domingo, 31 de março de 2024

CASAMENTO DOS IMIGRANTES ALEMÃES "A festa de casamento era para os imigrantes alemães a maior e a mais importante

 CASAMENTO DOS IMIGRANTES ALEMÃES
"A festa de casamento era para os imigrantes alemães a maior e a mais importante


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Foto ilustrativa de um "Hochzeitsbieter", o convidador.

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Casamento de imigrantes alemães na colônia de Joinvile.

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CASAMENTO DOS IMIGRANTES ALEMÃES
"A festa de casamento era para os imigrantes alemães a maior e a mais importante. A maior parte do ritual era organizado pelas famílias, portanto, um assunto secular. Para a igreja só cabiam dois momentos: o anúncio do casamento — as proclamas — e a condução da bênção no dia do casamento.
O rito do casamento requeria semanas de preparação. De preferência, casava-se na sexta-feira, pois a festa estendia-se até o sábado. Dançava-se durante a noite toda, até o raiar do sol no sábado. Assim, casando-se na sexta-feira, não se prejudicava a ida ao culto no domingo. o mês de julho era um mês ideal para se casar, pois havia terminado a colheita, e isto significava algum dinheiro para organizar bem a festa.
Todo o processo do casamento iniciava quando se conversava com o pastor para acertar a data do casamento. A isto se seguia o anúncio de casamento no culto comunitário. Após este anúncio, entrava em função o Hochzeitsbitter, o “convidador/pedidor” para o casamento. Este visitava casa por casa, convidando as famílias para o casamento. Vestia-se melhor e levava-se preso à camisa, nas costas, um arranjo com tas coloridas, enfeitadas com um pequeno galho de cipreste. Também levava consigo uma garrafinha enfeitada com cipreste e fitas, contendo cachaça.
Ao chegar à casa da família a ser convidada, nada falava. Também a família nada conversava. Abria-se espaço para que pudesse entrar até a sala ou um espaço maior na casa. lá o Hochzeitsbitter iniciava um ritual de andar em círculo e, em forma de versos, nem sempre rimados, ou outros textos decorados, convidava a família para o casamento. Da região de Santa maria de jetibá, tem-se a seguinte forma de convite:
“A todos juntos digo um bom dia!
Ando em círculo, para que tudo transcorra com entendimento.
Uma boa saudação e um bonito cumprimento de ... (nome da noiva e nome do noivo).
Fui incumbido de convidar para o casamento deles no dia ... na casa dos pais da noiva.
de certo todos vocês virão, pai e mãe e todas as crianças, avô e avó também.
Frangos, boi e porco serão carneados e toda comida de forma gostosa preparada.
Colher não foi esquecida, assim não precisam comer com os dedos.
Também à noite haverá comida e uma bela dança que a todos alegrará.
Venham festivamente vestidos, porém, não mais do que os noivos.
Noiva e noivo querem ser os mais bonitos”.
Após o convite, o convidador oferecia um gole de cachaça ao pai da família. Este retribuía, dando alguns trocados ao Hochzeitsbitter.
Na noite anterior ao casamento, acontecia o Pulterowend ou Polterabend, recentemente chamado de “quebra louças”. Essa prática remonta à época de antes da cristianização dos povos germânicos, quando, na tentativa de afugentar maus espíritos, fazia-se barulho, algazarra e gritaria. De forma análoga, quebravam-se louças de porcelana ou cerâmica, batia-se em panelas para afugentar maus espíritos que eventualmente pudessem prejudicar a vida matrimonial dos noivos que estavam se preparando para a bênção matrimonial.
A cerimônia do Polterabend seguia, de região para região, rituais diversos. Geralmente noivo e noiva sentavam-se na sala, quando iniciava fora da casa barulho provocado por panelas. Ao mesmo tempo se jogava louças contra a porta. Esta era aberta e todo cortejo adentrava no recinto com gritaria e algazarra. Em alguns lugares, amigos do noivo ou da noiva jogavam entulho diante da porta, para que estes tivessem o trabalho de removê-lo, pois no dia do casamento tudo teria que estar limpo e caprichado, para receber bem os convidados.
Após o “quebra louças”, os noivos tinham que limpar a casa dos cacos e enterrá-los perto da casa, ou na lavoura em volta da casa. Este trabalho era feito em conjunto pelos noivos, o que simbolizava paz matrimonial. Apenas se observava que a pá para carregar os cacos fosse conduzida pelo noivo, simbolizando que este detinha o leme do matrimônio.
junto ao Polterabend também acontecia o que muitos chamavam de Heunerowend, ou seja, “noite das galinhas”. nesta noite, comiam-se os miúdos, pois era costume cada convidado trazer manteiga e uma galinha para reforçar a mesa farta do banquete do casamento.
Em casamentos nunca podia faltar a carne de galinha, pois ela tinha uma simbologia especial. A galinha solta em torno da casa sempre denunciava a aproximação de elementos ou coisas estranhas através do seu cacarejar. ingerir carne de galinha no casamento significava que todos os convidados interiorizavam a percepção da galinha para denunciar qualquer tipo de ameaça que por ventura quisesse se aproximar do casal para atrapalhar o matrimônio. Além desta simbologia, esperava-se também que os noivos, ingerindo esta carne, pudessem sempre “cacarejar” de alegria e felicidade em sua vida matrimonial.
Para o dia do casamento, convidados chegavam cedo. Eram recepcionados por um músico que tocava a concertina. Era o processo do ranespäle ou inspäle, algo como chamar os convidados para perto ou para dentro através da música. Do lado do músico havia um prato enfeitado com flores ou galhos de cipreste, no qual se colocavam alguns trocados. Também havia uma garrafa enfeitada com galhos de cipreste, contendo cachaça, da qual os homens serviam-se ao chegar. Por vezes, colocava-se ao lado da garrafa de cachaça uma garrafa contendo uma bebida fermentada de gengibre, que aportuguesada, era chamada de Ginchibier (cerveja de gengibre). quem chegava era recebido com café, pão, bolo e biscoitos.
nos primeiros decênios da imigração, as noivas eram vestidas pela mãe e irmãs. o vestido era de seda preta e sobre a cabeça recebiam uma tiara ou grinalda de murta ou cipreste, permeada com pequenas flores brancas. Vestidos brancos foram adotados apenas a partir do início do século 20.
A tradição da cor preta tem a ver com os costumes na Alemanha. indicam-se para dois: geralmente os casamentos aconteciam depois da colheita, isto é, já no início do outono, quando a temperatura já podia cair consideravelmente. A cor preta absorvia melhor o sol, esquentando mais sobre o corpo. o segundo costume tinha a ver com a questão religiosa. A cor preta simbolizava respeito diante do momento religioso na igreja. noivos usavam terno preto e gravata.
Iniciava então o cortejo até a igreja, a cavalo. A maioria dos convidados não acompanhava os noivos até a igreja. Dificilmente os pais dos noivos acompanhavam o cortejo. na ida para a igreja, a noiva ia à frente do noivo. na volta era o inverso. Para mostrar que agora o homem conduzia o matrimônio, este guiava o cortejo até a casa. Era também neste dia que geralmente acontecia o casamento civil, sempre antes da cerimônia religiosa.
Todos os cavalos eram ricamente enfeitados com guirlandas de flores, murta ou cipreste. o cortejo era acompanhado por um grupo que conduzia bandeiras e soltava fogos. Além dos fogos, também se soltavam gritos em falsete durante o caminho. Toda esta algazarra tinha as suas raízes no período da pré-cristianização. Valia espantar os maus espíritos através de foguetório, gritos e empinar as bandeiras, movendo-as de forma constante.
Chegava-se então à igreja, onde os noivos, na porta, eram recebidos pelo pastor. Após cumprimento, este os conduzia até o altar, onde recebiam a bênção matrimonial. Algumas pessoas observavam quem primeiro pisava no interior do templo. Se fosse o noivo, este mandaria no matrimônio. Se a noiva pisasse primeiro, era sinal que esta sempre teria a última palavra em casa. Diante do altar, os noivos permaneciam bem juntinhos, para que nenhum mal se interpusesse na vida matrimonial. onde havia sinos, estes badalavam festivamente, anunciando para a redondeza mais uma união matrimonial.
Após a cerimônia, iniciava o caminho de volta. quando o cortejo aproximava-se da casa onde acontecia a festa, geralmente na casa da noiva, soltavam-se foguetes. na casa, respondia-se com forte foguetório. Após os animais terem sido livrados das selas, noivo e noiva eram recebidos na casa com música e um gole de cachaça.
iniciava em seguida o banquete. Eram mesas compridas, montadas debaixo de armações de bambu e cobertas com palhas de coqueiros. mais tarde também se passou a usar lonas. noivos eram postados na ponta de uma mesa comprida. Sobre suas cabeças havia uma guirlanda de fllores ou de papel crepom. nesta primeira rodada, assentavam-se as testemunhas e os pais, juntamente com o pastor. A este cabia fazer uma oração para abençoar os alimentos e então iniciava um longo processo de alimentação farta, que consistia de carne de frango assada, cozida, batata inglesa, aipim cozido, cará, arroz, carne de boi assada e cozida e molho. Como sobremesa servia-se arroz doce com canela e açúcar. Ingeria-se um fermentado de gengibre ou vinho — este, dissolvido em água e fortemente açucarado. os pratos sempre estavam virados para baixo apenas acompanhados de uma colher. As toalhas de mesa eram enfeitadas com murta ou cipreste e pequenas flores, postas sobre as mesas, sem jarras.
Quando o primeiro grupo tinha se fartado, sentava o segundo e assim sucessivamente. Cabia aos noivos permanecer na cabeceira da mesa, acompanhando os diversos grupos. Eram servidos pelos “serventes”, que eram caracterizados pelas tas coloridas presas nas costas e uma toalha de rosto, pendurada sobre o ombro. Cabia também a estes repor os alimentos e a bebida nas mesas.
À tarde, tirava-se uma foto com todos os convidados. noivos, pais, testemunhas, tocadores de concertina e crianças tinham lugar na primeira la. Serventes e cozinheiras vinham em seguida. os outros convidados postavam-se morro acima, pois estas fotos tinham a característica de serem tiradas num local com inclinação, para que todos pudessem ser vistos. A foto de casamento era de extrema importância como valor de preservação do sentimento de pertença a uma comunidade, tanto religiosa como étnica. Assim, estas fotos tinham também um lugar de destaque dentro da sala das casas para serem logo apresentadas aos visitantes. Tudo indica que esta prática queria ressaltar algum caráter mágico/religioso, pois significava um momento em que aquele grupo familiar tinha garantido sua sobrevivência e reprodução através do casamento.
Ao anoitecer, iniciava aos poucos o momento das danças e do baile. nisto a igreja não tinha nenhuma participação, pois muitas vezes só se iniciavam as danças depois que o pastor já tinha deixado a festa. Fazia-se a dança da noiva (Brutdanz) e a dança da grinalda (kranzafdanse). nesta última dança, noivo e noiva dançavam com todas as pessoas solteiras, como num ato de despedida da vida de solteiros e ritual para o ingresso de uma nova vida. Depois, seguia-se a dança da noiva, onde todos os convivas dançavam com noivo e noiva, novamente na perspectiva de um ritual que conduzia para a vida junto aos casados. Terminado este ritual, iniciava o momento em que os casados podiam dançar com qualquer pessoa. Expressava-se aí a clara contraposição desta festa ao ambiente na igreja, onde homens sentavam de um lado e mulheres do outro, junto às suas crianças.
Durante todo o dia, funcionava um local onde se distribuía “bebida forte” ou “bebida quente”, como cachaça pura e outras misturas com bebidas com forte teor alcoólico. muito comum eram ervas e raízes dentro de cachaça. Sob in uência do álcool, não raro surgiam discussões e brigas, quando se lembrava de questões passadas mal resolvidas. Para sanar estas questões e achar novamente formas de convivência pacífica, o pastor era chamado pelas partes dias depois do casamento.
Tradicionalmente, na terça-feira seguinte ao casamento, acontecia a mudança, quando o jovem casal mudava-se para a casa ou o terreno da família do noivo. Evitava-se fazer a mudança aos sábados, pois já era o dia que prenunciava o domingo, dia sagrado de descanso.
A primeira ida do casal ao culto após o casamento tinha os seus ritos. Enquanto o marido podia ir desacompanhado, a esposa era acompanhada por duas senhoras já casadas. quando possível, madrinhas de batismo."
(Extraído de scielo.br / Autor André Droogers)
Paulo Grani

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