sábado, 27 de fevereiro de 2021

Os Bondes de CURITIBA

 

Curitiba é a capital do estado do Paraná e se situa ao sul de São Paulo (Paraná também é o nome de uma cidade da Argentina e de um rio que nasce no Brasil e deságua na Argentina). A cidade de Curitiba está a 932 m de altitude e se situa a aproximadamente 100 km do Oceano Atlântico, onde se localiza o porto de Paranaguá. É a única capital do Brasil sujeita a precipitação de neve. Sua população era de aproximadamente 40.000 habitantes em 1900, 300.000 em 1950 e gira ao redor de 1,8 milhões hoje.

O desenvolvimento dos bondes foi assumido por empresas estrangeiras. O brasileiro Boaventura Clapp adquiriu em 1883 a concessão para construir uma linha férrea urbana e fundou a Empresa Ferro Carril Curitybano. A EFCC inaugurou sua primeira linha a partir da estação ferroviária da Avenida 7 de Setembro até o Batel [veja o mapa], em 8 de Novembro de 1887 (a ferrovia de trens a vapor de Paranaguá havia chegado em 1885). Clapp vendeu a EFCC em 1895 para a Amazonas & Companhia, que era controlada pelo italiano Santiago Colle. Quando este bilhete foi emitido na década de 1890 existiam 20 carros operando em 18 km de trilhos [Julio Meili, Das Brasilianische Geldwesen, vol. 3, Zürich, 1903]:

A fotografia abaixo é mencionada como sendo da inauguração em 1887. Mas isto não pode estar correto, pois: (1) o bonde indica “FONTANA”, que não foi a primeira linha percorrida [veja o mapa]; (2) o veículo aparenta ser usado; (3) mulheres não usavam cabelos penteados no estilo “pompadour” até a década de 1890. Esta fotografia foi tirada na década de 1890 ou no início da década de 1900 [Prefeitura Municipal de Curitiba. Roteiro da Cidade: Do bonde de mula ao ônibus expresso. Curitiba, 1973, p. 7; reproduzido com permissão]:

Uma outra fotografia de data desconhecida é mostrada aqui de um bonde sem número de identificação da extensão da linha Batel para o Seminário [veja o mapa]. O padrão de bitola entre os trilhos da EFCC era muito estreito, 700 mm [col. Cid Destefani]:

Este cartão postal é de aproximadamente 1900 e nele vemos o bonde 5 da EFCC. O Grande Hotel era localizado na esquina das Ruas 15 de Novembro e Barão do Rio Branco [veja o mapa]. Note os homens no telhado [col. AM]:

Em 1910 Colle vendeu a EFCC para o francês Eduardo de la Fontaine Laveleye, que foi um dos fundadores da South Brazilian Railways em Londres. A nova companhia anglo-francesa assumiu a operação dos bondes de Curitiba e contratou a Brown, Boveri & Cie em Baden, Suíça, para a eletrificação. Em 1911 a SBR encomendou 29 bondes elétricos da Les Ateliers Métallurgiques em Nivelles, Bélgica. Eram modelos conversíveis, com laterais removíveis, sem igual no Brasil [col. AM]:

Os novos bondes chegaram em Paranaguá em Abril de 1912 e começaram a serem testados em Curitiba no mês de Agosto seguinte. O veículo abaixo está configurado no modo jardinière (verão) [col. AM]:

O serviço de bondes elétricos de Curitiba foi inaugurado pela SBR em Janeiro de 1913. Os novos veículos elétricos belgas possuíam alavancas de roldana de contato para captação de corrente elétrica com suporte giratório para alcançar os fios distantes e suspensos ao longo das laterais das ruas, um arranjo que era único na América do Sul. Aqui é o ponto final da linha Portão em 1914 aproximadamente [veja o mapa]. A bitola entre os trilhos era de um metro [col. AM]:

Este bonde Belga da linha Bacacheri foi fotografado em 1916 na Av. João Gualberto no outro lado da cidade [veja o mapa] [col. Cid Destefani]:

O município assumiu a South Brazilian Railways em 1924 e em 1928 as concessões de energia elétrica e dos bondes passaram para a Companhia Força e Luz do Paraná, subsidiária do conglomerado norte-americano Electric Bond & Share. A fotografia abaixo foi tirada ao redor de 1928 na Praça Osório [veja o mapa]. O bonde indica “SIQUEIRA CAMPOS" (antigo nome na Av. Batel) [col. Cid Destefani]:

Os novos proprietários norte-americanos colocaram números de identificação nos bondes belgas pela primeira vez. Este é o CFLP 25 da linha Trajano Reis [veja o mapa] por volta de 1932 [col. Cid Destefani]:

Em 1931 a CFLP importou 20 bondes "Birney" de segunda mão de Boston, EUA, que foram construídos por J. G. Brill na Philadelphia em 1920. Em 1937 foram transferidos 10 bondes Birney da frota de Porto Alegre para Curitiba que tinham sido construídos por Brill para Baltimore em 1921. As armações das rodas de todos os 30 bondes tiveram que ser reconstruídas para o padrão de bitola de Curitiba. O número 102, abaixo, do grupo de Boston, foi fotografado na Praça Generoso Marques (onde a Rua Riachuelo encontra a Rua Barão do Rio Branco no mapa) [col. AM]:


Dois bondes Birney trafegam na Praça Tiradentes em 1934. A vista é noroeste [veja o mapa] [col. Cid Destefani]:

Em 1945 a CFLP vendeu seus 38 bondes de passageiros e 28 km de trilhos para uma nova agencia municipal, a Companhia Curitibana de Transportes Coletivos. Esta fotografia de um moderno carro, provavelmente um Birney remodelado, foi tirada em 1951 [E. C. Piercy]:

Outro final para o mesmo bonde um pouco depois [fotógrafo desconhecido]:

Curitiba cresceu rapidamente a partir das décadas de 1930 e 40, mas não modernizou seu sistema de bondes. Uma rede primitiva de trilhos de via única com carros de 2 eixos, todos envelhecidos por décadas, não era adequado e não se manteriam por muito mais tempo. A CCTC começou a trocar os bondes por ônibus durante a Segunda Guerra: primeiro na linha Batel, depois Bacacheri, depois Guabirotuba, depois Trajano Reis [veja o mapa]. Perto de 1952 restava somente este serviço no Portão. A fotografia abaixo mostra uma das últimas viagens – quem sabe a última? – na Av. República Argentina [col. Cid Destefani]:

A linha Portão com veículos Birney encerrou as atividades de bondes em Curitiba em Junho de 1952. Curitiba foi uma das primeiras capitais brasileiras a encerrar seus sistemas de bondes (Belém e Fortaleza já haviam encerrado suas linhas em 1947).

Os bondes belgas aparentemente desapareceram, mas o bonde Birney 110 de algum modo sobreviveu nos fundos de uma garagem na Rua Barão do Rio Branco – local de uma oficina mecânica. Ele foi restaurado e colocado na Praça Tiradentes como decoração em novembro de 1999 [veja o mapa]. A fotografia abaixo foi tirada em Janeiro de 2002. O logotipo da “CFLP” está exposto e legível na lateral do carro [Sergio Martire]:

Infelizmente, o bonde 110 foi removido da Praça Tiradentes em 2003 e agora está em um depósito. O mais famoso bonde atual de Curitiba é um veículo construído para Santos, numero 206, que foi levado para Curitiba em 1973 e tem estado exposto por três décadas na Rua 15 de Novembro [veja o mapa]. [Uma fotografia na página The Tramways of Santos mostra bonde idêntico, 280]. O “Bondinho da Rua XV” serviu para vários propósitos em Curitiba e no presente é um local de informações para visitantes [Antonio Gorni]:

Rua 15 de Novembro em um dia gelado de 1980 [cartão postal, col. AM]:

Curitiba é famosa entre os planejadores e pesquisadores de transporte das cidades do mundo pelo pioneirismo em implantar vias reservadas para sistemas de ônibus. Graças ao esforço na década de 1960 do curitibano arquiteto-prefeito-governador Jaime Lerner, Curitiba implantou a rede de vias para ônibus expressos em 1974 que serviu como modelo para redes de vias reservadas em São Paulo e outras cidades brasileiras na década de 1980, a via reservada para sistema de ônibus elétrico em Quito, Equador, em 1995, e o sistema expresso de ônibus TransMilenio que foi inaugurado em Bogotá, Colômbia, em 2000. Em 1996 a Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (Habitat II) elogiou Curitiba como “a mais inovadora cidade do mundo”. Ao longo dos anos houve várias tentativas para dotar as vias de ônibus de Curitiba com veículo elétrico leve sobre trilhos (light rail), monotrilho, linha ferroviária suburbana elétrica (heavy rail) ou metrô [ver referencias abaixo]. Porem até hoje as canaletas exclusivas são ainda usadas por ônibus diesel.

 

 

BIBLIOGRAFIA
(por ordem de publicação)


Artigo de informação sem título. Brazil-Ferro-Carril (Rio de Janeiro), 3/1911. Chegada a Paranaguá de Nova York do "material destinado à eletrificação dos bondes de Curityba".

Artigo de informação sem título. Brazil-Ferro-Carril (Rio e Janeiro), 4/1911. Chegada a Paranaguá da Europa dos bondes e 714 outras caixas de material elétrico para a South Brazilian Railway Co. Ltd.

Câmara de Comércio Britânica de São Paulo & Sul do Brasil. The State of Paraná: An Official Handbook. São Paulo, 1930. Breve descrição dos bondes de Curitiba, pp. 98-99.

Livro Azul - Guia Azul. Curitiba, 1935. Folheto de mapa de arruamento mostrando o sistema de bondes em detalhes.

Prefeitura Municipal de Curitiba. Roteiro da Cidade: do bonde de mula ao ônibus expresso. Curitiba, 1975. Livreto de 36 páginas que descreve a história dos transportes da cidade, dos bondes de mulas aos ônibus expressos em vias isoladas. Oito fotografias grandes de bondes e ônibus.

"Nas vias do expresso, o bonde de mula" em O Estado do Paraná (Curitiba), 29/3/1980, p. 14. História dos bondes de Curitiba em página inteira. Quatorze ilustrações.

"O transporte de massa, do bonde ao articulado" em O Estado do Paraná (Curitiba), 2/11/1980. Longa história do transporte urbano de Curitiba em meia página.

"Os bondes de Curitiba" em Isto É (São Paulo), 4/8/1982. Artigo em página inteira sobre os planos para veículo elétrico leve sobre trilhos (light rail) em Curitiba. Fotografia do Birney na década de 1940.

Waldemar Corrêa Stiel. História do Transporte Urbano no Brasil. Brasília, 1984. Capítulo sobre Curitiba, pp. 102-115, descreve a história dos sistemas de bondes e ônibus da cidade. Onze ilustrações.

"À espera do bonde (e do dinheiro)" em Revista Ferroviária (Rio de Janeiro), 4/1989, pp. 30 & 32. Longo artigo sobre o projeto de veículo elétrico leve sobre trilhos (light rail) em Curitiba. Mapa, diagrama do veículo e foto do Prefeito Jaime Lerner.

"Obras do metrô começam no ano 2000" na Gazeta do Povo (Curitiba), 3/9/1998. Longo artigo sobre os planos para 15 km de linha ferroviária suburbana elétrica (heavy rail); previa que a construção começaria em 2000.

Engenharia Viária: Estudos para a implantação do metrô de Curitiba (monorail). Descrição do projeto mono-trilho Esteio, 1999.

Curitiba poderá ter metrô leve nas canaletas de ônibus. Plano para construir linhas para veículo elétrico leve sobre trilhos (light rail) nas canaletas dos ônibus expressos, 2003.

Bondes podem voltar a circular em Curitiba. Artigo de jornal sobre um plano de instalar uma linha de bonde turístico no centro da cidade, passando por locais e prédios históricos. Mapa e comentários dos leitores.

Adicionalmente a sua tradução para o Português do meu texto original em Inglês, agradeço ao Mauricio R. Ortega, morador de Curitiba, pela identificação de alguns locais mostrados nas fotografias desta página.

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