quarta-feira, 22 de junho de 2022

CONHECENDO O VAGÃO DO "ARMISTÍCIO" Em 1937, o Sr. Issac Lazzaroto e a Dna. Júlia Tortato Lazzarotto transformaram uma pequena casa existente nos fundos do armazém e residência da família, localizada na então Avenida Capanema, 753 (hoje Avenida Presidente Affonso Camargo)

 CONHECENDO O VAGÃO DO "ARMISTÍCIO"
Em 1937, o Sr. Issac Lazzaroto e a Dna. Júlia Tortato Lazzarotto transformaram uma pequena casa existente nos fundos do armazém e residência da família, localizada na então Avenida Capanema, 753 (hoje Avenida Presidente Affonso Camargo)

CONHECENDO O VAGÃO DO "ARMISTÍCIO"
Em 1937, o Sr. Issac Lazzaroto e a Dna. Júlia Tortato Lazzarotto transformaram uma pequena casa existente nos fundos do armazém e residência da família, localizada na então Avenida Capanema, 753 (hoje Avenida Presidente Affonso Camargo) em uma cantina.
Não se sabe quem batizou a cantina do seu Isaac com o nome de "Vagão do Armistício". Sabe-se que na parede da cantina havia uma gravura mostrando o vagão de trem onde a Alemanha humilhada assinou sua rendição à França, em 1918. Dizia-se que a cantina "parecia um vagão". O apelido pode ter sido instantâneo.
Na cantina, dona Júlia esposa do seu Isaac, servia um delicioso risoto que acabou fazendo parte da história de Curitiba. O popular prato da culinária italiana, feito com arroz em papas e moela de frango, não só representa a cidade como a projetou país adentro.
As narrativas sobre o nascimento do local são tão deliciosas quanto, segundo testemunhos, o risoto de dona Júlia. Era praxe nas famílias italianas servir comida em casa e cobrar uns trocos por isso. Não se fazia luxo. Puxava-se a mesa para fora de casa e as panelas no fogão a lenha. Tampouco havia compromisso de servir sempre: tinha dia e hora marcados. Chegou tarde? Pois chupe o dedo.
Júlia, auxiliada pelos filhos João e Napoleón, começou a servir risotos depois da aposentadoria de seu marido, Isaac, na Rede Ferroviária, em meados da década de 1930. Isaac trabalhava como guarda-freios, uma espécie de camicase que andava sobre os vagões, entre um e outro, com o trem em movimento, sujeito a toda sorte de tragédia.
Era figura estimada entre os ferroviários. Logo, não lhe faltaram fregueses no armazém de secos e molhados que abriu logo depois da aposentadoria, junto da casa, à beira do quilômetro 108 da linha do trem, ao sabor da enchentes do Rio Juvevê.
Isaac vendia "chachichos", bebidas, manteiga, oferecia quadra de bocha e conversa fiada para poloneses, italianos e negros da Vila Tassi, plantada do outro lado da rua. Uma das diversões era ver as meninas estudantes irem rumo ao tradicional Colégio Nossa Senhora de Lourdes.
O risoto que chegava aos pratos seguia a tradição italiana. "Minha mãe colocava o sal na palma da mão, nivelava com a colher de pau, e nunca errava", resume João. Os primeiros fregueses foram homens do Exército, que serviam no quartel da Avenida Silva Jardim. Os demais, artistas e políticos de cepa. Os desenhos de Poty sobre esse cenário mostram os oficiais comendo sob a sombra de um chorão. Havia um quintal cheio de galinhas e de copos de leite lotando os banhados. Nascera para ser simples como isso. Virou uma página da história local. Eis a graça.
No barracão havia uma mesa só, para não mais de 45 pessoas. Se lotava, Isaac puxava uma mesinha na cozinha, ao lado do fogão de lenha, ou na sala grande. Só não podia chegar de surpresa. O risoto servido pontualmente às 19 horas era feito com molho pardo de moelas. Os pedaços assados vinham à parte, mais a polenta e o vinho Pianti. A galinha era criada no quintal.
Segundo João Lazarotto, entre 1937 e 1946, o interventor Manoel Ribas não passava semana sem aparecer no "Vagão", trazendo a reboque políticos e burocratas do estado. Sua chegada era precedida pela motocicleta do segurança Mário Guerra, trajando preto e quepe, anunciando que o chefe estava chegando ao Capanema.
Graças ao prato feito por essa descendente de imigrantes, parente de ninguém menos do que Maria Polenta, o guri chamado Napoleón Potyguara Lazzarotto, o Poty, foi revelado.
A história é bem conhecida. Poty jovem desenhava à toa quando foi flagrado pelo interventor Manoel Ribas, que o brindou com uma bolsa de estudos na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. O resto veio a galope. Mas não se falou o bastante do lugar em que tudo isso aconteceu: o chamado "Vagão do Armistício", apelido da cantina que a família Lazzarotto manteve em Curitiba de 1937 até 1960. Foram mais de 20 anos de reinado gastronômico e cultural. O local era um barracão de madeira, usado para guardar lenha e abrigar a vaca Chiquita. Na frente, funcionava um armazém. Nada mais curitibano.
Justiça seja feita, o "Vagão" ganhou registros do historiador David Carneiro, do cronista Valério Hoerner, do escritor Valêncio Xavier e, agora, um documentário do cineasta e fotógrafo Paulo Koehler"
Não se sabe ao certo, mas o que se conta é que o interventor Manoel Ribas soube das virtudes culinárias de Júlia Lazzarotto, da popularidade de seu Isaac e passou a frequentar a cantina apelidada de "Vagão do Armistício".
Era tratado como o príncipe da Dinamarca, mas tinha de seguir as normas da casa e avisar antes, dizendo com quantos confrades políticos ia comparecer. Júlia, conta o filho João Lazzarotto, era rígida com horários e com a quantidade de comida. Ribas gostava tanto do local que, para garantir um canto de mesa, instalou um telefone na casa dos amigos, algo então raro na região. Era o "2872".
A depender da clientela, Joãozinho, como era chamado, começava a matança das galinhas, ajudava na colheita dos radites, não raro tendo de pedir socorro aos vizinhos, que abriam a porta dos galinheiros para ajudar. Recebiam em dobro: poderiam tietar os ricos e famosos que viriam para o jantar.
Além da nata política da época, batiam ponto no local cantores de rádio e artistas de teatro, em visita a Curitiba. A lista é um palco iluminado: passaram pela cantina Vicente Celestino, o Ébrio; Sílvio Caldas, o Caboclinho Querido; as irmãs Linda e Dircinha Batista; a bela Maria Della Costa e seu marido, Sandro Polloni. Inclua-se Hebe Camargo e Cecília Meirelles, sem falar as damas da sociedade curitibana, vestidas como se estivessem no salão azul do Clube Curitibano. Alguns cantores davam palhinha, mas quem mandava no território era o gaiteiro do bairro, Zé Pequeno.
Os ilustres em visita viravam retratos na parede. Todos deixavam a assinatura num livro de ouro, documento desaparecido, para tristeza geral. O "Vagão" somava três metros de largura por seis de comprimento. Pequeno e comprido, obrigava inimigos de partido a sentarem de frente uns para os outros, em armistício, muitas vezes à mercê do clique de fotógrafos do temido DIP, departamento do governo Vargas que infernizava a imprensa. Era o Brasil irmanado por um prato de risoto.
Aos poucos, os hábitos mais cosmopolitas foram se impondo. Em 1960, o Vagão estava quase esquecido. Uma das últimas celebridades a pisar ali foi Linda Batista, também ela longe do reinado da Era do Rádio. Sua foto ao lado de Isaac, tendo ao fundo a Avenida Capanema, tem um toque de adeus.
O "Vagão" está em pé, no terreno original, atrás do Cartório do Cajuru. Com o apodrecimento das madeiras, foi diminuído e reformado, mas as janelas e portas são originais. Há pinturas do próprio Poty, no teto. O cartorário João Lazzarotto recebe visitas de escolares, pré-agendadas no (41) 3262-3553
(Compilado da Gazeta do Povo)
Paulo Grani.

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Aspecto da pequena cantina dos Lazzarotto, apelidada de "vagão do Armistício, com clientela em dia de um aniversário, nos idos de 1940.
Foto: gazetadopovo.com.br

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Politicos reunidos degustando o famoso risoto da dona Julia, anos 1950.
Foto: gazetadopovo.com.br

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Junto ao vagão, após a assinatura do armistício: em primeiro plano, o marechal Ferdinand Foch, ladeado pelos almirantes britânicos Hope e Rosslyn Wemyss.
Foto: Wikipédia

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Interior do vagão do armistício no momento da assinatura do tratado de paz .., em foto colorizada.
Foto: Wikipedia
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Aspecto da cantina vagão dos Lazzarotto nos dias de hoje.
Foto: curitibaspace.com.br
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Ao centro o ator Procópio Ferreira em passagem por Curitiba.
Foto: gazetadopovo.com.br

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Poty Lazzarotto em pé, atrás, nos anos 1950, com amigos reunidos em torno do risoto de dona Júlia.

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O armazém de secos e molhados dos Lazzarotto, anos 1940, em cujos fundos fica a cantina, na antiga Avenida Capanema, hoje Av. Afonso Camargo.
Foto: gazetadopovo.com.br

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No teto curvo da cantina, em uma de suas pinturas Poty Lazzarotto eterniza sua lembrança da mãe na cosinha preparando o lendário risoto.
Foto: retratandocuritiba.com.br

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Em outros traços, Poty retrata seu pai servindo os deliciosos pratos.
Foto: retratandocuritiba.com.br

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Em outra tomada, Poty relembra as famosas trucadas, que entravam noite adentro na cantina.
Foto: retratandocuritiba.com.br

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Poty retratou sua avó com uma cesta de flores que vendia no centro da cidade. Era francesa e cultivava copos de leite no quintal da propriedade dos Lazzarotto.
Foto: retratandocuritiba.com.br

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Em suas lembranças do tempo de infância, Poty retrata suas peripécias de andar sobre os trilhos que serpenteavam nas proximidades de sua casa.
Foto: retratandocuritiba.com.br

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Neste detalhe, retrata seu pai sobre um vagão de trem na função de guarda-freios da rede ferroviária, profissão exercida antes de se aposentar e abrir o armazém.
Foto: curitibaspace.com.br

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O interior da cantina hoje aberta ao público, preservada nos fundos da propriedade da família, localizado nos fundos do cartório do Cajuru.
Foto: curitibaspace.com.br

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Tomada externa da pequena cantina, nos dias de hoje.
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