A CAVEIRINHA
(Lenda parnanguara)
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A CAVEIRINHA
(Lenda parnanguara)
— Caveirinha, quem te mato ?
— Foi a "língua"; ouviu ele o esqueleto responder.
•— Achando graça, tornou a perguntar:
— Caveirinha, quem te mato ?
•— Ea resposta não se fez esperar:
— Foi a "língua"...
— Fez o molambo a pergunta pela terceira vez:
— Caveirinha, quem te mato ?
— Foi a "língua"...
O escravo, então, apressou o passo, não por medo, mas para chegar mais cedo à casa do amo; pois estava doidinho para soltar a língua, como sempre fazia, porem, acrescentava as coisas com mentiras descaradas.
Tão logo deixou o pote com água na cozinha, foi, lépido, até a senzala nos fundos do quintal, para contar o caso aos companheiros de cativeiro, que havia falado com uma "caveira".
Alguns começaram a rir, gozando o escravo linguarudo. Outros, nem deram atenção; pois já conheciam as manhas e mentiras do tal. Mas um deles, muito crédulo, aventurou-se a contar ao amo a façanha do fulano marombado, como diziam todos.
O patrão, cansado de saber das invencionices do escravo, mandou-o chamar. Ele veio todo lampeiro. O patrão então perguntou: — Que estória é essa do esqueleto falar, seu mentiroso?
— Meu amo, eu juro que oví a caveira falá...
— Você não perde o costume de soltar a língua. Não se emenda mesmo.
— Mas eu vi a caveira e oví ela falá. Eu juro que não tô mentindo. Ela tá lá...
— Você é um descarado. Não sabe que um esqueleto não tem vida ? Como então poderia ele falar ?
— Falô, sim sinhô, meu amo. Eu tô dizendo a verdade. Mecê pode aquerditá. Desta veis eu não tô mentindo.
— Jura em nome de Deus ?
— Juro, por nosso Sinhô !
— Pois bem. Nós iremos ao Campo Grande. Queremos ver esse esqueleto se ainda lá está lá e também ouví-lo falar com você. Mas fique certo do seguinte: Se o esqueleto não responder à sua pergunta, eu mandarei amarrá-lo ao tronco da figueira, junto ao esqueleto, para receber 100 chicotadas, a fim de nunca mais mentir.
E lá se foram todos, patrão, empregados e escravos, onde, de fato, encontraram um esqueleto encostado a uma figueira, no tal Campo Grande.
— Agora, disse o patrão: Fale, seu sem vergonha; fale com ela.
— E o escravo já meio amedrontado: Caveirinha, quem te mato ?... Nada; o esqueleto não respondia. Tornou a perguntar: Caveirinha, meu bem, quem te mato ?... Nem uma palavra. Já temendo o castigo que ia receber e que por certo não agüentaria, começou a implorar: Caveirinha, minha boa amiguinha, diga, por favô, quem te matô. Diga, senão eu vô apanha muito... O silêncio continuava...
— Pessoal, falou o patrão, amarrem esse marombado ao tronco da figueira e... executem as minhas ordens. E foi-se embora com os demais escravos.
O pobre escravo não agüentou o suplício... morreu... Já era noite quando isso aconteceu.
Depois que os empregados foram embora, deixando o coitado amarrado ao tronco da árvore, ouviu-se uma voz :
- "Eu não te disse que quem me matou foi a língua ? ! . . .
Isso aconteceu no tempo da escravatura. Contavam os negros em suas senzalas, à noite.".
(Texto extraído do livro "Paranaguá na História e na Tradição, de Manoel Viana)
Paulo Grani
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