse oito erros de grafia no ditado, já recebia nota zero nele. Na redação era difícil a condição do examinador, pois tinha que atribuir nota mediante parecer com critérios subjetivos, tentando entender a pouca vivência de vida do aluno, cuja maioria escrevia a partir de suas humildes origens.
Seguia-se a prova escrita de Matemática (em algumas escolas era chamada de Aritmética), a qual procurava apurar o domínio das operações fundamentais e o desembaraço no cálculo. As provas escritas de Português e Matemática, tinham caráter eliminatório, o candidato tinha que alcançar a média mínima de 5,0 pontos, de um total de 10,0, em cada uma delas.
Algo que marcou aquele tempo do Primário: aprendi a resolver as questões de Matemática, dividindo o campo de resposta em três espaços semelhantes, colocando duas linhas verticais entre eles. No espaço da esquerda, escrevíamos a palavra "solução"; no espaço do meio, a palavra "cálculo" e no da direita, a palavra "resposta".
Pois bem, fiz todas as provas escritas com certa facilidade, nas quais obtive nota maior que 5,0 pontos, o que me garantiu ir para a etapa seguinte, aos Exames Orais que seriam realizados no dia seguinte.
Logo cedo, estava eu algum canto da escola, concentrado repassando de memória tabuadas, conjugações verbais, datas nacionais, etc, esperando minha vez para realizar as provas orais. Quando entrei na sala específica, notei as professoras examinadoras estavam sentadas de frente a quatro escrivaninhas enfileiradas, formando a "banca examinadora". As provas orais duravam entre 5 a 10 minutos, no máximo.
Na prova oral de Português, a professora entregou-me um texto para que eu lesse em voz alta e, após, tive que responder perguntas relativas ao texto, de modo que demonstrei plena compreensão da leitura. Ela ainda extraiu do texto, as palavras mais difíceis para que eu apresentasse seus sinônimos e antônimos. Por fim, pediu que conjugasse determinados verbos.
Na prova oral de Matemática, a professora examinadora formulou alguns problemas simples que demandaram cálculos mentais rápidos. Depois tomou algumas tabuadas das quatro operações, até o dez. Por último, apresentou alguns números romanos menores que 50.
Na prova oral de História foi perguntado sobre alguns personagens históricos do Brasil como Cabral, Dom Pedro I, Dom Pedro II, Tiradentes e Floriano Peixoto; aspectos históricos da cidade de Paranaguá, etc.
Na prova oral de Geografia, a examinadora perguntou os nomes dos Estados e suas capitais; nomes de alguns rios e seus afluentes; clima e relevo; planetas do sistema solar, movimentos da Terra, fases da lua, etc.
Ao final das interrogações cada examinador apresentou sua nota, a qual foi somada com a prova escrita e apurada a média de cada matéria, tendo eu obtido nota superior a 5,0 em todas elas e fui considerado aprovado e apto a "ingressar nos estudos ginasiais".
Ao chegar em casa com a boa notícia, meus pais exultaram de alegria, principalmente minha mãe que, apesar da obstinação que teve de motivar todos os filhos ao prosseguimento dos estudos, ela mesma não teve essa sorte. Teve que largar o Primário na terceira série para trabalhar e ajudar no custo familiar. Meu pai teve mais sorte; de família metodista, concluiu o Primário na Escola Metodista e, mais tarde, fez o curso de Mecânica Geral, no Senai, cuja qualificação norteou seu trabalho profissional como torneiro mecânico até o fim de sua vida.
Alguns meses depois, já em 1966, estava eu vestido com o novo uniforme de ginasial, no Colégio Estadual José Bonifácio: calça cáqui, camisa branca manga curta, meia branca e sapato preto, devidamente lustrado. Agora, sonhando como um pequeno homenzinho, olhando para o futuro.
Aos alunos que reprovaram o Exame de Admissão ainda haviam alternativas para buscar acesso ao ginasial. Podiam fazer os Exames Admissionais que eram oferecidos no começo de fevereiro do ano seguinte. A saída era procurar professores particulares que se propunham a dar aulas em suas casas; geralmente atendiam um grupinho de até uma dúzia de alunos, em sua sala de visitas ou em uma garagem. Tinham que correr, iniciavam suas aulas logo após a virada do ano e estudavam até a véspera do dia do Exame, no começo de fevereiro. Alguns professores ministravam aulas nos dois turnos para poder abranger mais conteúdos do programa. Para eles, era barra, tinham que estudar/revisar tudo em tão pouco tempo. Era um protótipo dos atuais cursos "Preparatórios aos Vestibulares".
Aos que não conseguiam sucesso nessa segunda chance, a saída era fazer o curso preparatório, ao longo do ano seguinte, os quais eram oferecidos por professores particulares, que alugavam ou emprestavam uma sala de alguma escola, geralmente em contra-turno, onde uma boa turma era preparada ao longo desse novo ano.
Outros, mais precavidos, faziam um curso preparatório concomitantemente ao 4° ano do Primário, chegando ao final do ano letivo, bem preparado e com potencial maior de sucesso na primeira oferta dos Exames, também em dezembro.
Para esse mister, esses professores adotavam o livro "Programa de Admissão", editado pela Cia. Editora Nacional, que tinha como autores os professores Aroldo de Azevedo (Geografia), Joaquim Silva e José de Arruda Penteado (História do Brasil), José Cretella Júnior (Português) e Osvaldo Sangiorgi (Matemática), cuja primeira edição foi em 1956.
Ou adotavam o livro "Admissão ao Ginásio", da Editora do Brasil S/A, que tinha como autores os professores Aida Costa (Português), Renato Pasquale (Matemática), Renato Stempniewski (Geografia) e Aurélia Marino (História do Brasil), cuja primeira edição foi em 1943.
Haviam outros livros preparatórios menos conhecidos que eram produzidos isoladamente em alguns estados, porém, com pouca divulgação, não foram conhecidos nacionalmente.
Esses livros didáticos começaram a ser publicados com a instituição do Exame na década de 1930 e alguns alcançaram grande sucesso editorial, com sucessivas edições e grandes tiragens, até a extinção oficial do Exame de Admissão, em 1971. Estima-se que alguns desses livros tiveram tiragem superior a 5 milhões de unidades.
Para degustação dos sessentões ou mais, selecionei foto das capas desses livros, bem com de cartilhas, de algumas questões que caíam naqueles exames e, ainda, livros escolares daquela época, os quais, certamente, trarão saudosas recordações à todos.
(Fotos extraídos do Google e internet)
Paulo Grani