A Prisão Provisória do Ahú era para ser a primeira penitenciária do Estado. Sua construção foi um dos propósitos da presença do Imperador D. Pedro II e sua comitiva, na sua visita ao Paraná, em 1880. O lançamento da pedra fundamental se deu em 2 de junho, em cerimônia festiva, civil e religiosa, com altar e som da banda do 2º corpo de cavalaria local. A solenidade contou com a presença do presidente Manoel de Souza Dantas Filho, pessoas gradas e parte do povo, registrada em ata. Mas, o presídio prometido acabou não saindo...
Depois disso, passaram-se anos e o desenvolvimento da cidade fez a Santa Casa de Misericórdia se ressentir da presença e circulação pelo centro de um bando cada vez maior de loucos e figuras excêntricas, que se expunham ao público e afrontavam os bons costumes e o sossego das ruas, sem que contassem com órgãos próprios que lhes dessem acolhimento e os cuidados de higiene e saúde.
Não havia no país instituições como asilos ou hospitais que oferecessem atendimentos básicos para essa população marginal e desvalida. A referência única era a do Hospício D. Pedro II, do Rio de Janeiro. Nesse tempo, o atendimento era prestado pelas Santas Casas de Misericórdia ou esses “excêntricos” eram lançados nas enxovias das cadeias públicas.
Havia em Curitiba um rico folclore de “tipos de rua”, como a Maria Balão, a Maria Sete, a Pelanca e a Nhã Perpétua. Os homens eram o Arcabuz da Miséria, o Saúde e o Pé Espalhado. No entanto, essa população crescia cada vez mais e infestava as ruas. A nossa Santa Casa não contava, senão, com seis células para acomodar os loucos e “extraviados”, número insuficiente para atender às constantes solicitações das autoridades policiais do Estado e de fora, que os acolhem.
Foi então que surgiu a ideia da criação de um asilo privativo dos alienados, por iniciativa da Irmandade da Santa Casa, principalmente por parte do seu provedor D. Alberto Gonçalves, seu maior mentor. A localização escolhida foi a do bairro do Ahú, a quatro quilômetros da capital. Construiu-se uma obra imponente, em forma de monobloco, copiada do modelo do hospício D. Pedro II. A obra levou quase oito anos para ser concluída, recebendo subvenções do governo, doações particulares e fundos da realização de festividades. Iniciou em 1896 e foi dada por concluída em 25 de março de 1903.
Embora saudada como uma das construções mais modernas da capital, o Hospital funcionou, porém, por pouco tempo, talvez menos de quatro anos, até a inauguração da segunda sede, na atual rua Marechal Floriano, em 1907. A mudança teve início em 1905, quando o presidente Vicente Machado procurou a Irmandade para um acordo. O Estado não dispunha de penitenciária e se propunha a assumir o Asilo do Ahú, a troco de construir uma segunda sede para o Hospital Nossa Senhora da Luz, assumindo todos os custos da nova obra, a ser localizada na região do Prado Velho. O prazo da entrega de cada parte foi estabelecido em dezesseis meses, para a construção do novo Asilo e desobstrução do prédio do Ahú.
Finalmente Instalada em 1909, a nova penitenciária contava com 52 celas individuais, 49 homens e 6 mulheres. Consta que, a princípio, foi adotado o sistema penitenciário americano Auburn (silent system)¹, de rígida disciplina, em que o preso era confinado na cela para expiação da sua culpa, através do trabalho e em isolamento absoluto.
Dali em diante, um dos episódios mais marcantes e de repercussão pública foi o do crime da dupla Papst e Kindermann, ocorrido na manhã de 25 de fevereiro de 1930, na rua Barão do Rio Branco, em Curitiba. Nessa ocasião, quando Egydio Pilotto, tesoureiro da Estrada de Ferro, fazia o transporte a pé do dinheiro da receita da empresa, foi assaltado pela dupla criminosa, a golpes de barras de ferro e despojado da valise do dinheiro. Porém, como ainda resistiu, foi atingido por disparos e veio a falecer. A identidade dos criminosos só foi revelada um ano depois por denúncia da amante de um deles, uma jovem sueca, Martha Schmedeck.
Presos em seguida, ainda se descobriu que no entretempo da investigação policial, a dupla homicida havia cometido delito igual em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, com a mesma semelhança e resultado criminoso. Recolhidos à penitenciária do Ahú, não levou tempo para que a dupla criminosa promovesse, em 17 de maio de 1931, uma grave rebelião de presos que, embora acabasse frustrada, deixou rastro de sangue, com a morte de três guardas e dois presos. A rebelião acabou ganhando tal repercussão na opinião pública da cidade que virou filme, produzido pelo cinegrafista João Batista Groff e exibido no Teatro Palácio, na semana seguinte.
O curioso, porém, foi que no ano anterior, nos Estados Unidos, um filme semelhante, “O Presídio” (The Big House), também sobre rebelião de presos, ganhou naquele ano o Oscar de melhor roteiro e som, de Hollywood, coincidindo com sua apresentação junto ao nosso, naquela mesma ocasião. O filme foi dirigido por George Hill e estrelado por Chester Morris e Wallace Beery.
Rodolfo Kindermann e João Papst foram condenados a 25 e 16 anos de prisão, cada um deles. Depois disso, Kindermann morreu no Ahú e Papst ainda compareceu ao júri de Porto Alegre, onde consta que acabou absolvido.
Enfim, em julho de 2007 a agora Prisão Provisória do Ahú foi desativada. Seus 800 detentos foram removidos para o Centro de Detenção e Ressocialização de Piraquara e São José dos Pinhais. O prédio foi destinado à instalação do Fórum Criminal e dos Juízos Especiais do Centro Judiciário de Curitiba. Mas, mesmo assim, reduzido a um velho casarão despojado de sua antiga imponência, a gente vê sair de suas sombras uma herança persistente de dor e sofrimento de toda uma geração que a cidade se esforça agora em apagar.
Rui Cavallin Pinto
(Publicado em 9.4.2019)
1. Algumas regras do sistema eram: a) o condenado ingressava no estabelecimento, tomava banho, recebia uniforme, e após o corte de barba e do cabelo era conduzido à cela, com isolamento durante a noite; b) acordava às 5:30 horas, ao som da alvorada; c) o condenado limpava a cela e fazia sua higiene; d) alimentava-se e ia para as oficinas, onde trabalhava até tarde, podendo permanecer até às 20 horas no mais absoluto silêncio, só se ouvia o barulho das ferramentas e dos movimentos dos condenados; e) regime de total silêncio de dia e de noite; f) após o jantar o condenado era recolhido; g) as refeições eram feitas no mais completo mutismo, em salões comuns; h) a quebra do silêncio era motivo de castigo corporal. O chicote era o instrumento usado para quem rompia com o mesmo; i) aos domingos e feriados o condenado podia passear em lugar apropriado, com a obrigação de se conservar incomunicável. (FARIAS JÚNIOR, João. In: OLIVEIRA, Fernanda Amaral de. Op.cit. p. 6).
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