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sexta-feira, 3 de junho de 2022

RELEMBRANDO A MARIA DO CAVAQUINHO Maria do Cavaquinho, migrante vinda do interior, circulou pela cidade de Curitiba entre os anos 1950 a 1980 como presença marcante.

 RELEMBRANDO A MARIA DO CAVAQUINHO


Maria do Cavaquinho, migrante vinda do interior, circulou pela cidade de Curitiba entre os anos 1950 a 1980 como presença marcante.


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Maria do Cavaquinho, migrante vinda do interior, circulou pela cidade de Curitiba entre os anos 1950 a 1980 como presença marcante.

Era baixinha, temida, irreverente e ousada. Vestia-se de roupas coloridas, carregava sempre um cavaquinho, daí o apelido, e gostava de imiscuir-se nos desfiles de trotes de calouros da universidade, comuns à época. Vivia de gorjetas, tinha altos e baixos, as vezes dócil, outras insolente, defendendo-se com seu instrumento musical à guisa de porrete.

Escandalizou muitas vezes a população que circulava pelo centro da cidade ao agarrar os órgãos sexuais de políticos, figurões ou simples transeuntes. Foi internada em asilos por diversas vezes, substituiu seu cavaquinho pelo rádio de pilha, e nos últimos anos de sua vida trocou Curitiba pela Lapa, onde foi acolhida pelas irmãs de caridade e pelo povo lapeano. Morreu bastante idosa, em 1999.

Tulio Vargas escreveu sober ela:

"Maria do Cavaquinho foi dessas criaturas bizarras que a cidade conheceu na década de 50. Ela quebrava a monotonia das ruas e esquinas de Curitiba com seu jeito desabusado.
Fazia ponto no antigo Café Alvoradinha, na travessa Oliveira Belo, mas poderia ser vista nos arredores, aprontando confusão e cenas hilariantes.

Desafiava o formalismo hipócrita de certos pedestres desprevenidos, ao desandar-lhes o traseiro com o frágil cavaquinho, geralmente a mando de alguém ao preço de alguns trocados.

Lembro-me de outras figuras folclóricas, como o Arcabuz da Miséria, o Pé Espalhado, a Maria Balão e outros, mas nenhum passou a desfrutar a intimidade da paisagem urbana, a exemplo dela, com tal irreverência. Era, contudo, de uma agressividade ingênua, inconsciente até, pois denotava sinais de debilidade mental. Ao cantar, emitia sons inintelegíveis. Mas, divertia a galera com seus chistes e comicidades.

Ganhou até "status", ao ser citada, ao lado do Esmaga, nas crônicas do Mazza, do Adherbal Fortes e, por certo, do Dalton Trevisan. Mereceu muitas páginas antológicas no livro do Valério Hoerner Júnior, publicado em 1989, "Ruas e histórias de Curitiba’’.

De baixa estatura, quase anã, a impressão que se tinha dela era de um duende caboclo, com seus trejeitos e travessuras. Uma criança num corpo de mulher. Esses tipos populares vão e voltam, com aves de arribação.

Fazem falta, porque se inserem no dia-a-dia como parte da própria rotina. Compõem também a história da cidade, porque definem os contrastes que identificam as misérias da condição humana.

Foi assim que Maria do Cavaquinho desapareceu, um dia. Não regressou mais. Ao vazio que deixou na avenida, suscitaram-se as interrogações ressentidas: O que lhe aconteceu? Sem resposta, por muitos anos, jazia num canto da memória a frustação de uma curiosidade insatisfeita. Perdia-se com a sua ausência um elo dessa corrente sentimental que aproxima, pelo milagre da fantasia, pessoas tão díspares.

De repente, eis que a reencontro, por acaso, a perambular pelas ruas históricas da Lapa. Não parece a mesma, encarquilhada pela velhice prematura. Vive da caridade das irmãs do Asilo São Vicente. Apagou-lhe a imagem buliçosa e mágica. Não lembra aquela figura divertida, capaz de peraltices e insolências.

Balbucia algumas palavras, recolhe-se ao silêncio, prisioneira de si própria. Defronto-me com o passado e revejo-a no centro das evocações. Consigo imaginá-la a recompor aquelas quadras pueris da adolescência, a reinar, a seu modo, por entre as lantejoulas de palhaços de circo, no seu picadeiro particular e exclusivo.

E ela, coitada, a me olhar indiferente e distante, sem perceber ao menos que, diante dos meus olhos, virou saudade..."
(Tela: facebook.com/rafaelgreca/posts/vivacuritiba)

Paulo Grani.