Olá Curiosos,
Vamos ler que respirar está difícil e perigoso.
Pessoal não chegado a textão é hora de parar por aqui, pois não tem como falar de Canudos sem textão.
Algo que chamou minha atenção, quando comecei a visitar as bancas de Literatura de Cordel no Ceará, foi a história de Antônio Conselheiro.
Aprendi algo bem diferente nos livros didáticos e decidi conhecer este personagem.
Foi tão interessante que cheguei a visitar as Ruínas do que foi Canudos. Antônio Conselheiro foi uma espécie de “Herói da Resistência, quem ao meu ver, deveria ser reconhecido como Herói Nacional, como fizeram com Tiradentes. A ideia de Antônio Conselheiro ganhou versão de Revolta, justamente por ele haver mexido com os brios do exército brasileiro. Mas Antônio Conselheiro era um homem de Paz; deixado de lado por nossa história, ou simplesmente citado em um pequeno resumo na educação escolar, como aconteceu comigo, que hoje, com a oportunidade de trabalhar em algo que me dá a chance de fazer pesquisas sobre os assuntos que me interessam, surpreendida estou, ao entender um pouco mais a revolta de Canudos, as mentiras que os governantes inventavam e a fidelidade do povo ao homem que tinha a ideia de criar um mundo justo e sem diferenças sociais.
Mas, quem foi Antônio Conselheiro?
Para o Povo invisível, um líder resistente, um profeta, um Salvador.
Para o Exército, um afronte, um lunático para as autoridades locais e um mentecapto, para o Presidente da República um desafio inesperado.
Vamos viajar no tempo?
Temos um Nordeste passando fome devido à seca desde 1878. Dez anos antes da abolição, ao todo, já haviam morrido Cem Mil Nordestinos, na nananinanão, você não leu errado. CEM MIL NORDESTINOS!
A seca matou tanta gente que acabou com a Escravidão no Ceará. Ah! você pensava que era porque os Cearenses eram mais bonzinhos? Não. As capitanias por lá também jogavam duro com os escravos, mas sem plantio, sem engenhos funcionando, sem animais para abater, devido à seca, ter escravo virou despesa, não lucro. Então começaram a vender escravo para o Sul e Sudeste a preço de chiclete.
Aí entra o Dragão do Mar, de Canoa Quebrada (Meu paraíso na terra) que impede que os jangadeiros cearenses transportassem os Negros em suas jangadas para os navios negreiros, e o preço desaba, muitos foram libertos e algumas entidades abolicionistas conseguiram comprar a liberdade de muitos escravos, inclusive na cidade de Redenção, essas entidades protecionistas conseguiram libertar essa cidade inteira quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea, e o Ceará passa a ser o primeiro Estado sem escravidão. Mas...Rainha louca, endoidou de vez? Foi covid foi? Porque foi lá no Ceará pra falar de Canudos.
Calmaaaa... eu sempre dou um rolé pra ninguém ficar boiando.
Mas, a vida não é um morango
Se não tinha comida nem água pros senhores e família, quem dirá para os ex-escravos.
E pra onde eles iriam?
Partiu procurar um lugar pra viver indo pro Sudeste. Ouviram que era o caminho.
E assim foram. Só que no caminho, indo tentar a vida em Salvador, encontravam uma esperança, uma espécie de Salvador. Seu nome: Antônio Conselheiro. Ele pregava a liberdade religiosa que abalava as leis católicas, imperantes na época; aprendera a pregar o evangelho em Latim, mas usava a ideologia protestante. Pregava a liberdade dos escravos e a liberdade política, dizendo não ao pagamento de impostos cobrados da mesma forma de ricos e pobres , sem entender porque quem ganha menos, deveria pagar proporcional ao que ganha, e não ao lugar onde vive. Por exemplo, se patroa e empregada doméstica vivem no mesmo bairro, ambas pagam IPTU no mesmo valor. Por essas e outras, muitas pessoas que possuem imóveis em locais mais nobres são obrigadas a venderem seus imóveis e a passarem a viver em lugares mais pobres, porque o imposto que cobram do pobre é o mesmo do rico. Dessa forma, os dois não podem habitar um mesmo lugar ((economicamente falando) e esse tipo de visão era o que não aceitava Conselheiro, criando uma espécie de socialismo de baixa renda em uma aldeia onde quem quisesse viver com igualdade poderia passar a habitar.
Era uma época em que Brasil tinha coronéis nas fazendas que além, de obrigarem à servidão, mantinham em suas terras homens fortemente armados que faziam as leis locais com força e brutalidade, a exemplo dos barões medievais. Conselheiro era um homem intuitivo, obstinado e valente, enquanto para os senhores da burguesia da época ele não passava de um baderneiro que queria a todo custo fundar seu próprio país, dentro do sertão baiano. Quase conseguiu. Conselheiro nasceu em Quixeramobim, em 1828. Ficou órfão de mãe aos seis anos de idade. Seu nome era Antônio Vicente Mendes Maciel. Depois da morte da mãe, com o segundo casamento do pai, Antônio Conselheiro passou a ser criado pela madrasta que o maltratava e, mais tarde, passou a persegui-lo, afirmando sua insanidade. Ele podia até ter um parafuso a menos, mas doido, doido não era não. Desde cedo, sua inteligência o destacava das demais crianças de seu tempo, o que o deixava mais próximo dos adultos. Conselheiro aprendeu Aritmética, Francês, Latim e Geografia com o mestre Manoel Antônio, que era um italiano que já havia sido Padre, este se surpreendia com as ideias do jovem aprendiz. Vivia em meio as disputas de terras familiares. Foi nesse meio que viu o próprio avô ser assassinado, por vizinhos, levando consigo a ideia de família “desestruturada” desde muito cedo. Em 1855, o pai de Antônio Conselheiro faleceu, fazendo com que crescesse no filho o desejo de não mais viver naquele lugar. Pagou então as dívidas que o falecido pai deixou e passou a manter as três irmãs e a madrasta. Antônio casou-se com Brasilina Laurentina e teve dois filhos, mas abandonou seus descendentes e nunca mais teve deles notícias, visto tratar-se de uma época em que poucos se preocupavam em registrar descendência, ainda mais de um revolucionário. Mais tarde, Antônio Conselheiro casou-se com uma escultora e começou a montar um comércio. Na ocasião, trabalhava também como professor e no fórum; defendia os que menos tinham. Era um Rábula, assim conseguiu apelido de Conselheiro. (Rábulas eram advogados do povo, podiam advogar sem ter universidade)
E assim foi vivendo o Conselheiro - homem inteligente que defendia os que fome sentiam. Nessa época começou a povoar na mente de João a ideia de que poderia criar um oásis em meio a um deserto; abandonou Joana e sua terra em busca do lugar ideal para criar esse lugar. Assim partiu Conselheiro para Itabaiana e, na sequência, para Juazeiro, que na época era a maior cidade baiana, com cerca de vinte mil habitantes. Perdendo só pra capital Salvador que tinha duzentos mil. Antônio Conselheiro pregava a vida pós-morte e a igualdade que Deus buscava entre o povo, passando por cima do poder do clero, que sempre dava mais ouvidos aos apelos dos homens ricos com as suas fartas doações à igreja e deixando de lado os pedidos do povo menos favorecido. Era monarquista, sabia que não era culpa do Império a situação da seca Nordestina. Já havia conhecido Dom Pedro II em suas excursões no Nordeste.
Em Juazeiro, começou a pregar na cidade, e foi logo escorraçado como falso profeta. Retirou-se para o meio do nada. Em um lugar árido, começou a tirar água de Pedra. Achou uma pequena Igreja de alvenaria abandonada que homenageava de Santo Antônio, onde passou ae morar e criar cabras.
Lembram, que os ex-escravizados estavam caminhando, em êxodo, para o Sudeste? Além dos Nordestinos fugindo da seca? Pois bem, no meio do nada, da caatinga, da aridez, surge a igreja de Conselheiro. De braços abertos, com uma boa conversa, um leite de cabra e um abrigo pra descansar. Assim começaram a surgir os primeiros moradores de sua aldeia, que seria chamada Belo Monte, que era o lugar perfeito pra Conselheiro; um Lugar sem lei, sem impostos, sem dinheiro circulando. Conselheiro procura e encontra água.
Conselheiro ainda ia em Juazeiro vender leite de cabra, queijo e levava sementes para plantar feijão, arroz e milho.
Conseguiu, além de pessoas humildes, homens sérios da sociedade que apoiavam sua luta. Começou Antônio, então a pregar nas praças. Visto como um beato insano começou a incomodar até mesmo as missas que corriam no mesmo horário em que pregava nas praças. Por pregar para grandes massas, começou a incomodar o poder.
Suas ideias acabavam sendo difundidas e repercutindo numa revolta interna do povo contra a tirania dos coronéis, que por sua vez, começaram a criar a história de que Antônio não era um homem de bem, mas um foragido da justiça que havia assassinado a própria mãe. Mas nada disso foi verídico, pois Antônio havia ficado órfão aos seis anos de idade. Começou então a peregrinação de Antônio para provar sua inocência e, o boato recheado de mentiras e maldades, ia crescendo em meio ao povoado. Antônio foi preso, conduzido até Salvador. No caminho foi espancado e humilhado, com todo tipo de tormenta nesta via-crúcis sangrenta. Mais tarde, foi enviado ao Ceará para ser investigado, afim de descobrirem a sua origem e saberem da verdade acerca da história da orfandade. Em Quixeramobim, nas terras de sua gente, com tudo esclarecido, maltratado e maltrapilho, só lhe restou o manto surrado. Foi ali Antônio Conselheiro liberto e considerado inocente. Voltou então à Bahia, pra sua igrejinha e suas cabras a pé, conquistando seguidores pelo caminho. Seus ouvintes eram os pobres rejeitados, humildes, famintos, renegados e desertores. E toda a classe sofrida ouvia os seus ensinamentos como um bálsamo à alma e também pedia auxílio para pequenas causas. Assim, Antônio, que era quase um juiz para sua gente aconselhava-os, fazendo assim fortalecer o apelido de “Conselheiro”, um dos heróis brasileiros mais injustamente interpretado. Sua pregação era simples. Queria que todos tivessem direitos plenos. Nem o rico tivesse demais, nem o pobre tivesse menos, simplesmente buscava ele a igualdade social. Queria terra para os camponeses, abrigo aos desamparados, escola para todos e escravos libertos, liberdade de plantio e criação de animais. E começou também a entender que a Bíblia havia sido moldada pela igreja católica e que nenhum Deus Soberano e onipotente seria capaz de criar um mundo para todos, com injustiças e desigualdades. Nesse momento, Conselheiro colocou o dedo na ferida do clero, que passou a incentivar os coronéis que já não tinham simpatia por “Conselheiro”. E assim Dom Luiz, arcebispo da Bahia, fez circular a proibição a qualquer pessoa do povoado parar para ouvir as palavras de Conselheiro, o que o tornou um pesadelo para aquela gente. Começaram assim a surgir várias acusações sobre o seu fanatismo religioso e a sua vontade de acabar com o Brasil Republicano, e trazer de volta a monarquia onde ele seria o todo poderoso, visão essa afirmada até mesmo por Euclides da Cunha, quando escreveu "Os sertões".
E assim a fama de conselheiro corria aos quatro ventos. Se antes incomodava um povoado e, agora, o Estado, em breve iria incomodar o País. Logo que a República foi instalada, começaram a correr no meio do povo alguns editais sobre a nova cobrança de impostos e foi assim que, na cidade de Juazeiro chegou o primeiro edital, enviado pelo juiz Dr. Arlindo Leone, que cobrava somente dos mais pobres, deixando sem contas com o Estado os ricos. Assim, Conselheiro, em praça pública, queimou os editais, o que causou a euforia no povo e despertou o ódio do Juiz, que se sentiu ofendido e ultrajado. Expulso do povoado, ao chegar a sua igrejinha, encontrou-a abandonada e ali, no mesmo local, que deu início a fundação da cidade de Belo Monte. O termo “Canudos” deriva de um povo que, habitante daquela região, fumava um curioso cachimbo de mais de um metro de extensão, confeccionado de uma planta denominada Pito. De canudos de Pito ficou apenas “canudos”. A única construção de alvenaria era a igreja de Santo Antônio, que como templo fora respeitada até pelo desgaste da natureza. Logo a fofoca da notícia de seu novo habitat correu léguas e a recém desabitada Canudos, que existia em meio ao seco sertão, tornou-se habitada e dezenas de casas de pau à pique foram sendo construídas diariamente. Canudos tornou-se assim uma espécie de Terra prometida, onde se juntavam viajantes, andarilhos, perseguidos, humilhados, foragidos da justiça, vítimas de patrões malvados, escravos fugitivos, enfim, todos que precisavam ser acolhidos ali no meio do deserto baiano eram por Conselheiro aceitos. Assim Conselheiro criava a fama de Salvador e, com a pressa dos necessitados, crescia a fama de que não havia feito falsas promessas, visto que se erguia ali não para meia dúzia, mas para uma multidão, uma cidade onde o que importava era a igualdade. E assim, vivendo como no período feudal, com uma agricultura de subsistência e a economia baseada na troca, a cada dia Canudos recebia novos cidadãos e fortalecia sua forma de vida, diferente de todo o restante do país. O povo da capital e das cidades circunvizinhas começavam, então, a vender terras e abandonar casas, pois todos queriam paz e igualdade em uma cidade que surgia para fazer história. Canudos era diferente de todas as outras cidades, apesar de não haver uma igreja bonita, uma religião qualquer, não tinha prostíbulos, nem bares, nem clube de dança, nem polícia para prender, nem justiça para soltar. Era chamada cidade da lei de um homem só e, o governo republicano, com o apoio do Juiz Leone e de Dom Luiz, começavam a ver o quanto Canudos incomodava. Pois a galera da cidade começava a se mandar para lá, pois não precisavam pagar impostos.
O socialismo ali existente era maior que na Rússia e na Albânia, onde esse tipo de governo surgiu. Não havia disputa de terras, ninguém era fazendeiro, tampouco patrão. Não se falava de mortes, não havia pistoleiros e, quando alguma intriga acontecia, logo os envolvidos eram levados a ouvir os conselhos do Conselheiro e ali morria a discussão, pois para o povo sábia e respeitada era a sua palavra.
Não tinha mimimi.
Como conselheiro recebia foragidos, bandidos, toda galera era chamada de Jagunços.
E os jagunços ajudavam Conselheiro a botar ordem no galinheiro.
Assim a paz era permanente, uma vez que todos ouviam e achavam-no prudente.
O acharam tão prudente que começou a oralidade a espalhar o boato zoador que ele era mais "Prudente" que o presidente.
E quem era o Presidente? Era o Prudente de Morais. Um cara ter fama de ser mais Prudente que o Prudente, era arrumar sarna pra se coçar. Então começaram a olhar Prudente "de Morais" como Prudente "Demais", virando chacota em algumas notas de imprensa que queriam botar Fogo no parquinho.
O único padre que olhava Antônio Conselheiro com simpatia era Padre Cícero que não via no homem justo o mal que o governo via. Mas Padre Ciço já estava afastado da Igreja e nem adiantava sua opinião para o País, só para o Ceará.
Levaram dali a imagem de Santo Antônio e, ao regressarem à capital, fizeram um relatório informando ao governo que acabasse com Canudos, pois ali não existia o poder Republicano, mas a Monarquia que Conselheiro pregava e todos haviam lutado tanto pra instalar, corria perigo. E Antônio Conselheiro nem críticas ao governo fazia. Não pregava o socialismo clássico, pois, apesar de não ter religião, acreditava em Deus e em Jesus Cristo e vivia uma utopia sem brigas ou tirania. Como o povo amedrontou-se de usar a Igreja Católica abandonada anteriormente que era dos Freis, os habitantes decidiram junto a conselheiro, que fariam outro templo para a pregação de Conselheiro, encomendando madeiras ao Sr. João Pereira, peça- chave no início da revolta que vivia na cidade de Juazeiro. Logo juntaram o dinheiro que cada um tinha trazido da cidade e não havia usado. Pagaram adiantada a encomenda da madeira, que nunca foi entregue.
Esse Sr. João mandou uma carta pedindo desculpas ao Conselheiro, pois não conseguiu cumprir a entrega da madeira por falta de mão de obra, mas o povo de Canudos logo se prontificou a buscar o material. Antônio, então, escreveu uma carta, informando que teria quantas pessoas precisassem para carregar o material, desde que o Sr. João não se sentisse ofendido com essa decisão, e ainda disse que até ele mesmo poderia estar presente na escolha da madeira. E eis que um incidente do destino surgiu na vida de Conselheiro, pois o juiz que tivera aquele edital queimado, e ainda estava engasgado de rancor, espalhou na cidade a notícia de que Conselheiro iria invadir Juazeiro, saquear o comércio e levar tudo o que podia. E logo chegou à capital um telegrama de pedido de ajuda às autoridades para que a cidade não fosse invadida pelos desordeiros. O dono da madeira, que já estava paga, mas não foi entregue, ao invés de defender o povo sofrido, decidiu bandear-se para o lado rico sem, em momento algum, montar sua defesa. Nesse intento, o governador da Bahia pediu que o tenente Pires Ferreira comandasse uma tropa de cem
homens ricamente armados para dar fim aos ditos “fanáticos” que perturbavam a paz. Mas, como “o vento que venta lá venta cá”, as notícias também chegaram a Canudos e Antônio Conselheiro e seus homens não foram buscar a madeira comprada. Mesmo assim, o tenente, querendo mostrar-se valente, informou ao juiz que sem combater os “canudos”, para a capital ele não voltava.
Foi ali com seus homens pra mostrar serviço.; queria subir de patente. Então, eis que começa ali uma das batalhas mais sangrentas da história brasileira. Essa batalha não tinha base jurídica, não havia processados, não havia invasão, simplesmente a vontade do poder contra a vontade do povo que ali vivia, sem incomodar a ninguém, criando-se, contudo, uma verdadeira sociedade alternativa.
Eles estavam na terra que ninguém queria, que não tinha nada, como invisíveis.
Mas o Governo não queria dar espaço pra capoeirista se armar, pois sabiam que ia dar Treta.
A primeira tropa saiu de Juazeiro em 12 de dezembro de 1896 e caminhou por 8 dias até chegar a Canudos. Essa tropa, ao invés de ser recebida por homens armados, foi recebida por uma procissão que, liderada por Antônio Conselheiro, cantava louvores e orava para que a paz fosse reinstalada. Eram homens, mulheres, idosos e crianças, todos em favor de seu líder, clamando aos soldados que apenas os deixassem viver em paz. Mas, alvejados com tiros - e quem se defende uma hora ataca - eram fuzis contra facas e baionetas contra pedaços de pau, o rifle contra o machado, a garrucha contra a pedra, estilingue, zarabatana, havaiana de couro de jegue, garrafa, cuspe; era o que tivessem.
À noite, a triste contagem, homens sem braço, sem dedos e sem pernas, alguns tinham de ser sacrificados, e o sertão chorava a perda de tantas vidas, muitas delas a vida inteira sofrida e ceifada quando encontraram a paz. O povo de Canudos era comandado por Joaquim Coiam e Pajeú que, mostrando-se um estrategista nato, mapeou toda a região, fazendo valer a sua experiência na área. Em cinco horas de batalha, a tropa do exército baiano havia sido derrotada, mas enquanto alguns soldados lutavam, outros roubavam, estupravam e queimavam as casas do vilarejo, transformando o canto de paz em um ódio lancinante que invadia o peito do sertanejo que dizia “se a vida foi injusta conosco, que seja mais injusta agora, pois daqui só saímos sem vida”. Quando voltaram derrotados, as notícias do vilarejo revolto que venceu um exército logo correram as manchetes, e o general Solón, que sentiu o exército humilhado, considerou que aquela derrota comprometeria a imagem do exército nacional. Eles perderam só dezesseis homens, Canudos perdeu cento e cinquenta.
O governador da Bahia, que não era homem de guerra, deixou clara a sua vontade de que aquele episódio isolado, ali acabaria, visto que deixaria o povo sem leis até que percebesse que, sem elas, não há ordem. Aquele general, por não aceitar essa ideia, afirmou que o governo baiano era antirrepublicano e certamente seria chamado de monarquista. Luiz Viana fez tudo para evitar o conflito, mas seu exército não aceitava a derrota por um povo desarmado. Para ele, Canudos deveria ser invadida, destruída e incendiada.
Canudos tentou seguir sua vida em paz, investia nas Cabras, levou sua madeira no ombro, pois impôs seu poder, e não estava levando nada além do que havia pago.
Começou a exportar Couro de Cabra para os Estados Unidos e Europa, através de exportadores de Salvador.
Mas, chegara ao ouvido dos Militares que a cidadezinha de cinco mil habitantes, que já incomodava, já passava de vinte e cinco mil depois da humilhação que o exército passou naquelas bandas.
Pensem num ódio?
Conselheiro estava sambando na cara da sociedade e claro que isso não iria sair baratinho.
A segunda expedição foi comandada por Antônio de Brito. Dessa vez foram 400 homens em uma tropa e mais 200 em outra, que fizeram o reforço para não se dar chance aos inimigos. Levaram armamento pesado. Além de metralhadoras importadas (Nordenfeldt), levavam canhões, espingardas e dinamite. A tropa se assustou com o brio dos conselheiristas, que gritavam aos seus homens que não recuassem. Estes, fortes combatiam homem a homem, sem fraquejar, mas logo à noite da primeira batalha, cansaço, fome e medo tomaram conta da tropa. A quantidade de mortos assustava os iniciantes, o que levou o general a reconhecer o fracasso de sua investida e voltar derrotado. E a notícia do fracasso da segunda expedição, correu ainda mais rapidamente, chegando até ao presidente da República a tamanha decepção do exército brasileiro sido humilhado pelos sertanejos pela segunda vez. Assim, o vice-presidente, que era comandante geral do exército, impôs a ordem à carnificina, morte a todos os conselheiristas. Foi formada, então, uma terceira expedição que, comandada pelo Coronel Moreira César, um dos nomes mais temidos do exército brasileiro - sanguinário que havia mandado executar quarenta e nove Federalistas na cidade de Desterro e colocado o nome da cidade de Florianópolis, em homenagem ao seu presidente, o querido Floriano Peixoto, que nem de lá era.
Assim, Moreira "Bonzinho" César, invadiu o sertão baiano com mais de mil homens e uma tropa montada para combater os sertanejos que não se rendiam. Quando essa tropa via um oficial de patente cair, a metade corria e a outra metade esmorecia. Nessa hora, o “exército” de Conselheiro mostrava sua força e sua estratégia, atacava todos, sem escolher a patente, pois, volta e meia, acertava um dos grandes. Essa fama era a que corria, que nenhum grande general com eles podia. Só que Moreira deu uma crise de Epilepsia, caiu estribuchando, e mandaram as tropas pararem, assim a galera de Antonio já sabia por onde vinham e o que tinham de contingente. Quando Moreira voltou do surto epilético, quase teve outro ao saber que a tropa parou no meio do caminho. Ficou Putaço e mandou avançarem de novo. E assim foi... Com Moreira César, a frente, começou o ataque sem dó nem piedade. Mandou queimar as cinco mil casas do vilarejo com sua gente dentro, idosos, crianças e mulheres que viram seu sonho de liberdade acabar nas mãos do exército. Mas a coisa não funcionava assim. Moreira César não cavalgou nem trezentos metros, levou um tiro de espingarda na barriga e tombou, agonizou dez horas em meio ao sertão nordestino e " The house is Boom" pra ele (Tradução grotesca de " A Casa caiu" , com a notícia da morte do Coronel sanguinário, não tardou para que a tropa por ele comandada se retirasse, deixando para trás o armamento, fardas e munição. Nessa batalha morreram outros homens de peso do exército brasileiro, entre eles o Capitão Salomão, que morreu retalhado por foice, o capitão Vilarim, que morreu com vários tiros de espingarda e o Coronel Tamarindo que deve ter virado suco ou geléia. Desse modo, os suboficiais logo desistiram da investida e se retiraram, deixando para trás até mesmo os corpos dos oficiais, que acabaram devorados pelos urubus. Nessa guerra, quanto mais se avançava mais absurda se tornava. Os conselheiristas do vilarejo de Belo Monte acabaram recebendo apoio de todas as partes de aliados que nem ali moravam, mas que simplesmente simpatizavam com a causa contra o governo e ali se tornavam companheiros, usando armas de fogo, fardas, canhões e até uma bandeira do Brasil - símbolo que muito sertanejo até aqueles dias nunca tinha visto- e a terra que, massacrada pela seca viu-se abandonada, lavada de sangue, agora estava um movimento só. Nordestino quando toma ar é o cão chupando manga.
E assim voltou derrotada a terceira expedição e o que é pior, vazaram deixando as armas pra trás e se com pau e bola de chiclete já estavam ganhando, imaginem armados?
E a revolta ganhava força e mais ódio de toda a nação. Assim formou-se uma verdadeira guerra civil em que foram convocados quinze mil homens para o combate. Um contingente nada mais, nada menos, que a metade de toda a guarda nacional que precisava ser radical, pois outros vilarejos já começavam a querer imitar a sociedade alternativa que ali começava a ser criada. O que antes era uma briga municipal acabou tornando-se uma batalha nacional e agora, para Canudos, não havia outra solução, tinham levar até o final a briga que acabou sendo uma batalha moral.
Conselheiro reuniu seu povo e abriu os portões pra quem quisesse sair, porque sabia que a próxima batalha seria ainda mais violenta. Seu povo decidiu: Daqui só nos tiram mortos. Era tudo o que a República queria ouvir.
Vamos voltar no tempo... A República estava recém-formada, tinha menos de dez anos, quebrando um governo de mais de trezentos e oitenta anos imperial, então, ainda tinha muito medo de perder o poder, ainda mais que esse foi adquirido através de um golpe e da expulsão da família imperial; estava tudo muito recente e muita gente não aprovava. E, até eles, ficavam dando cabeçadas.
Mas, voltemos a Canudos.
O Brasil reforçou a quarta expedição colocando um telégrafo que pudesse informar rapidamente o que estava acontecendo. E eis que, veio o reforço de mais três mil e quinhentos homens , formando um total de dezoito mil e quinhentos homens armados para vinte três mil que ficaram em Canudos. E não teve como resistir. Mas eles não foram para prender, foram pra exterminar. Antônio Conselheiro já previa esse fim e entrou em um jejum espiritual longo. Uma noite, após o culto, teve um infarto agudo e morreu de causas naturais. Alguns dias depois, o beato Antônio, levantando uma bandeira de paz, procurou o General para pedir que a guerra ali terminasse, e o fez saber que Conselheiro já tinha dez dias de morto. Disse, então, o beato que só teriam paz se todos do vilarejo fossem presos. Voltando com a notícia, o povo disse que não se renderia. E assim a cidade foi devastada. Sem a liderança de Conselheiro e já tendo perdido seus maiores guerrilheiros, Canudos foi invadida e destruída, seus moradores lutaram até o fim. Conselheiro foi desenterrado e decaptado e sua cabeça levada. Fizeram um grande massacre aquele povo sofrido, deixando vivos apenas um senhor de idade e duas crianças para que o povo soubesse que o massacre era verdadeiro e que ninguém mais se levantasse contra a sanguinária República.
No filme " Canudos" um dos meninos é interpretado pelo Craque Daniel Alves que já foi em duas copas. Já estava no destino do baianinho ser famoso.
A versão contada nos livros brasileiros mostra Conselheiro como um louco baderneiro, mas, junto ao povo nordestino, percebemos que não é bem assim que “reza a lenda”. Conselheiro, a exemplo de Tiradentes e Zumbi dos Palmares, foi um grande homem que, por clamar justiça em uma época em que as leis eram “olho por olho e dente por dente”, foi injustamente massacrado pela história brasileira, enquanto o pobre do Nordeste continua sofrendo com a desigualdade social imposta geograficamente e socialmente, uma desigualdade que, ainda nos tempos de hoje, não está superada, apesar dos cenários paradisíacos e dos lindos hotéis de fachada nos cartões postais que escondem a realidade do povo. Ainda, há poucos quarteirões do cenário para " Inglês ver" , a realidade de ruas esburacadas, crianças pedintes, prostituição infantil, renda mal distribuída, políticos como aves de rapina e a fome... Ah!... A maldita fome que assola, corrói e destrói não só a dignidade humana como a magnitude do Criador, que é ofendido diariamente, quando nos sinais de trânsito fechamos os vidros para a realidade do ser humano à nossa volta e para a dificuldade de entenderemos que só o que salva o homem é o próprio homem.
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