domingo, 12 de junho de 2022

AS MATINÊS DE ANTIGAMENTE " No coração da cinelândia curitibana, existiram dois cinemas populares, que faziam a alegria da gurizada nos anos 1930 e 1940

 AS MATINÊS DE ANTIGAMENTE
" No coração da cinelândia curitibana, existiram dois cinemas populares, que faziam a alegria da gurizada nos anos 1930 e 1940

AS MATINÊS DE ANTIGAMENTE
" No coração da cinelândia curitibana, existiram dois cinemas populares, que faziam a alegria da gurizada nos anos 1930 e 1940, nas matinês de finais de semana, com seriados, “faroestes”, e toda sorte de filmes chamados “B”: o cine Broadway, na esquina da travessa Oliveira Belo com a Quinze de Novembro, e o Cine Odeon, onde hoje é a Galeria Tijucas. Fechados no início dos anos 1950, os frequentadores se transferiram para o Cine Curitiba, na rua Voluntários da Pátria, ao lado do Instituto de Educação. Foi o mais querido e lembrado de todos os “poeiras”, ou “pulgueiros” da cidade.
Este enorme barracão de madeira (foto 1), com fachada de alvenaria, foi aberto em 1927 por Elias Miguel Cury, que também foi exibidor em Antonina, e com o nome de cine República. Pouco depois, por insistência do Henrique Oliva, arrendou-o a este, que estava iniciando sua empresa cinematográfica. Mas era cinema modesto e não lhe davam filmes de categoria, o que criava dificuldades na manutenção da casa. Com a inauguração do Luz, em 1939 e já tendo arrendado o cine Palácio, o Oliva não teve mais interesse no cinema e o cedeu ao consulado da Alemanha nazista, que não conseguia mais espaço para exibir os filmes da UFA (Universum-Film Aktieengengesellshaft) alemã e os italianos, nos circuitos dominados pelos americanos e aliados. Foi rebatizado de Independente. Durou pouco, e antes do colapso da Alemanha, o cinema fechou. Foi a vez do projecionista do cine Odeon, Antonio Morilha Jimenez reabrir com o nome de cine Curitiba em 1942. Funcionou até 1968, quando foi desmontado para dar lugar a um edifício.
Com reprises, produções antigas, aventuras, faroestes, comédias, guerra, seriados, tudo ao gosto popular de então, viveu dias de glória. Sessões que começavam às 14 horas e iam até às 18 ou mais, pois o programa era extenso, e ninguém reclamava das cadeiras com assentos de madeira. A noite começava às 20 horas e ia noite adentro. Alguns operadores, para não perder o último ônibus, aumentavam sorrateiramente a rotação dos projetores, para diminuir o tempo da sessão.
Matinês de domingo lotadas, maioria absoluta de crianças, que sem as preocupações paternas na Curitiba de então, iam sozinhas. Tocava o gongo, e a sala quase vinha abaixo, bateção de pés, assobios, palmas, gritos, que se prolongavam até o início do cine-jornal, quando o operador cortava o som para que a bagunça atenuasse. Logo, notada a ausência do som, começava a zoeira novamente. Recomeçava depois com a torcida pelo herói ou as vaias ao vilão. Tarzan, Jane, Chita, Hopalong Cassidy, Roy Rogers, o Fantasma, Capitão América, Flash Gordon, Zorro e seu amigo Tonto, Rin-Tin-Tin. Os inimigos naturais eram os pele-vermelhas, os alemães e japoneses, e os mesmos vilões ou heróis das histórias em quadrinhos, os gibis, que eram negociados ou trocados antes da sessão, na calçada em frente ao cinema. Era tanta gente, que às vezes impedia a circulação dos poucos automóveis, invadindo a rua. Negociava-se os gibis novos por dois, ou mais, velhos, ou sem capa, ou o ingresso do cinema, numa balbúrdia salutar. Na sua fachada, dezenas de cartazes e fotos, faixas com os filmes em exibição, ou os eminentes, era até difícil saber o que estavam passando, não que isto importasse muito. Outro detalhe, a bombonière ficava aos fundos da sala de projeção, onde se compravam as guloseimas sem perder muito do filme. A pior ameaça ou castigo que uma criança podia sofrer, por alguma nota baixa na escola ou traquinagem era: “domingo que vem, nada de cinema”.
A semana era interminável, pois, como parte da extensa programação da sessão, o novo capítulo do seriado, que sempre terminava num momento culminante da ação. Eram doze ou quinze episódios de cerca de dezoito minutos cada, e depois de muitas brigas e tiroteios, o herói estava pendurado num precipício, amarrado dentro de um celeiro que explodia, ou desacordado em um carro ou carroça que despencava ladeira abaixo. A ação era interrompida e vinha o aviso na tela: “voltem na próxima semana”. Inevitavelmente, no episódio seguinte, o herói se soltava ou acordava antes, continuando a aventura. Tudo muito previsível, mas o “como” é que era o assunto das rodas infanto-juvenis.
Me lembro da primeira vez que entrei neste cinema, foi em uma comemoração ao dia da criança, eu estudava no Instituto de Educação, naquela época o primário. As professoras fizeram um “corredor” de mão dadas, guiando as crianças de um portão lateral até a entrada do cinema, para uma programação infantil.
O domingo de manhã também era dia de concorridas matinadas no cine Ópera, com desenhos, principalmente, os Tom e Jerry, ou o gato e o rato, sempre com balbúrdia entre um desenho e outro, onde se entreouvia o leão da Metro e a música da apresentação. Ainda hoje, quando vejo alguns destes desenhos, sinto saudades do barulho da criançada.
Ao lado, na mesma Voluntários da Pátria, existia outro cinema melhor, o América (foto 3), aberto num antigo ringue de patinação, pelo João Batista Groff, diretor documentarista, um dos primeiros a filmar as cataratas e quedas do Iguaçu, e que ficou conhecido por registrar em Curitiba os acontecimentos da revolução de 1930, com o filme “Pátria Redimida”, ainda mudo, e muitos outros títulos. Além de exibidor, teve uma produtora de atualidades a Groff-film. Um dos pioneiros do cinema no Paraná. Depois passou o cinema ao empresário paulista Sá Pinto. O cine América fechou em 1960 para dar lugar também a um edifício. João Batista foi homenageado pela Fundação Cultural de Curitiba com um pequeno cinema, o Cine Groff, que funcionou na rua XV de Novembro, nos fundos de uma galeria, entre 1981 e 1997, com excelente programação.
Bons tempos em que íamos à escola sozinhos ou acompanhados apenas por um vizinho ou irmão maior e brincávamos nas praças. Talvez por isso, ainda hoje detesto passear em shoppings, gosto das ruas, de liberdade. Nada como as cidades em que se pode passear, ir a cinemas e teatros e jantar ou tomar um café em calçadas, sem preocupações."
(Texto/fotos: revistaideias.com.br)
Paulo Grani

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Foto 1 - Cine Curitiba. Foto: Divulgação

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Foto 2 - Cine Odeon, ao lado o cine Ópera. Foto: Divulgação.

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Foto 3 - Cine América, antes do cine Curitiba, ao lado. Foto: Divulgação.

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