terça-feira, 29 de novembro de 2022

ANTONINA ANTIGA - 1

 

ANTONINA ANTIGA - 1


Recebi, tempos atrás, uma apresentação em powerpoint com fotos de antonina antiga, nem me lembro mais de quem. As apresentações em powerpoint são uma faca de dois gumes da internet: as pessoas, pensando em fazer o bem, nos impingem coisas que elas gostariam que víssemos. Em geral essas apresentações são muito chatas, inclusive as que eu mando para os amigos, com um título chamativo como “imperdível”, ou “interessante”. Mas essa, por meus motivos, é mostra varias fotos imperdíveis e interessantes, sem aspas. Antonina antiga é quase um pleonasmo.

A foto que aí está é uma foto aérea dos anos 60, acho eu. Mostra em primeiro plano o prédio do antigo mercado, demolido com fúria assassina na gestão de Romildo Gonçalves Pereira. Meu pai foi um dos que se insurgiu na época contra o que ele chamava – e realmente era – “um crime contra Antonina”. Nunca entendi as razões que botaram abaixo o belo prédio de azulejos portugueses e fachada sóbria que vemos majestoso no terço inferior da foto. Progresso, talvez?

Vêem-se, logo abaixo do prédio central do Mercado, várias outras construções, algumas em ruínas, que hoje deve fazer parte do estacionamento em frente, e que durante muitos anos foi um restaurante e loja de artesanato. Logo na esquina, uma casa que naquela época já estava em ruínas, e o belo e sóbrio casario que rodeia a quadra da atual rodoviária e a feira-mar – hoje Praça Romildo Gonçalves Pereira. O que hoje é a praça era um descampado, e ainda se vêem as marcas de carros que indicam a localização do trapiche.

Ao fundo, vêem-se as casas, que o preto e branco da foto faz uma densa mancha de claros e escuros, com fachadas, telhados e arvores – lá longe se pode ver mais ou menos no centro da foto o campanário da igreja de São Benedito, fazendo um belo contraponto com o mercado abaixo. No fundo, vêem-se os morros do Bom Brinquedo e do Salgado. Reparem que naquele tempo os morros tinham bem menos vegetação que hoje. Ao fundo, bem ao fundo, a serra do Marumbi num cinza bem claro e com nuvens no seu topo. Devia ser um dia claro, embora as serras estivessem nubladas. Em frente ao mercado pode-se ver uma Kombi, que “data” a foto em 1960 ou menos.

Não sou nenhum entendido de fotografia, como Mestre Eduardo, mas arrisco a dizer que o belo desta foto é o seu conjunto. É minha leitura, existem infinitas outras possíveis e desejáveis. A cidade aparece coesa, casas e ruas juntas num emaranhado preto e branco, formando um imenso quadrado visto do céu, com o mercado municipal “amarrando” tudo no vértice inferior. A cidade como um todo coeso? Delírio, delírio, delírio. Nós, na Deitada-a-beira-do-mar, somos tenazmente frouxos, inconsistentes, incoerentes.

Essa já é uma foto da decadência: as ruínas ao redor do mercado são sinais visíveis disso. Os que, como eu, vieram ao mundo depois dessa época – eu sou de 63 – nós não vimos senão decadência. Por muito tempo procuramos culpados – era o porto, o assoreamento da baia, eram os prefeitos de plantão, era a estatua de N.S. da Soledade que foi xingada pelo capitão-povoador Valle Porto, era a expulsão do interventor Manoel Ribas do Clube Literário – vivemos sempre na culpa e na busca de culpados.

E nós? Nós, como povo de uma cidade pequena, linda, maravilhosa, alegre, mas que não dá sustento para suas famílias, que afunda no crack nossas crianças? E nós, que pensamos na política como uma forma de se dar bem, de cavar uma nomeação, de dar emprego pra família? Que moral nós temos pra buscar culpados?
Enfim, pensamentos em preto e branco sobre uma foto aérea do passado...

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