Na campanha da Itália, nas proximidades do rio Marano, já perto de Monte Castelo, quase que diariamente os alemães mandavam algum tipo de veículo equipado com canhão ou carro de combate (tanque) para atirar contra uma das posições brasileiras. Os Pracinhas procuravam a origem dos tiros, mas, por conta do ângulo em que estava a arma inimiga, não conseguiam responder aquele fogo.
Um dia, o tenente Paulo Campos Paiva, que era Comandante de Pelotão da Companhia de Canhões Anticarros do 1º Regimento de Infantaria, foi visitar um amigo, o Tenente Carlos Augusto de Oliveira Lima, que era Comandante de Pelotão da 1ª Companhia do I/1o Regimento de Infantaria (Regimento Sampaio). O amigo lhe contou que não aguentava mais ser hostilizado por aquela espécie de “tanque fantasma” que atirava e depois sumia, fazendo vítimas entre seus comandados.
A situação foi levada ao Comandante do Batalhão, que ficou muito preocupado, porque achava que não havia uma posição apropriada que permitisse às viaturas tratoras levar canhões que pudessem atirar de volta contra os alemães, na posição em que eles se encontravam.
O tenente Paiva disse que havia uma boa possibilidade se fosse usado um canhão 57 milímetros. O comandante do Batalhão disse que era difícil, porque teriam que transportá-lo em uma viatura e isso era impossível, porque não era um local de fácil acesso e traria tiros alemães sobre a peça de artilharia.
Paiva não desistiu, disse que se fosse para ajudar o camarada Carlos Augusto, ele daria um jeito, bastava o Batalhão dizer sim. A permissão foi concedida.
Paiva na época da guerra. Foto do Portal FEB
Paiva conhecia alguns camponeses da região em quem confiava. Disse para eles que se eles arranjassem uma junta de bois para levar o 57 milímetros, ganhariam maços de cigarro, que naquele tempo valiam uma boa grana. Porém, a missão seria de madrugada, no mais completo silêncio e na mais rigorosa escuridão. “Eles toparam e, quando chegou a noite, na hora e local que nós marcamos para o encontro, vieram com duas juntas de boi. Fizemos os engates do carro nos ilhoses do canhão e os bois saíram com aquele passinho deles, sem barulho nenhum na terra. O carro foi indo, levou o canhão até o local e o colocou bem no lugar onde a gente queria, sem problema algum”, comentou Paiva.
Na noite seguinte, mais uma vez, os alemães dispuseram o carro de combate ou canhão rebocado, para atirar nos brasileiros. Depois do primeiro tiro, os brasileiros responderam com o 57mm. Alguns segundos depois da resposta brasileira, a arma alemã ficou calada. “Tem gente que diz que viu quando a munição traçante entrou no lugar de onde saiu a língua de fogo do tiro do carro. Não sei se ela entrou ou não no canhão do carro – parecia ter entrado ali –, ou então passou muito perto ou bateu no carro. Eu sei que essa foi a última vez que apareceu um carro de combate alemão ali. Nunca mais voltaram para atirar, nunca mais”, completou Paiva.
Segundo Paiva, o tiro foi de longe e ele ficou feliz. “Um sargento de patrulha disse que nós tínhamos atingido um carro alemão. Eu também não sei, porque não vi e acho que dificilmente deveria ver, ainda mais que as peças estavam a uma distância de novecentos metros ou um quilômetro. Isso à noite. Não se pode ter certeza se acertou. Não se pode saber. Aquilo é uma doença que estava dando: fabricar o falso herói. Isso aconteceu muito, mas o fato é que nunca mais esses carros atiraram dali. Sinto muito orgulho disso e não sou modesto o bastante para dizer: não, eu não fiz nada. Negativo. Eu fiz isso e tenho a grande satisfação e orgulho de tê-lo feito”, admitiu o oficialAcertou em cheio, garante Tenente
Paiva já depois da guerra, com suas medalhas militares. Foto do Portal FEB
O Tenente Carlos Augusto de Oliveira Lima, que tinha Paiva como um irmão, conta a versão dele do caso. “A posição era um saliente na linha de contato, penetrando no território inimigo e, praticamente, deixando Monte Castelo atrás de nós. Até a comida chegava de noite. Para nossa sorte havia uma casa bem dentro da nossa linha na qual caváramos uma trincheira para chegar ao porão, onde fazíamos as refeições. Os alemães atiravam com o canhão de carro de combate. Escondidos, podíamos vê-los atirando da região de Pietra Colora, distante uns dois quilômetros de nós e servida por uma auto-estrada. Sabíamos que era um carro de combate que ia lá, de noite, e atirava na gente, fazendo baixas. De dia eles não atiravam, porque estávamos escondidos, seguros, nos abrigos ou atrás da casa. Durante o inverno, usávamos uniformes camuflados, brancos, para a neve, inclusive uma camuflagem para o capacete. Um italiano morador do local levava tiros também, porque ele não saía do lugar, por não ter para onde ir”, explica.Depois da ação com o 57 mm, ele ficou admirado com a precisão do amigo. “Fiquei impressionado. Imaginei como foi difícil, com aquele terreno, todo arado, naquele frio e com chuva. Acredito que para chegar lá em cima ele levou uns dois dias. Colocou a sua peça na contra-encosta, abrigada dos tiros alemães. Anoiteceu, o alemão atirou uma vez – já esperávamos e nos escondemos, mas sempre pegava um ou outro. O Paiva me ligou pelo telefone:
– Como é Carlinhos, está vendo? Carlinhos! Como é que é?!
– Você não tá vendo não?
– Eu estou vendo sim – respondeu ele.
– É lá mesmo, é aquele mesmo, rapaz – disse, confirmando a identificação
do canhão.
– Espera aí que você já vai ver.
Lá pelas tantas o carro de combate alemão atirou. O Paiva fez a pontaria na luz do canhão e respondeu ao fogo – o canhão anticarro tinha mais potência do que o do carro. Foi só um tiro; surgiu um clarão terrível no lugar de onde os alemães atiravam e o carro alemão se calou. O carro de combate alemão nunca mais apareceu. O Paiva permaneceu na posição até o Batalhão sair dali e dormia no Pelotão conosco, abrindo mão do conforto e da segurança da contra-encosta, onde podia até armar uma barraca”.
Fonte: V de Vitória com informações de História Oral do Exército na Segunda Guerra Mundial, Tomo II, p. 141-42 e p. 154-156.
*Paiva faleceu em 11 de agosto de 2005, na capital federal
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