ANTONINA EM 1854 (parte 5)
Os escravos viviam sendo submetidos a humilhações e castigos; na Deitada-a-beira-do-mar não foi diferente... |
A história oficial narra que patriotas brasileiros revidaram, e chegaram a trocar tiros de canhão com a belonave inglesa na Fortaleza da Ilha do Mel. Há uma placa comemorativa lá no velho forte sobre o tal “Incidente Cormorant”. Pelo que se depreende dos relatos, o navio inglês entrou e saiu da barra da Fortaleza como e quando quis. Os tais dos patriotas gastaram pólvora contra um inimigo poderoso e uma causa ignóbil. Mas isso é um julgamento da posteridade...
Em 1854, na Villa Antonina, de cada cinco moradores, um era escravo. Tamanho contingente despertava muito medo entre os senhores, por receio de represálias. As revoltas de escravos, diante deste medo todo, eram punidas com redobrado rigor.
O fato é que naquela época as histórias de navios ingleses que viriam libertar os escravos eram muito comuns. Em janeiro de 1859 a cidade estava em estado de alerta com uma possível revolta escrava (ver aqui). Alguns escravos chegaram a interpelar o delegado, acusando de que este estava escondendo notícias de uma possível emancipação dos escravos. O delegado, com medo, mandou descer tropas de Curitiba e Morretes. Ao fim, nada aconteceu (ver aqui).
O medo era que se repetissem os terríveis acontecimentos de 1835. Naquela época, os escravos do armador José Luiz Gomes assassinaram seu senhor e, segundo os relatos, roubaram uma fortuna em moedas. Isso foi narrado por Ermelino de Leão no livro "Antonina, Fatos e Homens", capítulo 20, pag. 136.
José Luiz Gomes tinha um grande sítio no Pinherinho. Era armador de navios e participava do tráfico negreiro, tendo acumulado grande fortuna. Depois de assassinar seu senhor, os escravos fugitivos foram capturados e mortos, tendo seus corpos exibidos em postes por toda a área do Pinheirinho. Tempos terríveis.
A resistência dos escravos também se dava de outras maneiras. Em 1º de outubro de 1855 o preto João, de nação congo, fugiu de seu senhor Manoel José da Rosa Junior, morador da rua da Carioca em Antonina. Segundo o anúncio (ver aqui), João tinha 20 anos, era baixo e tinha pouca barba, dedos curtos, dentes afinados e olhos um pouco vermelhos. Tinha fala atrapalhada. Quando fugiu levou roupa de algodão, calças riscadas e um cobertor.
Era comum essa descrição mais ou menos detalhada. Na falta de fotos, ela garantia a identificação do escravo fugitivo. A gratificação para quem apreendesse João Congo era de 40 mil réis. Para se ter uma ideia, um escravo custava nesta época cerca de 320 mil reis.
Em novembro de 1854 o cidadão capelista Antônio José Alves publica um anúncio no Dezenove de Dezembro (ver aqui) avisando da fuga de seu escravo Antônio. Segundo o anuncio, Antônio tinha cor parda e estatura ordinária, olhos pequenos, corpo reforçado, cabelo corredio, pernas grossas e um tanto zaimbras (o que seria isso?). Tinha ainda os pés esparramados. Quando fugiu vestia camisa e calça de algodão grosso, e um embrulho com mais alguma roupa. O senhor ainda prometia recompensa para quem lhe devolvesse Antônio, além de uma “gratidão eterna”. Ainda segundo o anúncio, Antônio tinha como profissão oficial de pedreiro.
Uma fonte de renda muito comum nesta época era o aluguel de escravos como Antônio para atividades diversas, como pedreiros, carpinteiros, etc. Eram os chamados “pretos de ganho”. Num processo de 1859 descrito por Silvia Correia de Freitas (ver aqui) descreve um caso de violência envolvendo um “preto de ganho”.
O preto Simão, que trabalhava alugado como padeiro, foi castigado por Luís Manoel da Cunha, dono de uma Padaria na Deitada-a-beira-do-mar. Ao ser acordado de madrugada para trabalhar na massadeira de pães, Simão argumentou que não era seu serviço e foi por isso castigado com bofetadas e golpes de cabo de vassoura. Simão então levantou-se e foi para a casa de seu senhor, pois este havia lhe garantido que “não aguentasse desaforo”.
O preto Simão, que trabalhava alugado como padeiro, foi castigado por Luís Manoel da Cunha, dono de uma Padaria na Deitada-a-beira-do-mar. Ao ser acordado de madrugada para trabalhar na massadeira de pães, Simão argumentou que não era seu serviço e foi por isso castigado com bofetadas e golpes de cabo de vassoura. Simão então levantou-se e foi para a casa de seu senhor, pois este havia lhe garantido que “não aguentasse desaforo”.
O castigo físico dos escravos era uma constante. Entretanto havia na sociedade uma ideia de que este castigo deveria ser “justo”. Em junho de 1859 foi aberto em Antonina um processo do escravo Diogo, que estava na cadeia para se avaliar seu estado. Diogo dizia estar com a costela fraturada e um braço bastante machucado.
Os presos da cadeia diziam que Diogo estava vazando sangue pelo nariz e pela boca. Não conseguia se mover e estava prestes a morrer. No entanto, todos os testemunhos, a maior parte negociantes e lavradores da cidade diziam que o escravo apanhara de seu senhor por motivo justo.
Diogo não foi interrogado no inquérito. Francisco Ferreira Correa, promotor de justiça em Paranaguá, faz um arrazoado sobre as reclamações do escravo Diogo. Diz o promotor que o senhor tinha direito a castigar seu escravo, e que o espancamento não tinha sido brutal.
A prova é que o exame de delito, efetuado cinco dias depois da queixa, mostra que o escravo não teve nenhum osso quebrado. Segundo o nobre promotor, “o corretivo consistiu em um castigo moderado, o que é permitido no parágrafo 26° do artigo 16 do Código Criminal”.
O promotor Corrêa acrescenta que o réu, o Senhor Correa, não deveria ir à julgamento. A surra em Diogo não configurara um castigo severo. Além disso, a punição de um senhor que castiga seus escravos, argumenta o promotor, “ficaria com um precedente que acarretaria consequências de desrespeito e insubordinação dos escravos para com seus senhores” (aqui).
Estas são histórias pouco edificantes da bela Antonina. Muitas outras histórias de brutalidade e desrespeito poderiam ser contadas. Essas poucas historias, terríveis, nos remetem diretamente para nosso tempo.
Apesar de já não termos escravos, quantas vezes atos semelhantes não se repetem? Quantas vezes nos calamos vendo a brutalidade ocorrer na nossa frente? Quantas vezes ainda vamos tolerar a morte banal de pessoas simples e humildes somente pelo fato de serem humildes? Como um branco (e filho de desembargadora!) sai inocente após ser preso com drogas e armas, enquanto o negro Rafael Braga continua preso por porte de Pinho Sol?
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