A Importância Estratégica do Reno para Cesar em 55 AC
No ano de 55 AC, Júlio César, então proconsul da Gália, enfrentou desafios significativos nas regiões fronteiriças ao longo do rio Reno. Este rio não apenas demarcava a fronteira geográfica entre os territórios romanos e as terras habitadas pelos povos germânicos, mas também representava uma linha divisória estratégica e cultural de grande importância. Militarmente, controlar o Reno significava proteger a fronteira norte da Gália contra incursões e invasões dos povos germânicos. Politicamente, demonstrava a força e a presença romana na região, consolidando a autoridade de Roma sobre as tribos gaulesas recém-conquistadas e dissuadindo possíveis alianças entre estas e os germanos.
Hipóteses de Comunicação entre Ariovisto e Vercingetorix
Embora não haja evidências concretas de uma aliança formal entre Ariovisto, o rei germânico, e Vercingetorix, líder gaulês que posteriormente lideraria uma grande revolta contra Roma, é plausível especular sobre possíveis comunicações ou tentativas de aliança entre eles. Ambos tinham motivos comuns para opor-se ao avanço e à dominação romanas na região. Uma hipótese seria que tais comunicações visassem estabelecer uma frente unida contra César, compartilhando estratégias e recursos em uma tentativa de expulsar os romanos da Gália (*). Da necessidade de defesa e vigilância contra as tribos germânicas, os romanos resolveram construir uma cidadela-fortaleza, na terra dos Úbios, exatamente ali, nas margens do imponente rio Reno.(**)
Ubiorum, conhecido nas fontes históricas como a terra dos Úbios, refere-se a uma região e ao povo germânico que habitava próximo ao rio Reno, na área que hoje corresponde, em grande parte, ao oeste da Alemanha. Este grupo é particularmente notável por sua aliança e relação amistosa com o Império Romano, um aspecto que o distingue de muitas outras tribos germânicas da época.
Os Úbios eram originalmente um povo germânico que vivia na margem direita (leste) do Reno. Sob pressão de tribos mais agressivas e expansivas, como os Suevos, e procurando uma relação mais segura e estável com Roma, eles se realocaram para a margem esquerda (oeste) do rio, com a assistência dos Romanos, durante o final do século I AC. Esta mudança significativa nos assentamentos dos Úbios não apenas alterou a sua geografia física, mas também transformou sua identidade política e cultural ao longo do tempo.
A aliança com Roma começou sob a política de Júlio César, que procurava aliados na Germânia para estabilizar a fronteira do Reno e proteger as conquistas romanas na Gália. Os Úbios beneficiaram-se de sua cooperação com os romanos, recebendo proteção contra tribos hostis e participando do comércio e da economia romana. Em troca, forneciam informações valiosas sobre as regiões germânicas e atuavam como intermediários e guias.
Sob a influência romana, os Úbios adotaram muitos aspectos da vida e cultura romanas, desde a arquitetura até práticas religiosas, embora também tenham mantido tradições germânicas. A convivência e a integração cultural entre romanos e germânicos nesta região são exemplos do processo de romanização, pelo qual populações locais adotavam elementos da cultura romana, ao mesmo tempo que influenciavam o império com suas próprias tradições.
Impacto Militar e Estratégico
Além dos aspectos culturais e econômicos, a colaboração entre os Úbios e os Romanos teve repercussões significativas no plano militar e estratégico. A posição geográfica dos Úbios, na margem oeste do Reno, proporcionou aos Romanos um ponto de apoio essencial, tanto para a defesa como para a expansão na Germânia. A presença de tropas romanas na região, juntamente com a fundação de fortalezas e acampamentos militares, como o de Bonn (Bonna), fortaleceu a fronteira do Reno contra incursões de outras tribos germânicas mais hostis a Roma.
Assimilação e Resistência
Enquanto muitos Úbios podem ter abraçado a romanização como uma oportunidade de ascensão social e econômica, é provável que também tenham existido elementos de resistência e preservação da identidade germânica(***). A assimilação cultural não foi um processo homogêneo; variava significativamente de um indivíduo para outro e entre diferentes estratos da sociedade. Festividades, práticas religiosas e a manutenção de nomes germânicos são exemplos de como os Úbios podem ter conservado aspectos de sua identidade original.
A história dos Úbios ilustra um exemplo de cooperação e integração entre povos germânicos e o Império Romano, destacando a complexidade das fronteiras imperiais e as relações dinâmicas entre conquistadores e conquistados. A região de Ubiorum, especialmente a cidade de Colônia, permanece um rico sítio arqueológico e um testemunho da herança romana na Alemanha.
A interação entre os Úbios e os Romanos, portanto, não apenas moldou o destino dessa tribo germânica, mas também teve um impacto duradouro na configuração cultural e política da região ao longo do Reno, deixando vestígios que ainda podem ser observados na moderna Colônia e além.
A pesquisa arqueológica na região que uma vez foi Ubiorum revelou uma rica tapeçaria de artefatos que atestam a convivência e a integração entre os Úbios e os Romanos. Desde restos de edifícios romanos, como templos, aquedutos e teatros, até objetos do cotidiano, como cerâmica, ferramentas e jóias, o legado material é um testemunho da influência romana na vida dos Úbios e de como eles adaptaram e integraram esses elementos em sua sociedade.
A história dos Úbios não é apenas a narrativa de um povo sob o domínio de Roma; é também uma história de adaptação, resistência e interação cultural. Embora o Império Romano tenha imposto sua estrutura política, militar e econômica sobre a região, os Úbios mantiveram uma identidade distinta e contribuíram de maneira significativa para o mosaico cultural do império. A análise da relação entre os Úbios e os Romanos oferece insights valiosos sobre as dinâmicas de poder, cultura e identidade na Antiguidade, ressaltando a complexidade das interações fronteiriças e a natureza multifacetada da romanização.
Texto de Edson Rodriguez - Se você chegou até aqui, obrigado, espero que tenha apreciado. Continue lendo para saber como e porque o texto foi elaborado.
Este texto nasceu da pesquisa histórica realizada para dar suporte ao romance PRIMA LANÇA. A seguir, algumas intersecções interessantes entre os fatos e o livro citado. Todo o material foi escrito pelo autor, Edson Rodriguez.
(*) A hipótese de comunicação entre Vercingetorix e Ariovisto é ideia minha, não há nenhuma menção histórica a respeito, mas é algo que poderia ter ocorrido. Eles viveram quase na mesma época, ambos foram inimigos de Cesar e lutaram contra ele em períodos próximos, sendo, ambos, derrotados, Ariovisto, em 58 AC e, Vercingetorix, seis anos mais tarde, em 52 AC. Ainda, no romance, Ariovisto é mencionado como chefe dos saguntos, mas, na verdade, ele era chefe dos suevos.
(**) O campo de Ubiorum realmente existiu (é onde fica hoje a cidade de Colonia, na Alemanha), mas só foi registrado em 39 AC, quando a tribo dos úbios entrou em acordo com as forças romanas estacionadas na margem esquerda do Rio Reno. Seu quartel general era Opido Ubioro (em latim: Oppidum Ubioru) daí o nome do forte. Quanto a essa parte da História, tomei a liberdade de “adiantar” um pouco as coisas, trazendo os fatos para um período anterior. Na verdade, o acerto entre os germanos úbios (a tribo de Hootha, que é um personagem fictício) e os romanos, no romance, chefiados por Sextus Herminius (também fictício), realmente ocorreu e a presença romana se estenderia por muito tempo naquela região, mas Cesar não teve nada a ver com isso, porque, nessa época, já havia sido assassinado.
(***) Não temos como saber a forma como romanos e úbios se aproximaram, mas em PRIMA LANÇA há um capítulo onde explorei essa situação, vejam o trecho a seguir:
“- Há mais um assunto, domines, - disse Tracius, o centurião prima lança ao conselho de guerra liderado por Cesar.
- Quem é esse? - perguntou Marco Antonio, antecipando-se.
- Um germano que aprisionamos uns tempos atrás mas liberamos em seguida, não precisávamos dele para nada mesmo. Assim a demonstração de boa vontade pareceu ser uma boa ideia - disse Sextus. - Vai ser interessante conversar com ele. Quer participar procônsul?
- Claro que sim! Tragam-no. Ele está aqui? – perguntou Cesar.
- Sim, vou mandar trazê-lo - respondeu o centurião.
O germano-úbio esperava encontrar-se com Sextus Herminius, assim, ao ser apresentado a Cesar, ele não pôde disfarçar o espanto, até porque os germanos não sabiam, até o momento, que haviam batalhado contra o famoso general, que fez algo inusitado. Ele disse a Hootha, em latim:
- Não se incomode comigo. Você veio encontrar Sextus, não é? Ele está aqui. Fale com ele.
- Não sou seu prisioneiro, Cesar? - Hootha perguntou, incrédulo.
- E porque seria? Você veio nos visitar para falar com um oficial de Roma - o procônsul respondeu. Prossiga. Não se incomoda se participarmos, não é? - perguntou jocoso.
Como Hootha não entendeu, Tracius Quinto, que falava o dialeto germanico, traduziu para ele. Hootha deu de ombros e virou-se para Sextus, ainda falando em seu latim estropiado.
- Não nos encontramos no combate. Sabe por quê?
- Não, germano, não sei - respondeu o oficial.
- Nós úbios não participamos da luta, foi por isso. Convenci meu povo a não combater Roma. Agora eu quero ver o quanto sua palavra vale - e o germano empertigou-se, orgulhoso.
Cesar pediu que repetissem a conversa para ter certeza de que havia entendido corretamente, mas não fez aporte algum, aguardando as palavras de Sextus, que discorreu de forma simples e objetiva:
- Preciso de suprimentos para a legião. Carne de boi, porco e cabrito, frutas e legumes frescos. O que você puder fornecer eu compro. Preciso de madeira também. E quero voluntários para servirem na 13ª. O serviço é de 25 anos e o soldo é de duzentos sestércios ou uma e meia medida de sal. Não há obrigação de fornecer voluntários forçados, que fique bem entendido. Só os que quiserem vir e tiverem aptidão física serão aceitos, isso está claro, germano?
Tracius traduziu as partes que Hootha não entendeu. O germano pensou um minuto e perguntou a Sextus:
- E o que teremos, romano?
- Pagarei pelos suprimentos o mesmo preço que pagamos usualmente aos nossos fornecedores na Gália. Em prata. E o mais importante de tudo, - continuou - seremos aliados. Seu amigo será meu amigo, seu inimigo será meu inimigo. Se atacarem você, atacarão a mim. Irei em seu socorro em toda e qualquer circunstância que você precisar, e espero a mesma coisa de você.
- Vocês sabem lidar com trigo e outras coisas melhor do que nós. E suas espadas são muito melhores que as nossas... Vai nos ajudar com isso? - Hootha perguntou.
- Há jovens entre seu povo que gostariam de entrar para a 13ª? - o tribuno perguntou, ao invés de responder ao chefe úbio.
- Não sei, terei que perguntar a eles - respondeu Hootha precavidamente.
- Quero jovens ambiciosos. Me consiga cem voluntários e eu lhe mandarei três fazendeiros experientes no cultivo de trigo, uvas e na fabricação de vinho para ensinar o que sabemos ao seu povo. Mandarei também meu mestre ferreiro ensinar a vocês como temperamos o aço. Temos um trato? - perguntou o tribuno, solene, enquanto Cesar, Aetius e Marco Antonio assistiam entre surpresos e deliciados (Cesar, particularmente) com o rumo da conversa.
- Me dê cinco dias para voltar com a resposta - disse Hootha.
- Está bem. Aguardo você em Ubiorum daqui a cinco dias.
Hootha virou-se e saiu em silêncio. Os romanos se entreolharam por um momento e em seguida todos riram alto e em bom som.