Gazeta do Povo - Coluna Nostalgia, Cid Destefani - 06/06/1993
A nossa máquina do tempo vai nos transportar para o começo do mês de junho de 1945, quando não fazia ainda um mês que havia acabado a 2ª Guerra Mundial. Tudo começou no dia 31 de maio quando surgiu na imprensa o seguinte comunicado:
"A Companhia Força e Luz do Paraná (CFLP), na contingência de fazer vigorar para seus empregados a tabela de reajustamento de salários comunica ao público que a partir e junho de 1945, fará cobrar nos serviços de transporte coletivo a seu cargo (ônibus e bondes) a taxa adicional de Cr$ 0,10 (dez centavos) por passagem, pelo qual serão observadas as seguintes tarifas devidamente aprovadas pela prefeitura: Linhas de Bondes: Praça Tiradentes à Água Verde: Cr$0,30 - Água Verde ao Portão: Cr$0,30 - Praça Tiradentes ao Portão (direto): Cr$ 0,50 - Praça Tiradentes ao Juvevê: Cr$0,30 - Juvevê ao Bacacheri: Cr$ 0,30 - Praça Tiradentes ao Bacacheri (direto): Cr$ 0,50 - Praça Zacarias ao Batel: Cr$ 0,30 - Batel ao seminário: Cr$0,20 - Praça Zacarias ao Seminário (direto): Cr$0,40 - Trajano Reis ao Asilo Cr$ 0,30 - Asilo ao Prado: Cr$0,30 - Praça Tiradentes ao Prado (direto): Cr$0,50 - Linha de ônibus Alto da Rua XV ao Hospital Militar: R$ 0,40".
Este comunicado foi o estopim com retardo para o que iria acontecer no dia 3 de junho, quando à noite, por volta das 21 horas, começaram os protestos dos estudantes universitários que em número aproximado de uma centena fizeram uma viagem de bonde da Praça Zacarias ao Seminário, retornando ao ponto de partida, onde retiveram o veículo até as 23 horas. À frente da multidão os diretores da União Paranaense dos Estudantes (UPE), cujo presidente Francisco Oswaldo Costelucci falou às pessoas ali reunidas, atacando os lucros das passagens e os altos lucros auferidos pela CFLP. O manifesto foi pacífico contando com a presença de policiais.
O mesmo bonde derrubado por estudantes na Avenida João Gualberto. Foto: Domingos Foggiato, 06/06/1945. Acervo: Cid Destefani, publicada na mesma Coluna Nostalgia de 06/06/1993.
No dia seguinte, 4 de junho, os estudantes universitários, em comissão, levaram notas de protestos ao Interventor Interino Rosaldo Mello Leitão, ao chefe de polícia, major Fernando Flores e ao prefeito Alexandre Beltrão, além de ter sido expedido um telegrama ao presidente da república. Já no dia 5 as manifestações começara a tomar o rumo da violência, apesar do manifesto publicado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Carris de Curitiba, apelando ao povo que apoiasse o aumento que iria trazer melhorias aos trabalhadores e que a situação dos salários, como estava, era insustentável.
Em contrapartida, a UPE mantinha-se em assembléia e visitava o Comando da 5ª Região Militar. Os estudantes, durante o dia, junto a populares, lotavam os bondes e se negavam a pagar as passagens, mantendo-se pacificamente dento dos veículos. À noite o movimento esquentou e o povo depredou vários bondes, tendo a CFLP interrompido o tráfego dos mesmos em quase todos os bairros.
Os estudantes ainda apelavam para que a população se mantivesse pacífica enquanto se processavam as demarches junto ao governo para o retorno da tabela antiga.
No dia 6, pela manhã, foi tombado um bonde da linha Juvevê, na Avenida João Gualberto. À tarde, uma comissão da UPE esteve outra vez com o interventor com quem confabularam por mais de uma hora e meia, quando imensa massa popular ficou em frente ao Palácio do Alto São Franciso (Mansão Garmatter). Nesse manifesto, a UPE julgava-se no dever de defender o povo contra a ganância e a especulação da Companhia Força e Luz, cujas tenazes se apertavam sobremodo nas taxas de luz, ultra-exorbitantes. Se a CFLP estivesse sofrendo prejuízos, ela não estaria senão sofrendo o que o povo sofria nesses reajustes de pós-guerra. Nesse momento o governo deveria dar preferência em estar com o povo, já sobrecarregado de tantos encargos, e não entregá-lo sem proteção aos seus algozes.
Em resposta às reivindicações estudantis, o governo mandou, à noite, piquetes de cavalaria da Força Policial para a frente dos Colégios Iguaçu e Novo Ateneu, quando os milicianos deram cargas com suas espadas desembainhadas contra os estudantes que saíam das provas parciais de meio de ano. Vários foram feridos, tendo inclusive cavalarianos tentado adentrar com suas montarias no Colégio Iguaçu. Foi uma verdadeira operação "matar no ninho", afim de impedir que os colegiais voltassem a atacar os coletivos. Motivados por esta agressão, os estudantes criariam poucos dias depois, a União Paranaense dos Estudantes Secundários.
Em junho de 1945, policiais vigiavam a entrada da garagem de bondes da Companhia Força e Luz do Paraná, em frente ao prédio da Assembléia Legislativa (hoje sede da Câmara).
Para encurtar um pouco a história da revolta dos estudantes por causa do aumento de 10 centavos na passagem dos coletivos, podemos dizer que ela se estendeu até o dia 15 de junho, com visitas diárias às autoridades, agora já com as fileiras engrossadas por sociedades operárias sindicatos e professores além da população que apoiou firmemente o movimento encetado pelos nossos estudantes universitários e secundaristas.
Quem viveu a Curitiba daqueles tempos lembra muito bem do que os estudantes eram capazes de fazer na maioria das vezes, ordeiramente, para reivindicar seus direitos e do próprio povo. Afloravam inteligências, oradores se revezavam em alocuções quentes e coerentes, onde mitas vezes despontavam futuros lideres políticos. Em 64 veio a "Revolução Redentora" e, com ela, a liquidação das associações estudantis. Nos vinte anos em que esteve no limbo, a nossa juventude retornou à pré-história perdendo a força do diálogo e da oratória. Hoje, quando protestam, pintam as caras, para, como silvícolas mostrarem que estão em guerra.
As manifestações de junho de 1945 só terminaram quando Manoel Ribas voltou da viagem que fizera ao Rio de Janeiro, reassumindo a Interventoria do Paraná. De todo aquele movimento realizado pela UPE, além do exemplo, ficaram as imagens que publicamos: policiais protegendo a Estação de Bondes da Força e Luz, na Barão do Rio Branco e o bonde tombado na Avenida João Gualberto quando as passagens dos coletivos, depois de se manterem durante anos em custos estáveis, subiram dez centavos.
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