segunda-feira, 1 de maio de 2023

O DIA EM QUE OS PARANAENSES ABRIRAM FOGO CONTRA UM NAVIO DE GUERRA INGLÊS

 

O DIA EM QUE OS PARANAENSES ABRIRAM FOGO CONTRA UM NAVIO DE GUERRA INGLÊS

Apesar de serem países amigos e cordiais parceiros comerciais, na segunda metade do século XIX o Brasil e a Inglaterra tinham um ponto conflitante quando o assunto era o tráfico negreiro. A Inglaterra era totalmente contra a prática, enquanto os políticos brasileiros, em concordância com os fazendeiros latifundiários, procuravam ganhar tempo quando o assunto era a extinção deste comércio. Acordos já existiam, porém, mas sua aplicação não era executada na costa brasileira. 

 

Desde o início do século XIX já haviam tratados entre o Brasil e Inglaterra proibindo o tráfico de escravos da África para o Brasil, e estes assinados em 1826 e 1831 que não eram cumpridos.

O porto de Paranaguá no sul do país tornou-se o local preferido pelos traficantes de homens, os quais eram contrabandeados para outros locais. Existem documentos históricos que comprovam a entrada ilegal de escravos, inclusive com a conivência das autoridades locais e do próprio Delegado. Uma lei de 07/11/1831 bastante específica era simplesmente ignorada e o torpe contrabando de escravos se processava naturalmente.

Os ingleses que haviam abolido o seu tráfico para as suas colônias em 1807 pressionavam o Brasil de todas as formas para que acabássemos com esse comércio, inclusive sendo um dos itens embutidos no pacote de exigências para que reconhecessem a nossa Independência. Entretanto, o Brasil não cumpria o acordo.Ressalte-se que a história do tráfico de escravos nas costas brasileiras até hoje não foi bem escrita. É um capítulo que os historiadores ainda não se atreveram a esmiuçá-lo.

Só no Rio de Janeiro, não mencionando as outras províncias, durante o período de 1796 a 1830 atracaram 1.576 navios negreiros desembarcando mais de 700.000 escravos.

 

Como os brasileiros não se dignavam a cumprir tais tratados, em 08/08/1845, o Parlamento Inglês aprovou o lei Bill Aberdeen , para reprimir o tráfico negreiro uma lei que permitia a apreensão de navios negreiros, mesmo que fosse em águas territoriais do país que exercesse o torpe trafico de homens e em especial do Brasil, nem que fosse para invadir seus portos prender e destruir os navios que contrabandeavam seres humanos e os navios de Sua Majestade cumpriram com determinação e rigor esta ordem. Para a costa brasileira algumas naves britânicas, baseadas no Rio da Prata, foram orientadas a intensificar esta atuação no início de 1850

Apesar da então poderosa Inglaterra ter aprovado uma lei tão unilateral, em verdade, mesmo em face do empenho das autoridades brasileiras, o contrabando de escravos neste país era uma calamidade. Tratava-se inclusive de um problema cultural e econômico, pois o tráfico foi o maior negocio de importação do país até 1850.

A flotilha inglesa chegou ao Brasil, vinda da África, em setembro de 1849, sob o comando do contra-almirante Barrington Reynolds. A nau capitânia era a veterana fragata, com 34 anos de serviço, HMS Southampton, sob o comando do capitão Nicholas Cory e guarnecida com quase 60 peças de artilharia.Havia ainda a corveta a vapor com hélices HMS Sharpshooter sob o comando do tenente John Barley, a corveta a vapor HMS Rifleman sob o comando do tenente Stephen Smith Lowther Crofton, a corveta a vapor HMS Tweed sob o comando de Lorde Francis Russell, a corveta a vapor HMS Harpy sob o comando do tenente Dalton, a corveta a vapor com rodas laterais HMS Cormorant sob o comando do capitão Herbert Schomberg e barcos de apoio que traziam carvão da Inglaterra.

 

O Cormorant era uma corveta da Classe Drive, tinha casco de madeira, havia sido lançado em 1842, possuía propulsão a vapor e a vela, com uma grande roda de pá na lateral. 

Tinha um deslocamento de 1.590 toneladas, 55 metros de comprimento, uma tripulação com 45 homens e um armamento de quatro canhões laterais de calibre 64 e duas torres sobre eixos com canhões de calibre 80.

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Capitão Sir Alexander Schomberg, avô do capitão do HMS Cormorant. Quadro de Willian Hogarth – Fonte – es.wahooart.com

Já o capitão Herbert Schomberg era um calejado comandante naval, que vinha de uma linhagem de preparados oficiais da Royal Navy.

Seu avô era o capitão Sir Alexander Schomberg, que se destacou na Guerra dos Sete anos. Já seu pai era o almirante Alexander Wilmot Schomberg, que obteve comados importantes nas Guerras Napoleônicas. 

Schomberg entrou na Royal Naval em dezembro de 1817.

Serviu durante quatro anos, ao largo da costa da América do Norte, no Canal da Mancha e nas Índias Ocidentais onde o navio foi empregado na repressão da pirataria.

Foi promovido tenente em setembro de 1827 e entre fevereiro 1828 a setembro de 1829 esteve envolvido em operações de combate ao contrabando na costa da Irlanda e no bloqueio de Tânger.

 Recebeu a promoção de capitão em junho de 1841.


Mas voltando ao caso brasileiro, como os barcos de guerra ingleses deveriam impedir o tráfico de escravos em veleiros nas costas brasileiras, havia uma lista de navios brasileiros preparada pelo inglês Mr. Hudson, encarregado dos negócios da Inglaterra ao contra-almirante Reynolds. Hudson era na verdade um espião a serviço de Sua Majestade no Rio de Janeiro e com sua ajuda as embarcações da Royal Navy caçavam estes barcos em nossas costas na maior tranquilidade. 

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Corveta inglesa HMS Driver, idêntica ao HMS Cormorant que provocou o Incidente de Paranaguá – Fonte – http://en.wikipedia.org – (Mesmo Modelo da Cormorant)

 

Em um modorrento domingo, 29 de junho de 1850, surgiu na Baía de Paranaguá o casco negro da corveta HMS Cormorant.

Paranaguá, litoral da província do Paraná, tornara-se um dos principais centros de contrabando de escravos no Brasil.

Naquele labirinto natural de ilhas costeiras, os traficantes utilizavam algumas delas para desembarques clandestinos. Essa informação também era do conhecimento da Royal Navy. 

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Foto de satélite da região da Baía de Paranaguá, com destaque para a Ilha do Mel. Pela imagem é possível ver a posição estratégica da Ilha do mel em relação ao resto da baía. Fonte – timblindim.wordpress.com

Para seguir adiante naquele setor e transpor a Barra de Paranaguá, o capitão Schomberg contratou os serviços de um prático na Ilha do Mel, situada na embocadura da baía.

Este foi o pescador Manoel Felipe.

Os ingleses chegaram ao porto do Alemão, na Ilha de Cotinga.

Neste porto estavam fundeados seis navios mercantes.

Utilizando-se de dois escaleres e sob o comando dos tenentes Charles Maxwell Luckraft e Herbert Philip de Kantzow, os invasores atacaram em um golpe rápido e o brigue Dona Ana, seguido do brigue Serea foram dominados. Vendo o ataque aos mercantes, o comandante do terceiro brigue, o Astro, resolveu afundá-lo para evitar que a “carga” (dezenas de sofridos escravos oriundos da África) fosse pilhada e o navio apreendido.

O barco de 176 toneladas ficou apenas com os três mastros para fora d’água e os africanos morreram afogados.

Após o ataque, os ingleses foram vistoriar os porões dos navios. Tal foi a surpresa ao constatar que ali existiam apenas víveres.

Todas estas naves detidas eram suspeitas de tráfico. No oficio o Comandante, invocava a convenção perpétua entre o Brasil e a Inglaterra, e que como chefe da Esquadra Britânica nesta região, tendo ordem para examinar todos os navios suspeitos de estarem empregados no tráfico de escravos.

Alguns parnanguaras, cerca de uns 80, especialmente jovens, inconformados com a violação das nossas águas territoriais, se reuniram e foram levar o ofício, ao Juiz Municipal que se recusou recebe-lo alegando que era apenas uma autoridade judiciária.

Em seguida foram ao Delegado de Polícia que também referiu não ser de sua alçada sendo então visitado a autoridade militar, o coronel da Guarda Nacional o maçom Manoel Antônio Guimarães (“Loja União Paranaguense”), futuro Visconde de Nácar, o qual alegou que se deveria ouvir a palavra do Capitão Joaquim Ferreira Barbosa comandante da Fortaleza da Ilha do Mel.

Ao ser perguntado pelo jovem Francisco José Pinheiro o que fazer com o oficio, o coronel sugeriu ironicamente: “deite-o no correio, que há de ir para a pessoa mais indicada para recebê-lo”.

Entretanto o Juiz municipal do Termo de Paranaguá  Filastro Nunes Pinto, enviou um oficio ao comandante do Comorant protestando contra a invasão e exigindo o respeito aos “mares territoriais” brasileiros.

O povo achou que as autoridades locais foram ineptas e, na mesma noite improvisaram embarcações após conseguirem armas munições alimentos se dirigiram até a Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres da Barra de Paranaguá localizada na Ilha do Mel, e desta vez convenceram o seu comandante o Capitão Joaquim Ferreira Barboza, sobrinho do Cônego Antônio Januário Barboza, maçom que participou ativamente da fundação do Grande Oriente Brasiliano e da Independência do Brasil, partidário de Ledo, a abrir fogo quando o navio estivesse saindo da baia.

E assim foi feito. O moderna Corveta bem equipada saiu em direção à barra no dia lº de Julho foi atingido pelos tiros dos velhos canhões do forte, respondeu ao fogo, tendo durado o combate cerca de um quarto de hora e, ao se afastar do alcance, incendiou os bergantins próximo da Ilha das Conchas e os afundou, levando a “Campeadora” a reboque.

Não houve baixas na Fortaleza, a não ser alguns estragos materiais, mas seus tiros ocasionaram ferimentos em vários e a morte de um marinheiro do “Cormorant”, além de avariar os bergantins que estavam rebocados também causando pequenos danos na Corveta.

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Nota do o jornal paranaense “A República”, durante a comemoração do cinquentenário do Incidente de Paranaguá, em 1 de julho de 1900.

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A Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres de Paranaguá está localizada na praia da Fortaleza, no sopé do Morro da Baleia (hoje da Fortaleza), na Ilha do Mel, cidade de Paranaguá, no litoral do Estado do Paraná.- Fonte – fortalezas.org

O Presidente da província protestou, mas em vão. O comandante do forte se explicou posteriormente perante um Conselho de Guerra, sendo absolvido mas destituído do comando da Fortaleza, passando à soldado de terceira classe do Exército, apesar de elogiado pelo então presidente da Província de São Paulo Vicente Pires da Mota. Lembrar que nesta época, o Paraná era ainda a 5ª Comarca da Província de São Paulo.

Foi a força da diplomacia inglesa que assim o exigiu, e o Brasil aceitou que estava sendo governado por um Imperador fraco, segundo David Carneiro, e por isso o Capitão acabou sendo vilão, quando, no entanto, foi mais um dos nossos heróis desconhecidos.

Este incidente causou delicado embaraço entre as relações do Brasil e a Inglaterra, pois a pressão diplomática que este país exerceu foi muito grande, porem foi útil, especialmente ao Brasil, porque em 04/09/1850 a Lei “Eusébio de Queirós” (grau 33 – Membro Honorário do Supremo Conselho do Brasil) proibia definitivamente o hediondo tráfico escravos no Brasil.

Entretanto, até 1861 existem relatos de que ainda continuava o tráfico pela barra do Rio Superagui em Paranaguá por onde entravam embarcações negreiras que iam até Guaraqueçaba fazendo contrabando de escravos.

Entre os parnanguaras mais exaltados que se dirigiram à histórica Fortaleza da Ilha do Mel estava um jovem de nome Previsto Gonçalves Columbia, que seria futuramente maçom e combatente na Guerra do Paraguai, alem do Tenente Joaquim Caetano de Souza e Francisco José Pinheiro que pertenceriam á Loja “Perseverança” de Paranaguá, e Manoel Francisco Grillo à Loja “Modéstia” de Morretes.

Hamilton F Sampaio Junior.’.

 

BIBLIOGRAFIA

Hercule Spoladore – A História da Maçonaria Paranaense no seculo XIX.

Carneiro D. “A história do Incidente Cormoran” – Edição da Municipalidade de Paranaguá Paranaguá,1950

Machado, M.L. “Sangue e Bravura” – Oficina Gráficas da Penitenciária do Paraná – Curitiba, 1944

Martins R. “História do Paraná – Editora Rumo Ltda. São Paulo, 1939 –

Wachowicz, R.C. “História do Paraná- Editora Gráfica Vicentina Ltda. – Curitiba,1988 Dicionário Histórico – Biográfico do Estado do Paraná – Editora Livraria do Chain – Curitiba, 1991 Corda de 81 Nós

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