sábado, 20 de fevereiro de 2021

PARÓQUIA SÃO JOSÉ E SANTA FELICIDADE

 Uma tradição religiosa

As famílias que deram origem a Santa Felicidade, a par de seu tradicional apego à terra, ao trabalho, à parcimônia e à vida ordeira e pacata, traziam consigo outra tradição não menos arraigada e forte: o apego à religião católica.

Estabelecidos na colônia sem igreja e sem um sacerdote, aos domingos e festas percorriam os 7 km até Curitiba, onde assistiam missa e celebravam os principais atos religiosos, na Paróquia Nossa Senhora da Luz.

 Quando surgiram as primeiras casas, transformaram uma sala em oratório; onde se reuniam para as orações, leituras e catecismo às crianças.

 

Primeira Capela

Surgiu então a necessidade de construir uma Capela. Pequena, de madeira, construída com o esforço de cerca de 70 famílias.

Marco Mocellin, que juntamente com Sebastiano Dal Santo havia aberto um negócio, doou um pedaço de terra em frente à sua casa, e os colonos meteram-se à obra com a melhor boa vontade. Os meios, porém, eram escassos, e tiveram de contentar-se em construir uma capela de madeira, que pouco ou nada custava.

Em pouco tempo a obra foi concluída, e no dia em que o pároco da cidade de Curitiba veio benzê-la e celebrar a primeira missa, foi uma festa extraordinária.

Mas aquela foi, acima de tudo, uma festa exterior, e se foi também interior, espiritual, é certo que não foi completa, porque, não sabendo a língua da terra, não puderam confessar-se nem receber em seu coração o Deus da consolação, como há anos desejavam.

Era o ano de 1886 quando chegou a região de Curitiba um padre italiano que teria papel fundamental na construção da paróquia, Pe. Pietro Colbacchini.

Pe. Colbacchini, o pioneiro

Nascido em Bassano Veneto, norte da Itália, em 11 de setembro de 1845, Pe. Colbacchini estava em São Paulo há dois anos quando ouviu falar das necessidades dos imigrantes italianos na região de Curitiba. Após uma primeira visita, retornou a São Paulo para solicitar a D. Lino Deodato, então bispo de São Paulo e do Paraná, as faculdades necessárias para o exercício da missão junto aos italianos em Curitiba, o que lhe foi concedido em 29 de setembro de 1886.

Com essa autorização, foi para Curitiba, sendo seu primeiro trabalho a pregação de uma missão numa colônia que começava a se formar: Santa Felicidade. Durante os 15 dias que lá permaneceu, os colonos sentiram sua fé revigorada, muito entusiasmados pelo fato de verem um padre como eles, vêneto, falando o mesmo dialeto e portando as mesmas tradições culturais. Em Curitiba, Pe. Colbacchini fixou sua sede em Água Verde, mas percorria incansavelmente as colônias italianas da região, que iam de Morretes à Rondinha; de São José dos Pinhais à Colombo.

O trabalho era árduo e muito desgastante. Colbacchini atendia a colônias distantes umas das outras e com necessidades diversas e variáveis. Nesse contexto, escreveu no fim do ano de 1887 uma carta ao Bispo de São Paulo e Paraná, D. Lino Deodato, expondo suas dificuldades e pedindo soluções para harmonizar e regularizar o atendimento religioso das colônias. Em resposta, o bispo enviou à região de Curitiba um padre para conhecer as circunstâncias e estudar medidas para resolver o problema.

A solução foi viável, prática, conciliatória, a contento do Pe. Colbacchini e dos imigrantes: uma Capelania Curada Italiana. Criada oficialmente em fevereiro de 1888, a Capelania, com sede em Água Verde, abrangia os seguintes núcleos coloniais: Água Verde, Santa Felicidade, Campo Comprido, Colombo, Antônio Rebouças, Rondinha, Santa Maria do Novo Tyrol, Murici e Zacarias.

 

Nesse contexto, Pe. Colbacchini recebeu a notícia que o bispo de Piacenza, D. João Batista Scalabrini, havia fundado uma instituição missionária de amparo aos migrantes. Entrando em contato com Scalabrini, Pe. Colbacchini pediu que fossem enviados mais padres para ajudar no serviço aos italianos da região. 

Em 12 de julho de 1888, dois missionários de Scalabrini partiam de Piacenza para trabalhar na recém constituída Capelania Italiana. Eram eles os padres Domênico Mantese e Giuseppe Molinari.

 

Em 1889, Pe. Colbacchini passou a residir em Santa Felicidade, onde percebeu um problema. A capelinha de madeira, onde eram realizados os ofícios religiosos, começou a ficar pequena, surgindo a necessidade da construção de um novo templo.

Construção da Igreja: construção de um sonho

Veio então a decisão de construir uma nova igreja, não só maior, mas também sólida e duradoura, isto é, de alvenaria. Todos recordam com quanta união e alento foram postas mãos à obra.

Além de um exímio missionário, Pe. Pietro Colbacchini era engenheiro, arquiteto, mestre de obras. Foi o grande responsável pelo projeto da suntuosa Igreja de São José, em Santa Felicidade. Muitas vezes, Colbacchini era visto à frente dos homens que carregavam pedras e tijolos, e das crianças, que carregavam cada uma um saquinho de areia para a construção.

O povo correspondia com grande união e ímpeto, e contribuía à bela obra com cinco por cento dos produtos, com o transporte de materiais, com a oferta dos mesmos, com a mão de obra.

 

Inauguração da Igreja de São José

As obras começaram em 1889 e em 3 anos de intenso trabalho e dedicação, a nova Igreja ficou pronta alguns dias antes do Santo Natal de 1891, uma bela ocasião para inaugurá-la.

O Pe Colbacchini aproveitou para fazer um pouco de bem às almas convidando os habitantes de colônias vizinhas para as funções especiais e o Santíssimo Sacramento.

Para os colonos, foi motivo de orgulho “erigir e inaugurar uma igreja de 42m de comprimento, 16m de largura, com 3 naves e duas capelas, e 15m de altura, que é uma maravilha para estes lugares.”

(Colbacchini, P. Pietro, id. Ib. p. 334)

Por alguns dias, fizeram-se solenes procissões, nas quais se transportavam da Igreja velha quadros e imagens de santos. Na manhã da véspera de Natal, o Pe Pietro Colbacchini benzeu solenemente a nova Igreja, com a participação de numerosos populares e às 10 horas da noite foi realizada a última e mais solene procissão, na qual se transportou o santíssimo Sacramento.

Feita a adoração pública até meia-noite, naquela hora começou a Missa Solene, que terminou cerca de duas horas. 

 

"Tão grande foi a festa, que entre as casas dos homens mortais, tinha sido inaugurada uma casa estável para Deus vivente e imortal, ao Redentor Divino, sob a proteção de seu fiel guardião, São José." (Pe. José Martini)

 

Na fachada da Igreja, os colonos escreveram:

 

D. O. M. - IN HONOREM B. JOSEPH - FIDEI GRATIQUE ANIMO

VENETI HUC EMIGRATI - PROPRIIS IMPENSIS - A FUNDAMENTIS EREXERE

ANNO DOMINI MDCCCXCI

 

Na tradução para a língua portuguesa:

A DEUS ÓTIMO E MÁXIMO - EM HONRA DE SÃO JOSÉ - EM SINAL DE FÉ E GRATIDÃO

OS IMIGRANTES VÊNETOS COM PRÓPRIOS RECURSOS CONSTRUÍRAM DESDE OS ALICERCES

NO ANO DO SENHOR 1891

Colbacchini refugiado, viagens e morte

Em Santa Felicidade, Pe. Colbacchini passou a ser perseguido por políticos italianos, apoiados pelo maçom e agente consular Ernesto Guaita. Em fevereiro de 1894, teve sua casa assaltada e foi obrigado a fugir. Refugiou-se no interior do estado durante dois meses, na floresta. Conta-se que ele mesmo disse: “Nunca pensei que iria virar passarinho. Faço-o com muito gosto para o bem dos nossos imigrantes.”

 

Disfarçado de colono, chegou até Paranaguá e partiu para a Itália, em julho de 1894. Lá, encontrou-se com D. Scalabrini, relatando os problemas vividos pelos imigrantes no Brasil e fazendo os votos para entrar na Congregação de S. Carlos.

Em 1896 voltou ao Brasil, para o Rio Grande do Sul, onde fundou a cidade de Nova Bassano. Com 56 anos de idade, em 30 de janeiro de 1901, morreu santamente, após celebrar a missa. Suas últimas palavras foram: “Não chame ninguém. Quero morrer em paz. A morte está aí. A vida é breve. Parece-me ter nascido ontem e estou, no fim da vida. Hoje, é o dia de minha morte. Deus a abençoe, como eu também o faço. Até o paraíso. Morro feliz. Meu Jesus.”

 

Parte dos restos mortais do Pe. Pietro Colbacchini estão na nave esquerda da Igreja Matriz de São José, em Santa Felicidade, sua obra prima, abaixo da pintura de N. Sra. de Lourdes.

Capelania Curada de Santa Felicidade

No dia 16 de julho de 1895, chegaram a Curitiba dois missionários Scalabrinianos: Pe. Faustino Consoni, que foi para Água Verde, e Pe. Francisco Brescianini, que instalou-se em Santa Felicidade. Foram muito bem acolhidos por D. José de Camargo Barros, então bispo de Curitiba, que para melhor atender os imigrantes, mudou a sede da Capelania Italiana de Água Verde para Santa Felicidade.

 

A Capelania Italiana de Santa Felicidade, instalada oficialmente em 1° de novembro de 1895, abrangia as seguintes colônias: Santa Felicidade, Água Verde, Umbará, Campo Comprido, Antônio Rebouças, Gabriela, Pilarzinho, Santa Maria do Novo Tyrol, Zacarias, Murici, Rondinha, Ferraria, Campina e Rio Verde.

De Capelania a Paróquia

Em 1901, quando o capelão era o Pe. Francisco Brescianini foi inaugurada a torre com três sinos, batizados de Davide, Camilo e Antonio, vindos da Itália junto com a imagem de São José, presente no presbitério da Igreja até hoje, com a presença do bispo de Curitiba D. José de Camargo Barros.

Nova fachada

Em 1926, Pe. Giuseppe Martini inicia as obras de ampliação da Igreja e remodelação da fachada. As obras foram concluídas no dia 05 de fevereiro de 1928, data em que se celebrou o Cinquentenário da fundação da Colônia Italiana.

Também sua Excia. Revma. D. João Francisco Braga, Arcebispo de Curitiba, tomou parte na festa na parte da tarde, deu a benção papal que o Santo Padre havia enviado.

As pinturas internas da Igreja começaram a ser feitas em 1935, e foram concluídas para a Festa de São José do ano seguinte.

 

Em 2 de abril de 1937, por decreto do então Arcebispo D. Ático Eusébio da Rocha, a Capelania Curada Italiana de Santa Felicidade transformou-se em Paróquia São José.

Fatos Históricos

 

1886 - Inauguração do Cemitério

O Cemitério de Santa Felicidade destaca-se pelo panteão. Uma galeria de aproximadamente 50m, dividida em 18 módulos.
Foi tombado pelo setor do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Paraná em 20 de junho de 1977, sendo também, uma Unidade de Interesse de Preservação da Prefeitura de Curitiba.

1900 - Inauguração da Escola Paroquial

Inaugurada em 08/12 de 1900, a Escola Paroquial de Santa Felicidade foi confiada às Irmãs do Sagrado Coração de Jesus - atual Colégio Imaculada Conceição

1959 - Primeira Festa da Uva

21/01 de 1959, Festa de Santa Inês – as Filhas de Maria promovem a primeira Festa da Uva

 

1982 - Primeira Festa do Frango, Polenta e Vinho

Realização da primeira Festa do Frango, Polenta e Vinho.

 

2013 - Santa Felicidade co-padroeira

Em 12 de agosto de 2013, a pedido do pároco, Pe. Claudio Ambrozio, CS, e da comunidade, o então Arcebispo D. Moacyr José Vitti declara Santa Felicidade como co-padroeira da paróquia, que passa a ser denominada ‘Paróquia São José e Santa Felicidade’.

2016 - Abertura da Porta Santa

Durante a Solenidade do Padroeiro São José, a 19 de março de 2016​, a Igreja Matriz abriu a porta central como Porta Santa do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, instituído pelo Papa Francisco. Na data, a comunidade pôde receber as indulgências plenárias do Ano Santo

2017 - Restauração da Igreja Matriz

Em junho de 2017, ​iniciam-se as obras de restauração completa da Igreja Matriz de São José

Ao longo de toda a sua história, a Paróquia São José e Santa Felicidade tem como característica principal a acolhida de todos os povos, carisma dos Missionários Scalabrinianos presentes desde os tempos de Colbacchini até os dias de hoje.

  

 

Referências:

Livro Tombo

D. Jacir Francisco Braido – “O Bairro que Chegou num Navio”, 1978

D. Pedro Fedalto – “O Centenário da Colônia Antônio Rebouças”, 1978

Curitiba: 1668, 1693 ou outra data?

 A História tradicional da cidade ainda disputa qual a data efetiva da fundação de Curitiba e quem teria sido seu verdadeiro fundador. A versão predominante do patriarca, na opinião dos primeiros cronistas e nossos historiadores até mais recentes, recai habitualmente em Ébano Pereira, o capitão das canoas de guerra e o entabulador das minas de ouro do distrito do Sul.

As primeiras notícias sobre a fixação do homem branco no planalto de Curitiba remontam aos fins do século XVI e se tem feito coincidir com a origem da Vilinha (depois Vila Velha), situada à margem esquerda do rio Atuba, cuja localização foi feita "in loco" e por pesquisa inédita do historiador Júlio Moreira, de que resultou, em 1972, a criação do Parque Histórico da Cidade, por lei municipal, aberta ao público desde 1985. Conta-se ainda, com sabor de lenda, que das paragens da Vilinha saíram os moradores em 1654 para se instalar no outeiro que divide os rios Belém e Ivo, onde vai surgir a vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, que em 1720 assume o topônimo definitivo de Curitiba.

Na verdade, não há dados que credenciem a adoção da data e do autor da fundação da vila, fora da sua versão oficial, correspondente a 29 de março de 1693, com documentação em ata, que registra a ocasião em que, por solicitação e reunião do povo, foram eleitas as autoridades da vila, encarregadas de sua administração e distribuição da justiça. Porém, por força da legislação vigente, o ato da criação se desdobrou em dois episódios distintos, mas consequentes, que se completam para dar ao povoado o foro de vila. O primeiro correspondeu à ereção do pelourinho, e se perfez através de singela cerimônia realizada na praça central do povoado, presidida pelo capitão-mor de Paranaguá, Gabriel de Lara, na presença de 17 dos seus moradores, isto em data anterior a 4 de novembro de 1668. E o outro, em 1693 (um quarto de século depois), através do qual lhe assegurou o predicamento de vila (civitas). Ao cabo, faltou-lhe apenas a carta régia, como ato originário ou confirmatório da criação da vila, seja oriundo da autoridade real, do donatário ou de preposto deste. Nesse aspecto, porém, ambos os atos foram historicamente validados, porque foram produto da iniciativa do próprio do povo, correspondente à manifestação afirmativa de sua vontade e determinação, reclamando das autoridades os foros tardios do seu reconhecimento político e dos poderes de sua organização permanente.

Um dos segredos, porém, que permeia essa distância entre os dois atos, tem despertado a curiosidade de quantos percorrem essa quadra da nossa história. O que teria levado o capitão-mor Gabriel de Lara a se restringir à ereção do pelourinho da praça e deixar transcorrer tantos anos sem promover a eleição da Câmara, para que o povoado assumisse enfim a condição de vila? Nesse sentido, há diversas sugestões que correm por conta da interpretação de cada historiador. Francisco Negrão, por exemplo, justifica a demora à falta da ordem régia, pois os donatários só tinham autorização para criar vilas ao longo da costa e dos rios que desaguassem nos mares; e, no sertão, a distância seria de 6 léguas uma da outra. Edilberto Trevisan invoca a restauração portuguesa. Quando Portugal pôs fim definitivo à união ibérica com a aclamação do Duque de Bragança, seu rei com o nome de D. João IV (Tratado de Lisboa 1668), o governo da metrópole teria fomentado as iniciativas de avançar o domínio de Portugal sobre as terras da América espanhola, antecipando posições além da linha de Tordesilhas. Por outro lado, porém, há quem desqualifique ambas as datas oficiais, alegando que na ocasião os campos de Curitiba já estavam povoados de gente, principalmente de faiscadores e mineradores de ouro, ocupando arraiais dispersos às margens dos ribeirões auríferos ou das minas de pedra. Havia ainda os que ocupavam os campos férteis para a criação do gado vacum ou o cultivo de lavouras de subsistência. Igual, portanto, às notícias que se tem da existência da Vilinha, como origem de Curitiba, cujo monumento histórico mandado construir tinha anteriormente uma placa oficial indicativa de que ali existiu um povoado, substituída depois por outra confessando que naquele mesmo local teria existido um povoado.

A bem de ver, no entanto, foi a atração do ouro, que provocou o deslocamento humano, espontâneo, ou mesmo induzido, para o planalto curitibano, de aventureiros, famílias inteiras e seus agregados, provindos de São Paulo, S. Vicente, Cananéia e Iguape. Porém, não é a só presença do homem que cria o momento histórico. No caso, o ato da criação deve corresponder a um sentimento definido e comum, em que o grupo manifesta seu intento de se organizar em comunidades para lhe dar expressão orgânica e assegurar sua preservação e a segurança dos seus membros. Observe-se ainda que, segundo as Ordenações Filipinas, para que então o povoado adquirisse a representatividade de vila, além da carta régia, fixando-lhe o termo, deveria ao mesmo tempo erigir o pelourinho e eleger seus juízes e oficias da Câmara. Vale observar, também, que tantas vezes a datação histórica provém de lendas ou foi estabelecida como eleição simbólica. Assim, São Paulo não teve foral nem foi fundada em 25 de janeiro. Essa é a data da missa que os jesuítas rezaram numa tosca cabana levantada nos campos de Piratininga. Anos depois o local passou a sediar a vila de Santo André, fundada em 1553 por Tomé de Souza, porque ela se mostrava desguarnecida. A data e o nome do santo preponderaram. O Rio de Janeiro surgiu no morro do Cão, na península do Pão de Açúcar, mas dois anos depois, mais seguros do assédio dos franceses e dos índios, o núcleo da cidade foi transferido para o morro do Castelo, de defesa mais protegida. Também Salvador da Bahia começou como arraial do Pereira (1536), mas ganhou outra data (1549), quando se tornou capital da Colônia e se preparou para receber o primeiro governador-geral, Tomé de Souza.

Assim, pelo visto, os primeiros habitantes do planalto constituíam uma população aventureira, errante, ocupada em batear ouro de aluvião em mais de 30 ribeiros vistoriados por Gabriel de Lara ou a extrair ouro beda ou de mina, vivendo ainda em arraiais intermitentes, dispersos pelo planalto. Se até então não havia entre eles manifestação de uma forma maior de convivência e organização social, é justo que o historiador, na falta de precedente, procure se fixar apenas nos registros oficiais, a partir de quando a comunidade passou a manifestar seu propósito de assumir modelo político, que é sempre a forma mais duradoura de preservar a vida da sociedade e garantir sua autonomia. 
 

             

Ilustração do autor

 

E quanto a Eleodoro Ébano Pereira, foi ele o patriarca da cidade? Na verdade, seu nome e seu título de preeminência na fundação da cidade constam da nomeação dos que primeiro se ocupavam da origem da cidade, embora sua presença, em geral, esteja registrada em notas breves, sem apoio de documento ou subscrito de autoridade.
 
Assim, seguindo o passo de Maria Cecília Westphalen, teremos por primeiro Pedro Taques de Almeida Paes, da "História da Capitania de S. Vicente" (1772), onde Ébano Pereira aparece como fundador da cidade, mas sem data de referência e sem qualquer menção a outros protagonistas conhecidos do evento. Quanto a Pizarro e Araújo ("Memórias Históricas do Rio de Janeiro", 1820-1822), só repetem a data da fundação e o nome de quem lhe deu origem. O sábio Saint-Hilaire era apenas um viajante estrangeiro e a origem da vila faz parte da sua resenha de viagem, mas sem registro da data da fundação e do nome do fundador. Nosso historiador Vieira dos Santos ("Memória Histórica da Vila de Morretes", 1850) repete o que "os antigos contavam", mas ainda assim menciona a existência da Vilinha e conclui atribuindo a Ébano Pereira a fundação da cidade, datando a fundação de 1654.

No final do século XIX e parte do XX, outros dos nossos melhores historiadores, como Rocha Pombo, Sebastião Paraná, Ermelino de Leão, Francisco Negrão e Romário Martins, em definitivo ou provisoriamente, filiaram-se ou aceitaram a versão de Ébano Pereira. Por sua vez, Rocha Pombo do "Paraná do Centenário" admite a presença de Ébano Pereira entre os fundadores da cidade, mas reduz seu papel ao de preposto do governo de São Vicente. Um aventureiro que não deixou notícia do seu paradeiro. Romário Martins, na primeira edição da "História do Paraná" (1899), acolhe a versão de Vieira dos Santos e o inclui entre os primeiros moradores; fez menção da Vilinha e da sua transferência para o local que passou a ser Curitiba de hoje. Em suas obras posteriores, porém, embora conceda a Ébano Pereira "magna parte na alvorada dos dias históricos dos curitibanos", nega, no entanto, que ele tenha sido realmente um povoador, "no sentido social do termo". Veio ao planalto curitibano em missão oficial e quando o ouro já havia sido descoberto, acrescenta. Nessa altura, porém, a publicação de documentos do interesse da história paranaense, extraídos dos arquivos portugueses e incluídos na obra do historiador Jaime Cortesão, “Pauliceae Lusitana Monumenta Historica", comemorativa do IV Centenário da cidade de São Paulo, vão repercutir sobre o conhecimento dos primeiros tempos da nossa história colonial, particularmente sobre a figura de Eleodoro Ébano Pereira e a existência da Vilinha, como núcleo inicial de Curitiba.

Apesar dessas novas revelações, que motivaram o professor Júlio Moreira a empreender um trabalho inédito de localização originária da tal Vilinha, do Atuba, e no sentido de confirmar a presença de Ébano Pereira nos campos de Curitiba, as informações não permitem atribuir o papel histórico de fundador a Ébano Pereira. Assim é que, mais recentemente, o historiador Ruy Christovam Wachowicz diz textualmente na sua "História do Paraná" que, quanto a Ébano Pereira, "é duvidoso atribuir­-lhe qualquer participação na fundação de Curitiba". Maria Cecília Westphalen afasta também a ideia do fundador, pois, apesar de Baltazar Carrasco dos Reis, Matheus Martins Leme, João Rodrigues Seixas, etc., terem se radicado em Curitiba, com a família e seus interesses, e, doutra parte, Gabriel de Lara e outros, em Paranaguá, Ébano Pereira não possuía família nem parentes na região e, quanto à origem da vila, a notícia da presença de ouro entre nós foi o que atraiu grande número de mineradores e aventureiros provindos de São Paulo e São Vicente para o plateau curitibano, onde se estabeleceram em diversos arraiais, com ânimo provisório ou definitivo. Porém, tão logo chegou a notícia do porte da riqueza do ouro das Gerais, essa população debandou, levada pela ambição da nova riqueza, e então nossa futura capital, com certeza, foi o arraial que permaneceu, com sua população efetiva e as sesmarias que lhes tinham concedido.

A versão é semelhante à que ocorreu em Paranaguá. Revelada a presença do ouro na capitania, o achado atraiu gente de toda a sorte e em bandos tão numerosos que, na imagem de Francisco Negrão,"pareciam cidades ambulantes". Ora, mais recentemente nosso Edilberto Trevisan sustentou essa obra coletiva ou indeterminada de fundação, argumentando que "os mesmos motivos de ordem militar que aconselharam fazer o povoamento de Paranaguá, com o deslocamento de população, para fins estratégicos, deveriam ter se repetido em Curitiba" ("O Centro Histórico da Cidade"). Assim, no fim das contas, resta indagar: quem dessas multidões chegou primeiro? E quem foi o pioneiro que se adiantou aos outros e fincou a bandeira inaugural da vila? Ou ainda sabemos muito pouco, ou quem sabe, jamais chegaremos a saber.

Rui Cavallin Pinto


Bibliografia:
 
BRITTO, Teresa Teixeira de. CURY TUBA e a Epopéia de Balthazar. Gráfica Vitória, 2001.
 
MARTINS, Oliveira. História de Portugal. Tomo I, Guimarães & Cª. Editores, Lisboa, 1951.
 
MARTINS, Romário. História do Paraná. Ed. Guaíra, 3 edição.
 
MOREIRA, Júlio Estrela. Eleodoro Ébano Pereira e a Fundação de Curitiba. Imprensa da UFPR, 1972.
 
NEGRÃO, Francisco. Fundação da Vila de Curityba - 1668 a 1721. Genealogia Paranaense, vol. 1º, 1926.
 
PLAISANT, Alcibíades Cesar. Cenário Paranaense, 1908.
 
SOUSA, Washington Luis Pereira de. Na Capitania de São Vicente. Livr. Martins Fontes Editora, 1956.
 
STRAUBE, Ernani Costa et alii. In: CURITIBA - 315 anos de história. Organizador: Anthony Leayy, em memória de Túlio Vargas. Instituto Memória, Curitiba, 2008.
 
TREVISAN, Edilberto. O Centro Histórico de Curitiba. Gráfica Vicentina, 1996.
 
WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. Ed. dos Professores, 1967.
 
WESTPHALEN, Cecília Maria. Origens e Fundação de Curitiba. In: CURITIBA. Origens, Fundação, Nome. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, vol. 21, número 105, junho/1995.

Praças de Curitiba: Espaços Verdes na Paisagem Urbana

 Aparecida Vaz da Silva Bahls*


Campos ermos, pantanosos e desnivelados. Tal era a paisagem desoladora das áreas hoje ocupadas pelas praças de Curitiba, na segunda metade dos Oitocentos. Entremeados com o casario que gradualmente se estendia pelos limites urbanos, esses campos serviam de passagem para os transeuntes e de pasto para os animais. Ocasionalmente, abrigavam companhias circenses e de touradas, que visitavam a cidade.

Esse quadro começou a se modificar no final do século XIX e início do XX, quando intervenções de nivelamento e aterramento e plantio de árvores deram novo aspecto a alguns desses largos, como as melhorias realizadas pelo prefeito Luís Antonio Xavier, nas praças General Osório e Carlos Gomes, a partir de 1903.

Ações como essas refletiam as mudanças estruturais que começavam a ser implantadas em Curitiba, semelhantes às que ocorriam nas principais capitais brasileiras. Pretendia-se atribuir à urbe uma aparência de progresso e civilidade, segundo o modelo francês de urbanização, o qual priorizava espaços amplos, arejados e arborizados.

Contribuíram para pôr em prática esse projeto o crescimento da economia paranaense, com a exportação de erva-mate, fortalecendo os cofres públicos, e as inovações nas técnicas de construção civil trazidas pelos imigrantes alemães. No lugar onde antes existiam charcos e áreas insalubres, surgiram palacetes, templos e casas de comércio, de apurado estilo eclético. Também foi criado o primeiro parque público da cidade: o Passeio Público, inaugurado em 1886. Sanear e embelezar tornou-se o mote das gestões públicas. Uma das mais eficazes foi a do engenheiro Cândido de Abreu, de 1913 a 1916.

Com o apoio do presidente do Estado, Carlos Cavalcanti, Cândido formou uma Comissão de Melhoramentos, semelhante à que havia em São Paulo, com a prioridade de remodelar a capital paranaense. Destacam-se nesse plano as obras de ajardinamento e de embelezamento executadas nas praças, com a introdução de peças decorativas, e cujo traçado é respeitado até hoje.


*Doutoranda em História/UFPR.