O Crime do Circo de Niterói- O maior incêndio criminoso do mundo

Hoje eu não iria escrever, marquei a história de Maria II pra amanhã, mas, perdi o sono e fiquei pensando nessa história que me assombrou a vida toda.

Conversando há poucos anos com a escritora Zezé Pedrosa, autora do livro "Vidas em chamas", abordei o assunto de suas queimaduras no braço, e ouvi uma história que sempre acompanhou minha infância, motivo pela qual , nenhum circo vingou mais na cidade de Niterói, onde nasci, o famoso e absurdo incêndio do circo de Niterói

_ Cinquenta anos passaram e ainda sinto o cheiro de carne queimada – Relatou a escritora.

Lembro-me que quase não nasci por causa desse circo, minha mãe e minhas tias iam com a vizinha para a matinê naquele dia, mas, meu avô que trabalhava como encarregado no Lloyd brasileiro, que era uma empresa de navegação, saiu mais cedo do expediente e as encontrou na esquina de casa a caminho do circo e como homem de fama de ser muito severo com as filhas,(imaginem uma casa com dez filhas), não deixava as meninas saírem com ninguém, muito menos andarem de ônibus, colocou todo mundo pra casa, comeu minha avó no esporro e evitou possívelmente uma tragédia.

Escrever sobre episódio nos dá até uma certa angústia, acredito que todos que viveram àqueles dias passam por este mesmo sentimento, em um tempo em que chegar um circo na cidade era só motivo de alegria, principalmente para a criançada, e não era qualquer circo. O circo da família Stevanovich era um circo fascinante. O Palhaço Doracy Campos, ainda vivo, conhecido como o Treme-treme, me descreve a chegada do circo com lágrimas nos olhos. “Era dos circos mais ricos que havia na América do Sul. Chegava, fazia passeata, botava banda em cima de uma carreta que ele tinha e entrava na cidade com alto-falante, corneta – ‘Está chegando o Norte-Americano! ’Tinha três ou quatro elefantes, tinha uns vinte cavalos, tinha dromedário, camelo, hipopótamo Nossa! Tinha lhama, bicho que nunca ninguém viu por aqui (...) Ah, tinha um dos melhores trapezistas do mundo... Não era banda, era orquestra o que tinha”. Para comportar tantas atrações, as dimensões do circo eram também grandiosas. A lona podia abrigar 2.500 pessoas, e nesse dia, superou a lotação na sessão vespertina do dia 17 de dezembro de 1961, minha mãe tinha cinco anos na época.

Às 15h45, quando se aproximava o fim do último número – o salto tríplice dos trapezistas – teve início o maior incêndio de circo de todos os tempos. E a maior tragédia da história do país. “O espetáculo não pôde acabar. Só faltava o salto da morte”, estampou a Tribuna da Imprensa no dia seguinte. O jornal narrou assim o acontecido: “Em menos de vinte minutos o circo ficou completamente destruído, com um montão de corpos carbonizados na porta principal e outros espalhados pelas cadeiras e debaixo das arquibancadas. Um pouco longe do circo, era este o espetáculo: uns se arrastando quase em frente à estação [de trem] da Leopoldina, outros rasgando suas roupas (em chamas) aos gritos. Os que conseguiram sair sem ferimento gritavam por socorro. Dois minutos depois, chegava o Corpo de Bombeiros, que teve só um trabalho: juntar os mortos nos caminhões dos particulares e mandá-los para o necrotério. Praticamente não havia mais fogo”.

A perplexidade era coletiva. Sabe quando vemos uma notícia e levamos a mão na boca de tão incrédulos? Assim fiquei quando vi o Tsunami da indonésia e o atentado às torres gêmeas, balançando negativamente a cabeça sem acreditar no que via e ouvia. Mais ou menos como assistíamos os números de mortos da pandemia, sendo que essa é uma tragédia esperada, isso que viveram era o inesperado e o pior, criminoso. A maioria das vitimas, eram crianças, nessa época os pais deixavam os filhos saírem com os vizinhos e muita gente levou um monte de crianças.

"Mas, em 17 de dezembro de 1961, às 15h45, o teto virou uma abóboda flamejante. O mastro principal vergou e caiu, fazendo desabar a lona em chamas sobre a multidão. O pânico se instalou. A elefante Sema saiu em disparada e atropelou crianças (em compensação, quando conseguiu arrebentar uma parte da lona na fuga, salvou dezenas de vidas). “Foi o maior incêndio de circo de todos os tempos”, diz o historiador Paulo Knauss, autor de A Cidade como Sentimento: o Incêndio do Gran Circo Norte-Americano em Niterói, 1961".

No estádio esportivo Caio Martins foram enfileirados os corpos carbonizados, cobertos com panos brancos doados pelo povo. Uma vez reconhecidos, eram colocados, ali mesmo, nos caixões para o sepultamento. A necessidade de disponibilizar grande número de esquifes de diferentes tamanhos transformou o campo de futebol na “maior e mais triste carpintaria do mundo”, O governador Celso Peçanha convocou todos os marceneiros e carpinteiros de Niterói para a fabricação dos caixões em regime de urgência e a população passava noites abrindo covas. Chamava atenção o número de urnas para crianças. Durante vários dias, a cidade foi envolvida pelo clima dos velórios e enterros. Enquanto ocorriam os sepultamentos, novas covas eram abertas para os próximos. Carros circulavam com fitas pretas de luto e as pessoas penduravam panos pretos em suas janelas.

O Cemitério de São Miguel em São Gonçalo, precisou ser inaugurado às pressas, não tinha espaço em Niterói para enterrar tanta gente.

O palhaço Carequinha foi um dos colaboradores da inauguração do cemitério.

O circo tinha muitos animais, era quase um zoológico ambulante, tinha leões, ursos, macacos, ilhamas. Por instinto o elefante Semba, arrebentou as correntes e abriu a lona, apesar de pisotear muita gente, abriu espaço para muitas se salvarem. Como já estavam no final do espetáculo, os animais ja estavam guardados em suas jaulas na parte externa, quando as crianças passariam para acenar para os bichos e estes não foram atingidos pelo fogo, somente a lona virou um microondas em minutos, apesar do cartaz informar que a lona era de Nylon, ela era de algodão coberto de parafina, altamente inflamável e a porta de entrada estava com grades que seriam retiradas ao final do espetáculo, isso aumentou a aglomeração das pessoas em um só local e derrubou a lona em chamas justamente para esse lado, aumentando a violência da tragédia.

Outra imagem marcante foi a quantidade de sapatos amontoados no local do desastre. Nélia Siqueira Dupuy, mãe de um menino de 5 anos de idade que sobreviveu, recorda o que chamou sua atenção no picadeiro incendiado: “Quando nós chegamos lá, eu vi que a coisa tinha sido realmente muito feia, porque o que tinha de sapato...”. Quase um eco do que diz o palhaço Treme-Treme: “O que eu via de sapato, de gente – Deus me livre – morta”. Não escaparam à imprensa reações individuais de desespero. Diante da perda da mulher e dos filhos, um dono de botequim destruiu seu estabelecimento. Outro homem “enlouqueceu”, acusando a vizinha por ter levado seus filhos ao circo.

O caso mais difundindo foi o do Profeta Gentileza. Como suas primeiras pregações aconteceram no local do incêndio assim que soube do acidente, até hoje persiste o boato de que ele teria perdido a família na tragédia. O personagem ganharia fama no Rio de Janeiro, pintando suas mensagens em grandes painéis e viadutos "Gentileza gera Gentileza" já cantado até por Marisa Monte. Mas, este afirmou que era caminhoneiro e estava indo para o Sul do Brasil, havia acabado de sair do Estado e ouviu a notícia no rádio, como um "estalo", afirmava ter sentido as mãos de Deus guiando-o ao local para dar suporte espiritual às famílias, e foi o que fez, e nunca mais, voltou as estradas, a família dele, nunca mais saiu do eixo Rio-Niterói, o conheci e confesso que tinha medo dele, nem imaginava a grandiosidade poética desse cara, quase um Eduardo Marinho,quando este começou a ser ouvido e hoje é um grande palestrante sobre essência humana. Gentileza morreu na pobreza. Eu atravessava a Ponte para o Centro para estudar e o encontrava todos os dias.

O apoio às vítimas envolveu grande mobilização social. Em Niterói, a maioria dos atendimentos foi feita pelo Hospital Antônio Pedro, que estava fechado havia cerca de vinte dias por causa de uma greve. A carência da instituição era total, e seu funcionamento só foi possível graças ao empenho de órgãos públicos e particulares, e pelo grande número de doadores de sangue. Medicamentos, roupas, camas, comida – em pouco tempo o hospital recebeu mais doações do que era necessário. Comércio e indústria ficaram de portas abertas noite adentro para garantir medicamentos e materiais, atender feridos e realizar sepultamentos. A diretoria do Flamengo anunciou que colocava sua equipe à disposição para organizar um jogo em benefício das vítimas. Senhoras da sociedade criaram um fundo de assistência às vítimas.

Ações de solidariedade se espalharam por todo o Brasil e também no exterior. A embaixada dos Estados Unidos doou um estoque de antibióticos, ataduras e soro, e seu governo, em colaboração com a Cruz Vermelha, enviou quinhentos frascos de plasma sanguíneo. Da Argentina veio uma equipe de seis cirurgiões plásticos e oito enfermeiras do Instituto Nacional de Queimados, além de uma tonelada de medicamentos e material cirúrgico. “Vi o espetáculo mais triste de minha vida”, disse o presidente da República, João Goulart, em visita ao hospital, acompanhado pelo primeiro-ministro Tancredo Neves. Até o papa João XXIII rezou missa pelos mortos.

O chefe da equipe responsável pelo tratamento das vítimas de queimaduras se tornaria o mais conhecido cirurgião plástico brasileiro: Ivo Pitanguy. O trabalho foi tão intenso que abriu um grande campo de investigação dessa especialidade médica no país, contribuindo para tornar o Brasil a principal referência em cirurgia plástica no mundo. Hoje médico conhecido em Niterói, Carlos Caldas começou sua carreira ali. Ele acabava de voltar de seu baile de formatura, em Petrópolis: Foi o meu batismo de fogo como médico. Na acepção da palavra (...) Me disseram: pegou fogo no circo de Niterói, cheguei o mais rápido que pude. Eu fiquei desesperado, porque a minha mãe não foi ao baile. Evidentemente, não foi ao baile porque ficou com meu irmão menor, caçula, e eles iriam ao circo. Então, já começou meu drama. Aí, começamos logo a trabalhar. Sofri logo um impacto terrível porque o primeiro paciente que eu fui atender, um minuto ou dois depois ele morreu. Centenas de mortos, milhares de vidas afetadas, uma cidade inteira de luto, um país unido na dor e na solidariedade. Em menos de cinquenta anos depois, um episódio tão marcante parece ter se apagado da história. Mas não da memória.

Foram mais de seiscentos mortos, a maioria crianças. Não contabilizados ou reconhecidos cerca de oitenta.

Os criminosos assumiram o crime.

As suspeitas da polícia recaíram sobre Adilson Marcelino Alves, vinte e um anos, vulgo Dequinha. Descrito como “epiléptico com baixo nível mental”, vivia de biscates. Trabalhou na construção do Gran Circo, mas brigou com o capataz e foi demitido. O rapaz foi detido no morro da Boa Vista, em Niterói, onde morava com a mãe, enquanto comprava sabão para lavar roupa na bica comunitária. Dequinha confessou o crime. Teria recebido a ajuda de dois amigos, Walter Rosa dos Santos, o Bigode, e José dos Santos, conhecido como Pardal. Os três foram condenados a pena máxima, sete anos depois Dequinha fugiu e foi assassinado com treze tiros, no morro onde cresceu.

Nenhum processo indenizatório foi movido contra o circo, nessa época acredito que não tinham muito senso de responsabilidade civil.

Durante muitos anos, tentaram trazer outro circo para Niterói, mas o medo sempre assombra e as lembranças são impossíveis de não virem à tona.

As vítimas foram enterradas, mas a História não.

Passados muitos anos, minha mãe foi ter meu irmão caçula em um hospital em São Gonçalo, cidade vizinha, onde vivemos muitos anos e conheceu uma senhora que estava internada na ala feminina, pois iria retirar o útero em uma cirurgia para retirada de tumores. Essa senhora, levava consigo um relicário de Ouro, e como ia ao centro cirúrgico e não podia entrar com aquela joia, pediu que minha mãe guardasse, ela pediu que minha mãe só entregasse a irmã dela, caso acontecesse algo com ela, no relicário foto de um menino lindo de sete anos de idade e , ela conta que foi seu único filho, que havia falecido na tragédia do circo, estava com sua irmã, a única coisa que permitiu que ela o reconhecesse, foi a joia que não derreteu com o incêndio.

A Mãe, não voltou da sala de cirurgia. E a joia foi entregue a uma tia tão queimada que a pele do rosto havia se encolhido e juntado com a do pescoço em uma massa única que não deixava a cabeça mais voltar para o lugar.

Niterói ficou traumatizada. Apenas em 1975 um circo voltaria à cidade, o Hagenback. Este tinha lona importada, à prova de fogo, mas, nunca mais um circo foi bem aceito ou comemorado na cidade.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

O Crime do Circo de Niterói- O maior incêndio criminoso do mundo

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