OS COLONOS ALEMÃES DO VOLGA
(Texto de Carlos Alberto Schwab)
"Até o ano de 1967, eu nada sabia a respeito de nossos antepassados. Sabia, apenas, que descendia de russo-alemães como todos de minha geração e até a maioria da geração do meu pai, nem sabia o significado do termo. AIguns filhos de imigrantes, que vieram nas últimas levas, diziam-me e até teimavam que os pais haviam nascido na Rússia, porém os avós eram nascidos na Alemanha!
Quer dizer que lhe desconheciam totalmente a história. Outros, ainda, diziam ter aprendido a falar russo, mas já o não sabiam. Ao que eu indagava se era russo ou alemão. E a resposta era: -sei lá, russo, alemão, o idioma que eles falavam. Que idioma era este que eles falavam? Russo é que não era. Náo sabiam que o alemão é um dialeto que até hoje em certas regiões da Alemanha é falado, e naturalmente, entendido por aqueles que lá o falam e, até mesmo, pelos que falam o alemão gramatical. É natural que, nestes 200 anos, fora da Alemanha, o próprio dialeto sofreu modificaçóes.
0 que tem de ficar claro é que as raízes são alemãs, falavam alemão e eram alemães, apesar de terem nascido em um local isolado no território russo! Daí, muitos dirão: "mas, então, eles eram russos!" Para os que ainda têm dúvida de que eles eram alemães, eu cito outro exemplo bem fácil de ser entendido. Estes russos-brancos que vivem na região de Ponta Grossa, nasceram na China. Assim, para quem os conhece eu pergunto: eles são chineses? Não, eles são russos que sabem ler e escrever o russo, têm sobrenomes russos, hábitos e costumes do povo russo, tão-somente nasceram em território da China. Portanto, os nossos antepassados são alemães que apenas nasceram em território não alemão.
Entre os pioneiros, que vieram para o Brasil, ninguém sabia falar russo, com exceçáo do Professor Georg Dechandt. Depois, os que vieram para as Américas, já neste século, chegando a servir o exército russo, tiveram forçosamente que aprender o idioma da terra onde nasceram, mas nem assim perderam a identidade cultural.
Certa vez, visitando minha tia, contei-lhe que havia colocado uma foto dos meus avós em um álbum de retratos, para no futuro ter uma lembrança deles, quando, para minha surpresa, ela ofereceu-me as fotos dos avós! Para mim foi uma grande surpresa, pois eu nem sabia o noine dos meus bisavós, quanto mais ter uma foto deles! No mesmo momento, entusiasmei-me e queria mais! Queria ter fotos de todos os antepassados possíveis; e para outra surpresa minha, ela disse-me que talvez houvesse e que melhor seria eu procurar o tio de minha avó, Adão Becher (1884-1969). Eu nem imaginava que ainda vivesse um irmão de minha bisavó, e foi com a ajuda dele que iniciei minha árvore genealógica, juntando fotos dos que ainda restavam da famílla e tomando os primeiros conhecimentos sobre as imigraçoes deste povo.
Em 1969, através do primo de minha avó, Jorge Senger (1890-1977), descobri que os tios paternos de minha avó Maria Senger (1896-1964) haviam ido para a Argentina e que o meu bisavó, ao ficar viúvo em 1903, foi visitar os pais e irmãos. Acompanhou as carroças que transportavam erva-mate e outros produtos até Foz do Iguaçu e, de lá, seguiu de barco pelo rlo Paraná. Este foi o último contato pessoal da família aqui de Ponta Grossa com os parentes da Argentina, e depois só por carta. Procurando, encontrei uma das últlmas cartas, datada de 1950. Escrevi, e obtive resposta, logo em seguida, fuí conhece-Ios para juntar, os dados e as fotos que faltavam. A partir daí, não parei mais. Fui interessando-me cada vez mais pela história do nosso povo e consegui livros que falavam a respeito do assunto.
Com o incentivo de alguns parentes, dispus-me a pesquisar e coloquei-me a estudar melhor os fatos, a fim de produzir este livro, que se destina aos mais jovens, a fim de que possam entender-Ihes melhor as origens, quem foram os antepassados, bem como possam transmitir a genealogia aos descendentes, pois grande parte da populaçáo, natural dos municípios de Ponta Grossa, Palmeira, Prudentópolis, Lapa e outros circunvizinhos, descende deste povo que, no Brasil, misturou-se totalmente com povos de outras etnias.
Todos os llvros (como Die Auswanderung Die Russland deutschen de Karl Stumpp; Die Deutschen Kolonie an der unterer Wolga in ihrer Entstehung und ersten Entwickellung do Padre Gottlieb Beratz; The Volga Germans de Fred C. Koch e outros) que encontrei a respeito do assunto são quase idênticos e fiéis os historiadores, quando descrevem fato histórico da forma como, realmente, ocorreu.
Algumas datas, principalmente as de nascimento, não coincidem com as que as famílias me fomeceram, porque preferí registrar aquelas que constam nos batistérios e nos casamentos das igrejas, pois devem ser as verdadeiras, já que o sacerdote ou pastor é quem as registravam e, portanto, as vejo como informaçoes fidedignas.
Nosso povo fol tão esquecido que não há sequer em nossas praças uma placa em homenagem a eles, como há para outros povos colonizadores. Apenas no município de Palmeira, em Papagaios Novos, existem placas conmemorativas aos 50, 75 e 100 da inmigraçao e, em Ponta Grossa, pelo que me consta, restavam na década de oitenta apenas trés exemplares do livro Die Wolgadeutschen im Brasilianissche Staate Paraná de Frederico Guilherme Brepohl e Guilherme Fugmann, publicado em 1927, por ocasião do cinqüentenário da imigracão; escrito em alemão gótico, em que, no início, diz: "para as gerações futuras lembrarem dos seus pais!"
Do livro, escrito pelos pastores acima citados, editado en Stuttgart-Alemanha no ano de 1927, não existe nenhum exemplar em bibliotecas, de Ponta Grossa nem do Estado, nem de Curitiba. Em outros países, ele é muito bem guardado e preservado, una fonte constante de pesquisas a respeito dos antepassados no Brasil.
Até mesmo na própria história do Paraná, apenas é citado na parte das etnias em que consta: "ALEMÃES-vieram para o Brasil . . . e mais tarde um grupo da mesma etnia, procedentes da Rússia."
Não posso afirmar, mas este grupo era maior ou pelo semelhante aos primeiramente, citados, motivo por que deveriam os historiadores ter dado maior importanca ao povo dentro do contexto das etnias.
Ao contrario, na Argentina, as tradiçoes são conservadas até hoje (principalmente o idioma); há monumentos aos antepassados, uma associação e, por ocasião do centenário, houve uma grande festa típica, inclusive com casamento, na qual compareceam, além das autoridades do governo argentino e alemão, vários descendentes do mesmo povo, vindos de várias partes do mundo.
Nos Estados Unidos, em Lincoln-Nebraska, está a sede da associaçao, que reúne descendentes do país e do Canadá, com biblioteca, documentos de todos os tipos que, ainda, tentam resgatar os dados genealógicos além de publicarem jornais e, anualmente, uma listagem de pessoas que procuram parentes dentro daqueles países e fora deles.
Aquí no Brasil, por ocasião do centenário, apenas o Dr. Lauro Justus, felizmente lembrou de publicar um pequeno relato num jornal estadual. No ano de 1977, eu já gostaría de que alguém tivesse publicado um livro, sem maiores pretensões, como este. Na época, eu não podería tê-lo feito por falta de material de consulta e, ainda, de pouco conhecimento a respeito do assunto. Também, nunca foi minha pretensão publicar algo, embora o meu hobby fosse a genealogía do nosso povo; porém, com os insistentes pedidos, tomei coragem e agora, por ocasião dos 120 anos que os primeiros Alemães do Volga pisaram o solo paranaense, levo este livro ao prelo.
Devemos resaltar a diferença entre nosso povo daqui e o de outros países. O insucesso das colônias no Brasil levou os propietários de poucas posses a deixarem o País, e os que ficaram, em grande maioria, mudaram-se para as cidades, casarem-se com pessoas de outras etnias e, assim foram engraquecendo os costumes e tradições; oa contrario, na Argentina, nos Estados Unidos, no Canadá e outros, onde as colônias prosperaram, continuaram, mesmo na convivência com os outros, a preservar as tradições.
Assim mesmo, creio que todos nós, descendentes destes imigrantes, alegramo-nos de hoje ser brasileiros. Contudo, não é motivo para esquecermos as nossas origens, pois se aqui estamos, devemos ao enorme sacrifício deles, de terem deixado a terra natal, familiares, seus pais e irmãos divididos entre Estados Unidos, Canadá, Argentina, Brasil e outros, e mesmo os que preferiram ficar em solo russo.
O livro trata, principalmente, da genealogia dos Alemães do Volga que vieram para os Campos Gerais. Creio ter pesquisado e identificado quase todas as famílias que para cá vieram, ou por aquí passaram; naturalmente, algumas podem ter ficado de fora, pois até no ARQUIVO NACIONAL, no Río de Janeiro, nos vários livros de registro de entrada de imigrantes em nosso País, infelizmente faltam justamente os da época em que eles chegaram. Segundo consta, estes e outros registros foram destruídos por ordem de Rui Barbosa, para apagar da nossa história o tráfico de escravos que ainda se fazia para o Brasil. Podem ter ficado de fora, principalmente, as familias que vieram nas últimas levas, porque, ao aquí chegarem, já não se dirigiam às colônias, algumas até ficavam em Curitiba. Por tal procedimiento, já na primeira geração, observam-se casamentos entre pessoas de outras etnias, assim, não encontrei dados sobre elas, mesmo no registro de entrada no País, não há separação entre alemães e alemães vindos da Russia; todos entraram no País como alemães. A única citação refere-se ao porto de embarque na Alemanha e o destino no Brasil, entretanto, creio ter levantado quase a totalidade deles. Aos que, por um acaso, ficaram de fora, as minhas escusas."
Paulo Grani