CASA GUANELLA FOI SINÔNIMO DE PÂNICO PARA BATALHÃO DA FEB
Uma propriedade rural que data dos séculos XII e XIV. Algumas casas e campos intercalados com pequenas elevações. Mais ou menos uns mil à frente, com seus 977m, o Monte Castello. Essa é a Casa Guanella, com registros da época dos romanos e que em 1944 era uma fazenda de civis. Pertencera por muito tempo à Igreja Católica, tendo sido usada também como posto de fiscalização/tributação para mercadorias que circulavam pelas atuais rodovias SSP623/SS64, que dão acesso à Bolonha.
Foi nas proximidades daquele local que os brasileiros haviam se instalado em novembro de 1944 e foi dali que partiram/passaram companhias rumo aos três primeiros ataques fracassados à Monte Castello, nos dias 24, 25 e 29 de novembro daquele ano.
Agora o calendário marcava 2/12/1944 e as tropas do 1° Regimento de Infantaria, esgotadas tanto psicologicamente quanto fisicamente, pelo combate do dia 29/11/1944, precisavam ser retiradas de linha. No lugar deles, vieram infantes do 1º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria, com a 9ª Cia junto.
Esse 11° Batalhão tinha recebido armamentos e instruções, apenas nove dias antes de entrar em linha. Marcharam 6,5 km de Poggio até Casa Guanella. Chovia e já estava esfriando. No caminho cruzaram com soldados sujos e fatigados do 1° Regimento. Alguns homens ainda estavam bastante abalados e outros até choravam, segundo o tenente Alfredo Klas, de Palmeira/PR, que era o subcomandante da 1ª Companhia, do 1º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria.
Do Monte Castello, os alemães observavam os brasileiros se movimentando e logo perceberam que era tropa nova chegando para substituir seus antigos rivais. “Foram advertidos, e até ameaçados, soldados que sobraçavam feixes de palha para preparar camas. (…) Por certo, a essa altura, os alemães já haviam concluído sobre essa situação de tropa nova em linha de frente[1]”, argumentou Klas.
Naquele mesmo dia, de noite, Casa Guanella entraria para a história da FEB. O próprio Klas conta como tudo aconteceu:
Hora de recuar
Os tenentes Aluizio Alves Borges, comandante de pelotão da 1ª Cia e o Tenente Fábio Márcio Pinto Coelho convenceram Cotrim, que já estava abalado psicologicamente, a recuar, a fugir de Casa Guanella.
E assim foi feito, com ordem de recuo até Silla, distante a 7 ou 8 km dali e ponto de reunião de tropas brasileiras. A 2ª Cia seguiu a 1ª Cia, que por sua vez seguiu a 3ª Cia, que tinha ido como reforço. Somente o Pelotão Ary Rauen (tenente que morreria meses depois em Montese) ficou nas posições. Eles eram da 2ª Cia.
Ao saber do ocorrido, o major Jacy entrou em contato com o comando da Artilharia e falou com o comandante daquela arma, General Cordeiro de Farias, que informou que não havia ataque alemão algum, que eles precisavam voltar para as posições, pois, era somente uma patrulha reforçada dos inimigos.
Jacy começou a encontrar oficiais e pedir a colaboração deles para voltar às posições. Alfredo Klas e outro tenente, José Rezende Leite, ajudaram o major a reagrupar o pessoal, que ia chegando de todos os lados. Muitos tinham vindo com a roupa do corpo e nem os equipamentos individuais vinham trazendo, pois, tinham abandonado no caminho para ficarem mais leves e andarem mais rápido.
O capitão Silvio Scheleder, da 2ª Cia foi acusado formalmente de tentar impedir que o pessoal dele voltasse e foi afastado do comando dos homens, tendo sido julgado inocente após o final da guerra. O comandante dele, Capitão Emílio Augusto Guimarães Tinoco, também foi processado e inocentado no final do conflito. O mesmo se deu com Jacy Guimarães. Já Cotrim, ficou tão fragilizado emocionalmente, que precisou ser evacuado da guerra. Depois do acontecido, tinha alucinações e uma tremenda vergonha de si mesmo.
Podia ser pior
Os alemães, segundo o chefe do Estado-Maior da FEB, Coronel Floriano de Lima Brayner[4], não avançaram e tomaram aquelas linhas de Guanella, pois, podiam ter achado se tratar de uma armadilha ou simplesmente porque não tinham intenção de tomar uma posição que não conseguiriam manter depois. Seriam entre 40 e 60 alemães naquele dia. Já o Batalhão tinha pelo menos 190 brasileiros. Brayner também assumiu parte da responsabilidade por ter posto novatos em linha naquelas condições.
Alfredo Klas culpou a falta de treinamento adequado (de postura e armamento) dos homens da 1ª Cia, enviados para um “batismo” de fogo sem o devido preparo. Na opinião dele, o comando de Cotrim também foi falho e quando a 3ª Cia debandou, as outras a seguiram. Na visão do tenente, o efeito psicológico do primeiro bombardeio inimigo e também do fogo amigo (foi pedido que encurtassem a alça de tiros para pegar os alemães que chegavam cada hora mais perto), atingiram negativamente o moral dos Pracinhas[5].Quando amanheceu o dia, homens do III Batalhão do 6º Regimento de Infantaria já substituíam os do I Batalhão do 11º Regimento, mandados para Silla para se recompor.
Um samba da época dizia em um dos versos que “Laurindo desceu o morro” e os combatentes do I Batalhão/11° Regimento receberam o apelido pejorativo de “Laurindos”. Mais tarde recuperariam a honra, ao serem os primeiros soldados a penetrar em Montese destruída, sendo diretamente responsáveis por sua libertação. Já Casa Guanella, seria o “lar” brasileiro até 21/02/1945, quando finalmente Monte Castello caiu.
Visite Casa Guanella por aqui. Dica: pegue a estrada para a esquerda, passando entre as árvores.
[1] KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Guanella: um drama da FEB. Curitiba: Juruá, 2002. p.92-96
[2] Ibidem
[3] KLAS, Alfredo Bertoldo. Op. Cit. p.101
[4] BRAYNER, Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB (memórias de um chefe de Estado-Maior na Itália). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p.263-68
[5] KLAS, Alfredo Bertoldo. Op.Cit. p.105https://curitibaeparanaemfotosantigas.blogspot.com/